Risco de câncer: vinho ou cigarros dá no mesmo?

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Roxanne Nelson

17 de abril de 2019

Beber uma garrafa de vinho por semana equivale a fumar de cinco a 10 cigarros por semana quando se trata de aumentar o risco de câncer ao longo da vida, de acordo com um novo estudo que recebeu grande cobertura da mídia.

O estudo feito no Reino Unido foi tanto criticado como elogiado pelos especialistas consultados pelo Medscape.

Para as mulheres, o consumo de uma garrafa de vinho por semana aumentou o risco absoluto de câncer ao longo da vida na mesma proporção que fumar 10 cigarros por semana, em grande parte devido ao maior risco de câncer de mama.

Entre os homens, beber uma garrafa de vinho por semana aumentou o risco absoluto de câncer ao longo da vida equivalente ao consumo de cinco cigarros.

O trabalho foi publicado online em 28 de março no periódico BMC Public Health. Embora existam muitas publicações e pesquisas analisando tanto o cigarro como o álcool e seus respectivos riscos de câncer, este é o primeiro artigo a compará-los.

“Nós simplesmente realizamos um cálculo baseado em dados de grandes estudos epidemiológicos anteriores, conforme descrito em nossa metodologia”, disse a primeira autora, Dra. Theresa Hydes, Ph.D., médica e pesquisadora clínica de hepatologia do University Hospital Southampton, na Inglaterra. Ela explicou que a equivalência com cigarros foi usada principalmente para ajudar na conscientização do público sobre o risco entre o álcool e o câncer.

“O público associa o álcool à doença hepática, mas geralmente não tem consciência de que é a quinta principal causa de câncer e, é claro, que as taxas de consumo continuam aumentando em muitos países”, disse a Dra. Theresa ao Medscape.

Dois especialistas convidados a comentar o estudo pelo Medscape revelaram pontos de vista diferentes sobre o trabalho.

A Dra. Ruth Etzioni, Ph.D., bioestatística do Fred Hutchinson Cancer Research Center, em Seattle, Washington, não se convenceu de que comparar cigarros e álcool seja útil para o público.

O título do artigo contém a frase “Quantos cigarros há em uma garrafa de vinho?” De acordo com a Dra. Ruth, isso mostra que “obviamente foi escrito para chamar atenção”. E completou: “Eu recomendaria dar a menor atenção possível”.

“Os tumores causados pelo tabagismo, que são muito claros, não são os mesmos que os supostamente induzidos pelo álcool – que são muito menos claros”, explicou a Dra. Ruth.

“Fazer essa comparação não ajuda e certamente gera apreensão. Há muito mais incerteza sobre o risco de câncer causado pelo consumo de álcool do que pelo cigarro”.

O estudo é um desserviço aos leigos preocupados com a própria saúde, sugeriu a Dra. Ruth. “Esse é o tipo de publicação que faz com que as pessoas que tentam cuidar bem da própria saúde arranquem os cabelos”.

Outro especialista, no entanto, viu mérito no estudo.

“Profissionais de e, possivelmente, o público, têm questionado sobre os riscos do álcool em comparação com o tabagismo, e este artigo claro e excelente traz essa informação”, comentou o Dr. Mark Petticrew, Ph.D., professor de avaliação em saúde pública da Faculty of Public Health and Policy na London School of Hygiene and Tropical Medicine, na Inglaterra.

“Por essa razão, é um estudo incomum e importante”.

Ele disse ainda que os autores não são “alarmistas” e eles dizem isso. “O artigo começa dizendo ‘devemos primeiro deixar absolutamente claro que este estudo não diz que beber álcool em moderação é de alguma forma equivalente ao fumo’”, disse o Dr. Mark.

“A análise também olhou para o câncer isoladamente, e o álcool causa outros problemas de saúde que precisam ser considerados”.

Uma garrafa de vinho aumenta o risco

Neste estudo, Dra. Theresa e colaboradores estimaram o aumento do risco absoluto de câncer relacionado com o consumo moderado de álcool e o compararam com o aumento do risco absoluto de câncer secundário ao tabagismo.

Os autores usaram os dados de risco de câncer ao longo da vida do Cancer Research UK para calcular o possível risco de câncer ao longo da vida associado ao consumo de 10 unidades de álcool (10 ml ou 8 g de álcool puro) ou 10 cigarros por semana. As frações atribuíveis ao álcool e ao tabaco foram então subtraídas dos riscos gerais da população em geral para tumores relacionados com álcool e tabagismo, a fim de estimar o risco de câncer ao longo da vida em não fumantes abstêmios de álcool. Isso foi então multiplicado pelo risco relativo de beber 10 unidades de álcool ou fumar 10 cigarros por semana e outros níveis mais altos de uso.

Os resultados mostraram que para os homens não fumantes, o aumento no risco absoluto de câncer por beber uma garrafa de vinho por semana foi de 1,0%, enquanto para mulheres não fumantes, o risco foi cerca de 50% maior em 1,4%.

