Rio+20: Economistas dizem o que está em jogo, artigo de Washington Novaes.

É curioso e inquietante. À medida que se vai o tempo e se aproxima o momento da conferência (que será realizada em junho no Rio de Janeiro), mais frequentes se tornam as manifestações de dúvidas quanto à possibilidade de a discussão avançar em direção a formatos concretos de “governança planetária sustentável” e “economia verde” no plano global – seus temas centrais. Por que caminhos práticos e viáveis se chegaria aí, quando, neste momento de crise universal, nenhum país parece disposto a abrir mão de suas regras internas nem a abandonar os tradicionais caminhos de aumentar a demanda, sobrecarregar o consumo de recursos naturais, para favorecer o crescimento econômico? Como deixar de lado as fórmulas repisadas, do monetarismo absoluto ao keynesianismo e vizinhanças?

 

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E, no entanto, lentamente a discussão e o noticiário parecem aproximar-se de um limite indesejado e execrado até em palavras – o da finitude dos recursos físicos, num momento em que o consumo global já está mais de 30% além da possibilidade de reposição planetária; em que já se perdeu também mais de 30% da biodiversidade total; e ainda é preciso avaliar as consequências de a população mundial caminhar dos 7 bilhões de indivíduos de hoje para 9 bilhões, pelo menos, até 2050. E isso obrigará só a produção de alimentos – para ficar num único item – a aumentar 70%. Sem falar no bilhão de pessoas que passa fome, nos 40% da humanidade que vivem abaixo da linha da pobreza.

Bem ou mal, entretanto, o tema vai chegando à comunicação, com a força de diagnósticos e opiniões de economistas e outros intelectuais conceituados. Um deles (Os novos limites do possível) é do ex-presidente do BNDES e um dos autores do bem-sucedido Plano Real André Lara Resende, que há poucos dias o publicou no jornal Valor (20/1). Ali, entre muitas coisas, afirma ele que “não há mais como pretender que a economia mundial poderá continuar a crescer. (…) Não há mais como contar com o crescimento da demanda de bens materiais para crescer. O crescimento pode não ser mais a opção de saída para a crise. (…) Não há como viabilizar sete bilhões de pessoas com o padrão de consumo e as aspirações do mundo contemporâneo, nos limites físicos da Terra. (…) O crescimento baseado na expansão do consumo de bens materiais está no seu capítulo final”. Subscrevendo a tese do economista Paul Gilding, da Universidade de Cambridge, pensa ele que “seremos obrigados a enfrentar uma parada brusca profundamente traumática”. E a reorganização da economia é “questão de, no máximo, uma década”.

Parece curiosa a evolução do pensamento do ex-presidente do BNDES. Porque no livro O Rio É Tão Longe (Companhia das Letras, 2011), que traz a correspondência de décadas entre Otto Lara Resende e Fernando Sabino, o pai de André, numa carta de 1959, conta que o filho, então com 8 anos de idade, perguntou à mãe: “Se Adão e Eva não tivessem pecado, ninguém morria. Então, como é que ia caber tanta gente na Terra e como é que ia todo mundo comer?”. Observava Otto: “Esse menino vai longe, acaba na Cofap”. Foi muito além, chegou à autoria, com outros economistas, dos Planos Cruzado e Real, à presidência do BNDES, muitos caminhos. Mas agora, meio século depois, continua preocupado com a finitude de recursos.

Essa inquietação já estava presente no livro O que os Economistas Pensam sobre (Editora 34, 2010), já comentado neste espaço, onde André Lara Resende afirma que “estamos ameaçando perigosamente o sistema ecológico”; essa ideia “é absolutamente verdadeira e tem de ser enfrentada. (…) Mais crescimento pode se tornar menos bem-estar. (…) A restrição ecológica, sobre a qual não se prestava atenção porque parecia distante, hoje é premente”. E, pesando sobre tudo, a frase que se torna um desafio para os economistas e todos os que pensam: “O Estado-Nação se tornou uma coisa anacrônica. (…) Você tem de ter um governo central, é óbvio, mas o mundo ficou pequeno. (…) Quem está ameaçada é a humanidade, não o ecossistema”.

Desafios gigantescos, compartilhados – em parte ou não – no livro com professores como Ricardo Abramovay, Edmar Bacha, Eduardo Giannetti, José Eli da Veiga, Besserman Vianna e vários outros. Abramovay chega a dizer que “o que está em jogo, hoje, em torno de uma questão de sobrevivência da espécie humana, não apenas da sobrevivência do sistema capitalista, mas da democracia e da civilização contemporânea, é a capacidade das economias descentralizadas de responder ao desafio da sustentabilidade”.

Sempre surgem vozes que põem em dúvida diagnósticos com os do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), do Worldwatch Institute, do WWF e muitos outros, que apontam para a inviabilidade dos caminhos que estão levando à exaustão de recursos – e à impossibilidade de, nos atuais padrões de produção, atender ao consumo futuro. Mas basta relembrar o estudo publicado já em 2007 pela revista New Scientist, comentado aqui (27/7/2007), mostrando que em pouco tempo de esgotarão as reservas conhecidas de vários dos minérios mais utilizados, inclusive em setores estratégicos, como chips de computadores, telefones celulares, catalisadores de veículos, células de combustível. Eles dependem de platina, índio, háfnio, térbio, tântalo, antimônio, zinco, cobre, níquel, fósforo e outros, todos com horizonte curto.

Ainda uma vez, é preciso pensar na situação privilegiada do Brasil em várias áreas – háfnio, níquel, tântalo, alumínio, estanho. E conceber estratégias adequadas não apenas em termos econômicos, de crescimento de mercados, projeções de demanda, etc., mas de sustentabilidade. E não apenas em termos nacionais, mas globais. Os tempos que estão chegando são outros. É preciso ter competência e urgência.

Washington Novaes, jornalista. E-mail: [email protected]

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.