Referência mundial no ambientalismo, Vandana Shiva concede palestra na Capital Gaúcha,

Física e doutora em filosofia indiana, a ambientalista Vandana Shiva participa do círculo de palestras Fronteiras do Pensamento, em Porto Alegre.

 

Referência mundial no ambientalismo, Vandana Shiva concede palestra na Capital Fronteiras do Pensamento/Divulgação

Vandana realiza palestra nesta noite, em Porto Alegre Foto: Fronteiras do Pensamento / Divulgação
Ecofeminista e autora de inúmeros livros, Vandana dirige o Centro para a Ciência, Tecnologia e  Política dos Recursos Naturais Dehradun, na Índia, e ficou conhecida na década de 70, quando liderou movimentos como Mulheres de Chipko, quando um grupo de pessoas se amarrou em árvores para impedir sua derrubada e o despejo de lixo atômico na região. Vencedora do Prêmio Nobel Alternativo  da Paz, também faz parte do Top 100 mulheres ativistas, do jornal britânico The Guardian. Vandana conversou por telefone com o Nosso Mundo, na quarta-feira.Você percebe mudanças em favor do planeta?Vandana Shiva — Mais pessoas estão associando e fazendo conexão entre as questões ambientais e econômicas. Muitas pessoas têm feito ações, algumas ainda superficiais, outras mais profundas, depende do quanto você está consciente. Mas as pessoas querem fazer mais, e mostram que isso está muito associado ao comportamento. O que a gente precisa é que essas ações assumam um padrão de produção.O que é preciso para termos uma guinada no caminho da sustentabilidade?Vandana — Precisamos de muitas ações concretas, mas nós também necessitamos de mudanças na forma de ver e no paradigma. Nele, os humanos costumam desmatar a natureza, explorar, e não há maiores consequências. Uma segunda ficção é sobre o crescimento. Você destrói uma floresta, polui um rio, e tem crescimento. Mas o crescimento no mundo financeiro e no mundo ecológico estão indo para direções opostas. É por isso que nós temos que fazer uma guinada. Eu estou feliz que a consciência da necessidade de mudança está crescendo. Nós estamos nesse período de plena mudança, e de uma mudança muito rápida. Ainda temos atitudes destrutivas, mas temos ações criativas.As atitudes dos governos e os acordos internacionais estão sendo eficazes nesse sentido?

Vandana — Infelizmente, eu acho que o pico de acordo governamental foi a Rio 92. Desde lá, quem ganhou com a destruição da natureza ganhou mais poder. A economia está se tornando mais e mais ávida por recursos e por lucros. Agora eles começaram a desmantelar o que nós conseguimos ganhar no Rio, em 1992.

Que ações devem ser tomadas durante a Rio + 20?

Vandana — Realmente devemos colocar energia e esforços atrás desse novo pensamento que está vindo, que existe em todas as culturas indígenas do mundo, de que a terra está viva, ela é Gaia, e respeitar seus direitos é um imperativo para a sobrevivência humana. Outra questão que deverá vir com toda a força para ser tratada no Rio de Janeiro é a grande destruição ambiental por causa da indústria agrícola, colocando a alternativa em sistemas agrícolas ecológicos e sustentáveis. Alimentos e nutrição deverão estar no centro das discussões.

Você acredita que a presidente Dilma Rousseff irá aprovar o Código Florestal? O que essa aprovação representaria? (Vandana deu entrevista antes dos  vetos da  presidente Dilma Rousseff)

Vandana — É uma solução falsa. O ponto é: o Código ignora o lado social. Ao assinar um código assim, as pessoas reconhecem que serão responsáveis pela destruição da e das florestas, irão cortar as árvores e não haverá punição para eles. Cada ação que está errada representa um crime e, para todo crime, há uma punição. No Rio, nós criamos um forte princípio de que os “poluidores têm de pagar”, e agora o que estão acontecendo é que os poluidores estão sendo pagos. Inverteram a ordem. Algo está muito errado na forma como a economia está organizada. Os líderes das sociedades democráticas não absorvem os sinais da Terra.

O que você considera as monoculturas da mente? Qual o desafio da pessoa que vive no século XXI para fugir desse tipo de pensamento?

Vandana — As monoculturas da mente são mecanismos de pensamento. A ideia de que a natureza está morta, e que você pode moldá-la para maximizar seus lucros. Um bom exemplo disso é achar que a América Latina deve ser coberta por soja, desde os campos da Argentina até as florestas da Amazônia. Comida local é baseada na biodiversidade local. Mas nós temos agronegócio global, e a maioria da soja vai para a produção de biodiesel etc. Isso não é indústria da alimentação, é uma indústria material. As monoculturas da mente andam junto com o monopólio e o controle da economia e dos recursos da Terra. É por isso que eu acredito que nós precisamos cultivar a biodiversidade da mente, o que significa reconhecer a biodiversidade do mundo e respeitá-la, além de respeitar a diversidade cultural. Reconhecer essas conexões da diversidade representa ter liberdade e democracia.  Monocultura representa repressão.

