Rio+20: Economistas dizem o que está em jogo, artigo de Washington Novaes.

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É curioso e inquietante. À medida que se vai o tempo e se aproxima o momento da conferência (que será realizada em junho no Rio de Janeiro), mais frequentes se tornam as manifestações de dúvidas quanto à possibilidade de a discussão avançar em direção a formatos concretos de “governança planetária sustentável” e “ verde” no plano global – seus temas centrais. Por que caminhos práticos e viáveis se chegaria aí, quando, neste momento de crise universal, nenhum país parece disposto a abrir mão de suas regras internas nem a abandonar os tradicionais caminhos de aumentar a demanda, sobrecarregar o consumo de recursos naturais, para favorecer o crescimento econômico? Como deixar de lado as fórmulas repisadas, do monetarismo absoluto ao keynesianismo e vizinhanças?

 

http://www.ecodebate.com.br/2012/02/13/rio20-economistas-dizem-o-que-esta-em-jogo-artigo-de-washington-novaes/

 

E, no entanto, lentamente a discussão e o noticiário parecem aproximar-se de um limite indesejado e execrado até em palavras – o da finitude dos recursos físicos, num momento em que o consumo global já está mais de 30% além da possibilidade de reposição planetária; em que já se perdeu também mais de 30% da total; e ainda é preciso avaliar as consequências de a população mundial caminhar dos 7 bilhões de indivíduos de hoje para 9 bilhões, pelo menos, até 2050. E isso obrigará só a produção de alimentos – para ficar num único item – a aumentar 70%. Sem falar no bilhão de pessoas que passa fome, nos 40% da humanidade que vivem abaixo da linha da pobreza.

Bem ou mal, entretanto, o tema vai chegando à comunicação, com a força de diagnósticos e opiniões de economistas e outros intelectuais conceituados. Um deles (Os novos limites do possível) é do ex-presidente do BNDES e um dos autores do bem-sucedido Plano Real André Lara Resende, que há poucos dias o publicou no jornal Valor (20/1). Ali, entre muitas coisas, afirma ele que “não há mais como pretender que a economia mundial poderá continuar a crescer. (…) Não há mais como contar com o crescimento da demanda de bens materiais para crescer. O crescimento pode não ser mais a opção de saída para a crise. (…) Não há como viabilizar sete bilhões de pessoas com o padrão de consumo e as aspirações do mundo contemporâneo, nos limites físicos da Terra. (…) O crescimento baseado na expansão do consumo de bens materiais está no seu capítulo final”. Subscrevendo a tese do economista Paul Gilding, da Universidade de Cambridge, pensa ele que “seremos obrigados a enfrentar uma parada brusca profundamente traumática”. E a reorganização da economia é “questão de, no máximo, uma década”.

Parece curiosa a evolução do pensamento do ex-presidente do BNDES. Porque no livro O Rio É Tão Longe (Companhia das Letras, 2011), que traz a correspondência de décadas entre Otto Lara Resende e Fernando Sabino, o pai de André, numa carta de 1959, conta que o filho, então com 8 anos de idade, perguntou à mãe: “Se Adão e Eva não tivessem pecado, ninguém morria. Então, como é que ia caber tanta gente na Terra e como é que ia todo mundo comer?”. Observava Otto: “Esse menino vai longe, acaba na Cofap”. Foi muito além, chegou à autoria, com outros economistas, dos Planos Cruzado e Real, à presidência do BNDES, muitos caminhos. Mas agora, meio século depois, continua preocupado com a finitude de recursos.

Essa inquietação já estava presente no livro O que os Economistas Pensam sobre (Editora 34, 2010), já comentado neste espaço, onde André Lara Resende afirma que “estamos ameaçando perigosamente o sistema ecológico”; essa ideia “é absolutamente verdadeira e tem de ser enfrentada. (…) Mais crescimento pode se tornar menos bem-estar. (…) A restrição ecológica, sobre a qual não se prestava atenção porque parecia distante, hoje é premente”. E, pesando sobre tudo, a frase que se torna um desafio para os economistas e todos os que pensam: “O Estado-Nação se tornou uma coisa anacrônica. (…) Você tem de ter um governo central, é óbvio, mas o mundo ficou pequeno. (…) Quem está ameaçada é a humanidade, não o ecossistema”.

Desafios gigantescos, compartilhados – em parte ou não – no livro com professores como Ricardo Abramovay, Edmar Bacha, Eduardo Giannetti, José Eli da Veiga, Besserman Vianna e vários outros. Abramovay chega a dizer que “o que está em jogo, hoje, em torno de uma questão de sobrevivência da espécie humana, não apenas da sobrevivência do sistema capitalista, mas da e da civilização contemporânea, é a capacidade das economias descentralizadas de responder ao desafio da sustentabilidade”.

Sempre surgem vozes que põem em dúvida diagnósticos com os do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), da Organização das Nações Unidas para e Alimentação (), do Worldwatch Institute, do WWF e muitos outros, que apontam para a inviabilidade dos caminhos que estão levando à exaustão de recursos – e à impossibilidade de, nos atuais padrões de produção, atender ao consumo futuro. Mas basta relembrar o estudo publicado já em 2007 pela revista New Scientist, comentado aqui (27/7/2007), mostrando que em pouco tempo de esgotarão as reservas conhecidas de vários dos minérios mais utilizados, inclusive em setores estratégicos, como chips de computadores, telefones , catalisadores de veículos, células de combustível. Eles dependem de platina, índio, háfnio, térbio, tântalo, antimônio, zinco, cobre, níquel, fósforo e outros, todos com horizonte curto.

Ainda uma vez, é preciso pensar na situação privilegiada do em várias áreas – háfnio, níquel, tântalo, alumínio, estanho. E conceber estratégias adequadas não apenas em termos econômicos, de crescimento de mercados, projeções de demanda, etc., mas de sustentabilidade. E não apenas em termos nacionais, mas globais. Os tempos que estão chegando são outros. É preciso ter competência e urgência.

Washington Novaes, jornalista. E-mail: [email protected]

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

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