Resíduos eletrônicos inundam a Argentina.

A Argentina, que vive uma explosão de consumo de bens eletrônicos, estuda uma lei para o correto descarte dos resíduos perigosos neles contidos.

 

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21/11/2011

 

por Marcela Valente*

 


613 TERRAMÉRICA   Resíduos eletrônicos inundam a ArgentinaTrabalhadores da empresa Gestión Ambiental, que coleta, trata e dá disposição final a resíduos elétricos e eletrônicos em Buenos Aires. Foto: Juan Moseinco/IPS

 

Buenos Aires, Argentina, 21 de novembro de 2011 (Terramérica).- A loja está lotada de compradores. Na sua vez, cada cliente segue o vendedor até uma das múltiplas cabines para a venda de um novo telefone celular e recebe abundante informação sobre o aparelho. Contudo, ninguém informa o que fazer com o que será descartado. A cena se repete diariamente em uma loja de dois andares da empresa Personal de telefonia celular do município de San Isidro, província de Buenos Aires, e em outros estabelecimentos de toda a Argentina, que vive um “boom” de consumo de aparelhos eletrônicos. Os telefones já substituídos têm, em média, apenas dois anos de idade.

Com 40 milhões de habitantes, a Argentina tem 34,3 milhões de assinantes de telefonia móvel, que chegam a 56 milhões se forem contados os números que não são usados e não foram cancelados, segundo a organização ambientalista Greenpeace. A magnitude do consumo dos últimos cinco anos mobilizou a preocupação pelo volume de substâncias contaminantes liberadas quando os aparelhos são jogados no lixo domiciliar.

“O que faço com o aparelho velho?”, perguntou a repórter do Terramérica a uma vendedora da loja de San Isidro. “Guarde como reposição, caso o novo se quebre”, aconselhou. “Mas o velho já não funciona”, explicou a repórter. A resposta, acompanhada de um dar de ombros, foi: “Não sei. Não recebemos aparelhos velhos”. “Aproximadamente 40% do público tem consciência de que estes resíduos contaminam, e os guarda em casa, e outros 30% os jogam em lixões”, disse ao Terramérica a ativista Yanina Rullo, do Greenpeace Argentina.

Esta organização é uma das que mais defende o projeto de lei de Orçamentos Mínimos de Gestão de Resíduos de Aparelhos Elétricos e Eletrônicos, já aprovado no Senado. A iniciativa responsabiliza os atores que colocam aparelhos eletrônicos no mercado por sua reciclagem e disposição final segura. No entanto, no momento, a iniciativa está travada na câmara baixa.

Segundo o Greenpeace Argentina, em 2010 foram vendidos 12 milhões de celulares, 2,6 milhões de computadores, um milhão de televisores e 1,2 milhões de impressoras. Assim como se compra, se joga fora. Em um ano foram descartados dez milhões de telefones móveis que, ao se quebrarem emanam substâncias muito tóxicas e metais pesados que contaminam o ar, a terra e os lençóis de água. Cada habitante gera três quilos de lixo eletrônico por ano, com um total de 120 mil toneladas de resíduos contaminantes, dos quais menos de 2% são reciclados.

Na América Latina, que acumula aproximadamente 800 mil toneladas de lixo eletrônico, há experiências incipientes de disposição final segura para estes materiais. O dado consta do livro “Os resíduos eletrônicos: um desafio para a sociedade do conhecimento na América Latina e no Caribe”, publicado em 2010 pelo escritório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em Montevidéu (Uruguai).

Para chegar a essa estimativa foram somados informes de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Venezuela, onde são produzidos mais de 80% do lixo eletrônico regional. Apesar desse volume não, há na região uma legislação integral para dar uma resposta ao problema, apenas experiências isoladas de gestão ou reutilização de produtos. Com o crescimento econômico da última década e pelos esforços para reduzir a brecha digital em países como Argentina, Colômbia ou Uruguai, onde se massifica o uso de computadores portáteis, a sanção de uma lei parece crucial.

A iniciativa argentina, que segue o modelo da União Europeia, estabelece a responsabilidade individual do produtor com a disposição final dos resíduos e a reutilização e reciclagem de componentes. Também incentiva o fabricante a criar produtos facilmente recicláveis, livres de substâncias tóxicas e com a maior durabilidade possível, e propõe um sistema de gestão nacional segura dos resíduos. Além disso, prevê a criação de centros de coleta em todos os municípios com mais de dez mil habitantes.

Algumas empresas têm programas voluntários para retirar do mercado produtos obsoletos, mas não há divulgação, e nem mesmo seus empregados sabem ajudar os clientes. A empresa Escrap gerencia lixo de grandes empresas, originado em falhas de produção ou mudanças de tecnologia, mas não se ocupa de resíduos de usuários particulares.

“Trabalhamos com uma porcentagem muito pequena que inclui produtos danificados no processo de fabricação ou que falharam durante o tempo de garantia, mas para o grosso do descarte falta a lei”, disse ao Terramérica seu proprietário, Gustavo Fernández, um biólogo especializado em gestão ambiental. Fernández, que colaborou na elaboração do projeto, afirmou que há resíduos com valor econômico, como os componentes de ferro, aço, alumínio, cobre, metais preciosos e plástico, e outros que não o têm, como as pilhas recarregáveis.

Para alguns resíduos muito contaminantes, como as baterias recarregáveis ou as placas eletrônicas (para as quais não há tecnologia de recuperação na Argentina), a saída é a exportação para empresas especializadas do exterior. Quase 30% do peso das baterias é formado por materiais tóxicos como cádmio, níquel e lítio. Um computador pessoal pode conter mais de 50 compostos prejudiciais. Segundo o especialista, de todo o lixo eletrônico, os celulares estão entre os produtos mais perigosos, pois liberam substâncias cancerígenas e contaminantes orgânicos persistentes. “É como uma bomba atômica, não pode ir para o lixo”, alertou Fernández.

* A autora é correspondente da IPS.