Seu nome está na lista das cem mulheres ativistas do mundo. O que você acha que falta para que mais mulheres tenham esse tipo de reconhecimento?

Vandana — As mulheres eram as protetoras do planeta. Elas entendem o significado da palavra oikos, que é a raiz do termo ecologia e também raiz do termo economia, e quer dizer “casa”.A economia é responsável por manter a casa e, bem como a casa local, as mulheres estão em mudanças. Se as mulheres não estão vestindo a causa do planeta, é porque há certas questões que a economia destrói, e agora elas estão sendo cobradas por não saberem nada sobre o assunto. Mas o que sabem é que esse lindo planeta é construído para a vida, não apenas para o dinheiro. Sabem que as relações são baseadas em carinho e amor, não apenas em lucros e exploração. Isso é a mudança que nós precisamos, e que as mulheres precisam.

A sua vinda para o Rio Grande do Sul tem a ver com a relação estabelecida com o ambientalista José Lutzenbeger?

Vandana — Nós tínhamos uma amizade muito próxima. Lutzenberger foi um grande amigo nos anos 80 e ele compartilhou conosco muito respeito pela Terra. Nós dois compartilhamos o conhecimento de quem gosta da terra, queríamos saber o que deveria ser feito pela ela. Nós éramos membros do movimento para recuperar um novo paradigma pela Terra, e ele decidiu criar o Rincão Gaia, no Rio Grande do Sul. Eu criei uma pequena universidade da terra, que são projetos muito parecidos, pois ambos de nós são comprometidos em permitir as pessoas a aprender sobre a natureza e sobre eles próprios. Eu espero prestar um tributo a ele, prestar uma homenagem e agradecer por tudo que ele nos ensinou.

 

http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2012/05/vandana-shiva-afirma-que-a-humanidade-passa-por-um-periodo-de-incertezas-3772734.html

Fronteiras do Pensamento 201228/05/2012 | 21h02

Vandana Shiva afirma que a humanidade passa por um período de incertezas

A principal delas é relacionada à separação do ser humano e da natureza.

Vandana Shiva afirma que a humanidade passa por um período de incertezas Diego Vara/Agencia RBS
Vandana Shiva palestrou na noite de segunda-feira durante o evento Fronteiras do Pensamento, no Salão de Atos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Foto: Diego Vara / Agencia RBS

Em busca de um caminho de diálogo entre sustentabilidade e justiça social, a física e ecofeminista indiana Vandana Shiva palestrou na noite de segunda-feira durante o evento Fronteiras do Pensamento, no Salão de Atos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Falando para um público ávido por caminhos para a mudança socioambiental e por respostas para a crise ecológica atual, Vandana falou sobre como o agronegócio causa uma ação devastadora na biodiversidade e nos sistemas de saber.

A palestrante agradeceu à plateia pela herança que o Estado deixou com a realização do Fórum Social Mundial (FSM):

— Estive aqui pela primeira vez para participar do FSM e digo a vocês que foi grandiosa a contribuição que deram ao mundo. A minha viagem também é para prestar um tributo para meu amigo José Lutzenberger (ambientalista, morto em 2002) e a sua região, que acreditou que um outro mundo é possível.

Vandana acredita que a humanidade passa por uma época de incertezas, e que a principal delas é relacionada à separação do ser humano e da natureza. Isso ocorre, segundo ela, porque antes o ser humano era muito dependente dos recursos da terra.


Foto: Diego Vara

— Quando eu era estudante, enfrentávamos no mundo o Apartheid, que visava a separação entre os negros e brancos. Entendo que na sociedade contemporânea ocorre o “eco apartheid”, a separação do homem e da natureza — afirma.

Para Vandana, as estruturas da relação humana com a terra tem a ver com os limites impostos para a criação pelo novo sistema socioeconômico. Questionamentos sobre quem produz, onde se produz e como se produz remetem diretamente à relação do conhecimento com a ciência, e como isso se reflete na cadeia de alimentos.

A palestrante explicou que as ideias do filósofo e jurista Francis Bacon, na Royal Society, em Londres, foram inspiradas na proposta de que, até então, o conhecimento havia sido tratado como algo feminino, e que passaria a ser masculino, pela forma como se decidiu transformar a natureza em algo subserviente à economia.

Segundo Vandana, pensava-se que a visão dos índios na nova Inglaterra estava atrasando o progresso. Convergência de patriarcado com a ascensão do capitalismo tinham a ver, conforme a ecofeminista, com a morte da natureza, o que se prestava a exploração do capitalismo que a Royal Society estava querendo. Tudo isso, no século XVII.

— A fronteira da criação também está associada com a ascensão do pensamento mecânico, aquele que não vê relações entre os tipos de conhecimentos. A fronteira continua sendo reintroduzida de maneiras novas. O patenteamento da vida é uma forma de determinar novas fronteiras.