A bancada ruralista e entidades que representam produtores rurais se preparam para ocupar o Congresso amanhã, três semanas depois da invasão do plenário da Câmara dos Deputados pelos índios ocorrida em abril. Com o clima cada vez mais tenso, a bancada vai cobrar a volta da portaria nº 303 de 2012 da Advocacia-Geral da União (AGU), que autoriza o governo a construir rodovias, hidrelétricas, linhas de transmissão de energia e instalações militares dentro das terras indígenas demarcadas.
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A reportagem é de Tarso Veloso e André Borges e publicada no jornal Valor, 07-05-2013.
Os deputados da Comissão da Agricultura convocaram a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, a prestar esclarecimentos sobre a suposta forma “desenfreada” com que têm sido feitas a identificação e a delimitação das terras indígenas em todo Brasil. Para tentar melhorar o clima ruim com os deputados, o governo também estaria estudando a troca da presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai). A hipótese é considerada sem efeito prático por deputados ruralistas. Questionado sobre a hipótese da saída da presidente da Funai, Marta Azevedo, o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), respondeu: “Deixe que role”. O parlamentar ruralista disse que a hipótese de troca na Funai é irrelevante. “Isso já foi feito antes e nada foi resolvido. Queremos uma nova regulamentação. A portaria 303 foi suspensa por pressão dos índios e queremos que volte”, disse.
De acordo com o presidente da associação que representa os produtores de soja (Aprosoja), Glauber Silveira, as federações estaduais de agricultura enviarão ônibus com produtores para protestar contra as demarcações de terras indígenas. Essas áreas, segundo Silveira, “já chegam a 13% do território nacional, ao passo que os índios não representam 0,5% da população brasileira”.
Para encorpar a manifestação, os ruralistas preparam diversas caravanas. Os deputados da bancada conseguiram trocar o auditório em que as sessões da Comissão de Agricultura são, geralmente, realizadas por outro, com uma área maior. Além disso, vão instalar um telão para que todos possam assistir à audiência. A estimativa de participação é de 300 pessoas.
O Valor PRO , serviço em tempo real do Valor, conversou com as principais lideranças dos movimentos indígenas que, em abril, tomaram conta do Congresso. Não estão previstas manifestações durante a audiência. Na próxima semana, dez líderes indígenas reúnem-se em Brasília com uma comissão paritária de dez deputados para discutir o texto da PEC 215, que transfere a responsabilidade de demarcar terras indígenas da Funai para Congresso. A Funai já se manifestou contra a medida. Os índios também entendem que, se a delimitação de áreas passar do Executivo para o Legislativo, será criado um verdadeiro balcão de negócios de terras para agricultura.
A audiência em Brasília ocorre no momento em que cerca de 150 indígenas paralisam um dos maiores canteiros de obra da hidrelétrica de Belo Monte, em construção no rio Xingu, no Pará. A ocupação teve início na quinta-feira e não tem prazo para acabar. Cerca de 4 mil funcionários estão parados. A Força Nacional e a Polícia Militar estão presentes na região desde sexta-feira. Não há registro de casos de violência ou de destruição de bens.
Os índios, vindos de diversas regiões do Pará, pedem a paralisação imediata de estudos sobre novas hidrelétricas planejadas para a região amazônica, além de outras que estão em pleno andamento, com a usina de Belo Monte.
O Valor conversou com lideranças indígenas que estão presentes no canteiro Belo Monte. Eles exigem a presença de representantes do alto escalão do governo, seja da Casa Civil ou do Ministério de Minas e Energia. Já ocorreram diálogos com representantes da Funai e da Secretaria-Geral da Presidência da República, mas o diálogo não avançou.
O que os índios pleiteiam é praticamente inaceitável para o governo: querem paralisar completamente todas as obras hidrelétricas na região amazônica, incluindo Belo Monte, Teles Pires e os estudos de viabilidade das usinas no Tapajós.
Segundo informações de pessoas que estão no canteiro de obras de Belo Monte, o consórcio construtor da usina (CCBM), liderado pela empresa Andrade Gutierrez, está entregando alimentos e água aos manifestantes. Os índios foram alocados em alguns dos alojamentos da empresa. O consórcio Norte Energia, dono do empreendimento, voltou a recorrer à Justiça Federal pedindo reintegração de posse de canteiro. Na semana passada, a Justiça negou a liminar ajuizada pelo consórcio.
No fim de semana, três repórteres foram impedidos de realizar a cobertura jornalística da ocupação e retirados pela Força Nacional. A juíza Cristina Sandoval Collier, da 4ª Vara Cível de Altamira, atendeu pedido do CCBM, o que levou à expulsão de dois jornalistas e a aplicação de multa em um terceiro.