O tricloroetileno, ou ‘tri’ ou mesmo conhecido como a ‘droga loló’, pe vendido largamente no Brasil.
https://portugues.medscape.com/verartigo/6509367
Batya Swift Yasgur
27 de março de 2023
Um produto químico comum, usado em corretivos escolares, removedores de tinta, produtos para a limpeza de armas e produtos de limpeza em aerossol e lavagem a seco, pode ser o principal responsável pelo drástico aumento do número de pessoas com doença de Parkinson, segundo pesquisadores.
Uma equipe internacional de pesquisadores revisou estudos e apresentou dados sugerindo que o tricloroetileno está associado ao aumento de 500% do risco de doença de Parkinson.
Tricloroetileno 100%, 1.000 ml.
O médico e pesquisador responsável pelo estudo, Dr. Ray Dorsey, que é professor de neurologia na University of Rochester nos Estados Unidos, disse para o Medscape que a doença de Parkinson é “a doença cerebral que mais cresce no mundo” e que ela “pode ser, em grande medida, evitável”.
“Ao longo de gerações, inúmeras pessoas morreram de câncer e de outras doenças ligadas ao tricloroetileno, e a doença de Parkinson pode ser a mais recente”, disse o especialista. “Proibir esses produtos químicos, isolar os locais contaminados e proteger casas, escolas e edifícios em risco pode criar um mundo no qual a doença de Parkinson seja cada vez mais rara, algo incomum.”
O artigo foi publicado on-line em 14 de março no periódico Journal of Parkinson’s Disease.
Invisível, mas onipresente
O tricloroetileno foi sintetizado pela primeira vez em laboratório em 1864, e passou a ser produzido em escala comercial a partir de 1920, observaram os pesquisadores.
“Por suas propriedades peculiares, o tricloroetileno teve inúmeras aplicações industriais, comerciais, militares e médicas”, como a produção de refrigerantes, produtos de limpeza de artigos eletrônicos e desengordurantes de peças de motores.
Além disso, tem sido usado na lavagem a seco, embora um produto químico similar a ele (o percloroetileno) seja mais utilizado para esse fim atualmente. No entanto, os autores observaram que, em condições anaeróbias, o percloroetileno muitas vezes se transforma em tricloroetileno “e a toxicidade deles pode ser semelhante”.
Alguns dos produtos comerciais nos quais o tricloroetileno é encontrado são corretivos escolares, removedores de tinta, produtos para a limpeza de armas e produtos de limpeza em aerossol. Até a década de 1970, era usado para descafeinar o café.
A exposição ao tricloroetileno não se limita às pessoas que trabalham com o produto. Ele também polui o ar (nos ambientes fechados e nas áreas externas) e contamina os lençóis freáticos. A substância está presente em quantidade significativa nos lençóis freáticos nos EUA e “evapora do solo e das águas subterrâneas, entrando em casas, locais de trabalho ou escolas, muitas vezes sem ser detectado”, observaram os pesquisadores.
“A exposição [ao tricloroetileno] pode ocorrer em atividades [que envolvam o produto] ou vir do ambiente e muitas vezes não é identificada no momento em que ocorre”, disse o Dr. Ray.
O médico observou que o rápido aumento da incidência da doença de Parkinson não pode ser explicado apenas por fatores genéticos, presentes em apenas cerca de 15% dos pacientes com doença de Parkinson, nem pode ser explicado apenas pelo envelhecimento. “[O uso de] certos pesticidas… é uma causa provável, mas não explicaria a alta prevalência da doença de Parkinson nas regiões urbanas, como é o caso nos EUA.” Em vez disso, “há outros fatores” envolvidos e o “tricloroetileno provavelmente é um desses fatores”.
No entanto, “apesar da contaminação generalizada e do aumento do uso industrial, comercial e militar, as pesquisas clínicas do tricloroetileno e da doença de Parkinson têm sido escassas”.
Para preencher essa lacuna de conhecimento, o Dr. Ray e os coautores do livro “Ending Parkinson’s Disease: A Prescription for Action” mergulharam profundamente nos estudos sobre o assunto. Eles se concentraram na potencial relação do tricloroetileno com a doença de Parkinson e apresentaram sete casos para ilustrar essa associação.
“Como muitas mutações genéticas (como a Parkin) e [a ação de] outras substâncias tóxicas ambientais, o tricloroetileno danifica as partes produtoras de energia das células, ou seja, as mitocôndrias”, disse o Dr. Ray.
O tricloroetileno e o percloroetileno “provavelmente medeiam sua toxicidade através de um metabólito comum”. Como ambos são lipofílicos, se “distribuem imediatamente no cérebro e nos tecidos do corpo e parecem causar disfunção mitocondrial [quando presentes] em altas doses [no organismo]”, segundo a hipótese dos pesquisadores.
Os neurônios dopaminérgicos são particularmente sensíveis às substâncias neurotóxicas que afetam as mitocôndrias, então isso pode “explicar parcialmente a relação [do tricloroetileno] com a doença de Parkinson”.