Nos homens, o aumento do risco de câncer se manifesta principalmente nos tumores gastrointestinais (por exemplo, orofaringe, esôfago, colorretal, fígado); nas mulheres, o câncer de mama foi responsável por 55% dos casos adicionais. Os autores enfatizaram que este achado foi importante porque o tabagismo também é uma causa de câncer do trato gastrointestinal importante, mas não do câncer de mama. Portanto, se 1.000 homens e 1.000 mulheres consumissem uma garrafa de vinho por semana, cerca de 10 homens e 14 mulheres teriam câncer como resultado.

Em seguida, eles compararam o aumento percentual do risco absoluto ao longo da vida para todos os tumores relacionados com o álcool e o tabaco devido ao uso de 10 cigarros por semana ou 10 unidades de álcool por semana. Isso mostrou que baixos níveis de tabagismo tinham o maior risco para os homens (risco absoluto, ou RA, de 2,1% por 10 cigarros, RA de 1,0% por 10 unidades de álcool) e que o risco de câncer foi visto em todas as malignidades relacionadas com o tabagismo.

Para as mulheres, esse aumento foi comparável (RA de 1,5% por 10 cigarros, RA de 1,4% por 10 unidades de álcool), devido à incidência de câncer de mama ser parcialmente ligada ao consumo de bebidas alcoólicas.

Não foi surpresa que o aumento da ingestão de álcool foi acompanhado pelo aumento do risco de tumores relacionados ao álcool ao longo da vida. Beber três garrafas de vinho por semana ou cerca de meia garrafa por dia, foi associado com aumento do risco absoluto de câncer em toda a vida de 1,9% para os homens e de 3,6% para as mulheres – ou 19 a cada 1.000 homens e 36 a cada 1.000 mulheres, respectivamente. Extrapolando para o tabagismo, seriam cerca de oito cigarros por semana para homens e 23 cigarros por semana para mulheres.

“Temos certeza de que não há benefícios para a saúde em beber”, disse a Dra. Theresa.

“Embora esses estudos sejam muitas vezes financiados pela indústria do álcool – em geral, suas descobertas até agora foram desacreditadas, muitas vezes devido ao fato de que os abstêmios nesses estudos se abstiveram devido a problemas de saúde e, portanto, distorceram os dados. Agora, há evidências robustas de que baixos níveis de ingestão de álcool não fornecem quaisquer benefícios de proteção à saúde”.

Ela disse ainda que a International Agency for Research on Cancer da Organização Mundial de Saúde (OMS), o World Cancer Research Fund e o American Institute for Cancer Research declararam que nenhum nível de consumo de álcool é completamente seguro, o que levou à mudança das diretrizes para consumo consciente de álcool no Reino Unido de 2016 para afirmar que nenhum nível de consumo de álcool é totalmente seguro.

Álcool e o coração

O Dr. Mark também lembrou que mesmo que alguns estudos tenham encontrado uma possível relação protetora entre o álcool e doenças cardíacas, essa relação ainda não foi esclarecida, e podem haver outras explicações para este achado.

“Mesmo que tal efeito protetor seja real – o que é contestado – ele está relacionado apenas com doenças cardíacas e existem cerca de 200 outras doenças com risco aumentado pelo álcool, inclusive o câncer”.

É importante ressaltar que, para baixos níveis de consumo, o risco de câncer é baixo, explicou o Dr. Mark. “Além disso, em termos de álcool e doenças cardíacas, se houver um efeito protetor, isso ocorre em níveis muito baixos de consumo”.

No que tange à comunicação dessa informação para o público, o estudo levanta outras questões. “É importante saber como o público responderia à mensagem que descreve o risco do álcool em termos de cigarros fumados”, acrescentou.

“Nós não sabemos o suficiente sobre isso. Será que o público acha que o pequeno aumento do risco ‘vale a pena’? Será que rejeitarão essa mensagem? Este seria um estudo importante a ser realizado”.

Os autores do trabalho enfatizaram que embora esses novos dados façam uma comparação realista, “deve-se entender que os riscos descritos são riscos de nível populacional, o efeito de 10 unidades de álcool por semana ou 10 cigarros por semana em um nível individual varia devido a outras características como o estilo de vida, genética, etc.”.

A autora principal, Dra. Theresa, também destacou que, embora a equipe tenha se esforçado para corrigir o efeito sinérgico entre beber e fumar, “isso ainda será um problema. Se você beber e fumar, os riscos de câncer não se somam, eles se multiplicam”.

Embora os riscos do tabagismo para a saúde estejam bem estabelecidos e amplamente compreendidos pelo público, a situação é diferente com o álcool, especialmente no que se refere ao câncer. Mesmo que os estudos tenham demonstrado que o consumo de álcool é um fator de risco para várias neoplasias, a conscientização do público em geral é baixa. Em uma pesquisa realizada em 2017 pela American Society for Clinical Oncology, por exemplo, 70% dos norte-americanos não citaram o consumo de álcool como um fator de risco para o câncer, conforme publicado pelo Medscape.

O estudo não recebeu financiamento externo. A Dra. Ruth Etzioni e o Dr. Mark Petticrew informaram não ter conflitos de interesses relevantes.

BMC Public Health. 2019, 19: 316. Texto completo

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