Estudos em modelo animal mostraram que o produto químico “causou perda seletiva de neurônios dopaminérgicos”. Além disso, a neuropatologia relacionada com a doença de Parkinson foi encontrada na substância negra de roedores expostos ao tricloroetileno ao longo do tempo. Ademais, já em 1960 estudos mostraram a associação entre o tricloroetileno e o parkinsonismo.
Os autores descreveram o tricloroetileno como “onipresente” na década de 1970, quando 10 milhões de estadunidenses trabalhavam diariamente em contato com solventes químicos ou outros solventes orgânicos. A revisão detalha uma extensa lista de atividades industriais e ocupações nas quais a exposição ao tricloroetileno continua acontecendo.
As pessoas que trabalham com o tricloroetileno podem absorver a substância por inalação ou pelo toque; mas “milhões de outras pessoas sem saber entram em contato com o produto químico [presente] no ar livre, nos lençóis freáticos contaminados e na poluição do ar no interior dos ambientes”.
Os pesquisadores observam que o tricloroetileno contamina até um terço da água potável dos EUA, polui os lençóis freáticos em mais de 20 países diferentes nos cinco continentes e é encontrado em metade dos 1.300 locais mais tóxicos com atuação do Superfund — um programa federal estadunidense de limpeza ambiental de áreas contaminadas —, “sendo 15 [dessas áreas localizadas] no Vale do Silício, onde o tricloroetileno era usado para limpar produtos eletrônicos”.
Embora os militares dos EUA tenham parado de usar o tricloroetileno, vários locais foram contaminados, como a Marine Corps Base Camp Lejeune, onde o tricloroetileno e o percloroetileno foram encontrados na água potável em quantidades 280 vezes acima dos padrões de segurança recomendados.
Os pesquisadores destacaram sete casos de pessoas que tiveram doença de Parkinson após provável exposição ao tricloroetileno, como o jogador de basquete Brian Grant, que apresentou os sintomas da doença em 2006 aos 34 anos de idade.
Brian viveu em Camp Lejeune com sua família na infância, durante a qual ele bebia, tomava banho e nadava em água contaminada, “sem saber que era tóxica”. Seu pai morreu de câncer de esôfago, “que está ligado ao tricloroetileno”, escreveram os autores do estudo. O atleta criou uma fundação para inspirar e apoiar os pacientes com doença de Parkinson.
Todas as pessoas analisadas cresceram ou passaram algum tempo em uma região onde foram muito expostas ao tricloroetileno, ao percloroetileno ou a outros produtos químicos, ou tiveram exposição ocupacional.
Os autores reconhecem que o entendimento do papel do tricloroetileno na doença de Parkinson, como ilustrado pelos casos, está “longe de ser definitivo”. Por exemplo, a exposição ao tricloroetileno costuma ser combinada com a exposição a outras toxinas, ou com fatores de risco genéticos não avaliados.
Eles destacaram a necessidade de mais pesquisas e reivindicaram a limpeza e o isolamento dos locais contaminados, o monitoramento dos níveis de tricloroetileno, a comunicação pública do risco e a proibição da substância.
Viés de memória?
Convidada pelo Medscape para comentar sobre os achados, a Dra. Rebecca Gilbert, Ph.D., médica e diretora científica na American Parkinson Disease Association, observou que os autores “são muito francos sobre as limitações desta abordagem, que usa casos ilustrativos como prova de causalidade entre a doença de Parkinson e a exposição ao tricloroetileno”.
Outra limitação é que a exposição à substância é muito comum, “como pondera o próprio artigo”. Mas “a maioria das pessoas expostas não evolui com a doença de Parkinson”, disse a Dra. Rebecca. “Ao examinar a exposição ao tricloroetileno das pessoas com doença de Parkinson, há o perigo de viés de memória”.
A Dra. Rebecca, professora associada de neurologia no NYU Langone Medical Center que não participou do estudo, reconheceu que os autores “apresentaram seu trabalho como hipótese e afirmam claramente que são necessárias outras pesquisas para entender a conexão entre o tricloroetileno e a doença de Parkinson”.
Enquanto isso, no entanto, existem “comprovações de risco para a saúde por exposição ao tricloroetileno, como a ocorrência de vários tipos de câncer”, disse a comentarista. Portanto, os objetivos dos autores parecem ser: informar o público sobre os riscos conhecidos para a saúde; trabalhar para limpar os locais com contaminação já identificada; e defender a proibição do uso futuro do tricloroetileno.
Esses objetivos “não precisam esperar pela comprovação da causalidade entre o tricloroetileno e a doença de Parkinson”, afirmou a Dra. Rebecca.
O Dr. Ray Dorsey informou ter recebido honorários como palestrante da American Academy of Neurology e de várias outras sociedades e fundações, e recebeu remuneração por serviços de consultoria de empresas farmacêuticas, fundações, empresas de educação médica e publicações médicas e possui ações de várias empresas. Os conflitos de interesses dos outros autores estão informados no artigo original. A Dra. Rebecca Gilbert é funcionária da American Parkinson Disease Association e do Bellevue Hospital Center nos EUA.
Journal of Parkinson’s Disease. Publicado on-line em 14 de março de 2023. Texto completo
Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape
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