Realmente é ‘a dose que faz o veneno’?

A “dose é que faz o veneno” é um adágio comum em toxicologia. Implica de que maiores doses terão maiores efeitos do que as menores. Este é o senso comum e assim é a hipótese basilar sobre a qual se apóiam todas as regulamentações de todos os testes toxicológicos.

 

http://www.ourstolenfuture.org/NewScience/lowdose/2007/2007-0525nmdrc.html

 

Resultados extensivos desafiam a hipótese cerne nas concepções da toxicologia.

Por Pete Myers, Ph.D., e Wendy Hessler.

 

Alle Dinge sind Gift und nichts ist ohne Gift, allein die Dosis macht es, dass ein Ding kein Gift ist.
Todas as coisas são venenosas e nada é sem veneno, somente a dose faz algo não ser venenoso.

—Paracelsus, pseudônimo de Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, foi um médico, alquimista, físico, astrólogo e ocultista suíço-alemão. Nascimento: 1493; falecimento: 1541.

The dose makes the poison/A dose faz o veneno” (Latinsola dosis facit venenum”) é um adágio destinado a indicar um princípio básico da toxicologia.

 

Quando a “dose é que faz o veneno”, os toxicologistas já assumem seguramente de que as altas doses testadas irão revelar problemas de saúde do que exposições a baixas doses possam causar. Testes com altas doses são desejáveis porque, logicamente, eles não revelarão somente os efeitos das doses baixas, eles irão fazer mais rápido e com maior segurança. E maior segurança e rapidez também significam menos custos.

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Esta fotografia compara um animal controle (esquerda) a um animal exposto a uma pequeníssima quantidade de DES quando ainda no útero (direita). Fotografado de Retha Newbold, NIEHS.

 

• Enquanto a exposição de 100 partes por bilhão de um fármaco estrogênico dietilestilbestrol (DES) induz de que camundongos transformem-se em esqueléticos quando adultos, exposições a quantidade muito menor, 1ppb, induz a uma grotesca obesidade.

O problema é que alguns poluentes, fármacos e substâncias naturais não se coadunam à lógica convencional da toxicologia, como pode ser visto acima. Em lugar disso, eles causam diferentes efeitos em diferentes níveis, incluindo impactos a baixas doses o que não ocorre em altas doses. Algumas vezes os efeitos podem mesmo ser precisamente o oposto em altas versus baixas doses. Em razão de que todas as regulamentações para análises estão projetadas para que se assuma que a “dose é que faz o veneno”, é altamente provável de que se abandone os efeitos de baixas doses, levando a padrões de saúde que se tornam muito frágeis.

Os padrões toxicológicos confirmam: “a dose faz o veneno.”

Medir a quantidade de uma substância, chamada de sua dose, para produzir uma resposta, usualmente algum tipo de efeito sobre a saúde, é difícil e consome tempo. Para entender qual dose e efeitos estão conectados, os toxicologistas expõem animais, tecidos ou células a poluentes. Ai então eles examinam como este sujeito responde a esta exposição.
No padrão toxicológico na medida que a dose aumenta então se dá o efeito. No sentido contrário, conforme a dose decresce então se dá seu impacto. Esta relação é chamada de curva monotônica dose-resposta em razão de o efeito estar presente independente se há aumento ou decréscimo. Na curva monotônica os efeitos nunca têm direção reversa. Há uma interrelação direta entre o controle de intensidade da luz com a própria lâmpada elétrica. Quanto mais eletricidade se permitir que passe pelo movimento do botão do comutador, mais brilhante fica a lâmpada.
Os diagramas abaixo, feitos para a presente situação, idealizam formas de curvas de dose-resposta sendo as da esquerda monotônicas e da direita, não monotômicas. As monotônicas tanto podem ser lineares como não-lineares. O ponto chave é que a direção da curva nunca muda de positiva para negativa ou vice-versa. A curva monotônica pode achatar, isto é, chegar a uma assíntota.
As curvas não monotônicas, em contraste, trocam a direção. A parte de cima da curva, a responsa aumenta com a dose enquanto na outra a parte de cima decresce assim que a dose cresce. As curvas não monotônicas são muitas vezes chamadas de “U invertido” (superior) ou “U” (inferior).

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Tipos de Curva Dose Fisiológica

 

 

O lado frágil dos compostos hormonalmente ativos.

 

Enquanto os toxicologistas assumem tradicionalmente de que a dose faz o veneno, os endocrinologistas – cientistas que estudam as ações dos hormônios – têm um longo conhecimento de os hormônios podem ter diferentes efeitos em diferentes doses.
O gráfico abaixo vem de um estudo simpes mostrando a resposta de um gene dentro de uma célula de como ela é exposta a diferentes quantidades de estradiol, uma das formas comuns de um hormônio humano natural, o estrogênio.
Neste experimento, os cientistas testaram acima de limites extremos de dose, de algo em torno de 10 partes por quatrilhão (ppq) a 10 partes por milhão (ppm).

  • A dose final aceitável para exposição humana – chamada de “dose referência” – é calculada da NOAEL (nt.: chamada em inglês de ‘no observed adverse effect level‘, ou a sigla NOAEL) adicionando uma série de fatores de segurança. Estes fatores levam em conta incertezas na extrapolação da pesquisa animal para humana, tanto quanto diferenças na sensibilidade entre grupos de pessoas e entre crianças e adultos. Assim, se a NOAEL é detectada como sendo 1 miligrama por quilo de peso corpóreo por dia (o que corresponde a uma parte por milhão – 1 ppm – então a dose referência pode ser 1 parte por bilhão por dia – 1 ppb –.
    Assim que a dose de estradiol eleva através da zona verde do gráfico acima, a resposta aumenta. Esta zona verde é a média das concentrações acima da qual o estradiol livre é detectado no sangue.

Inicialmente, logo acima de 1 parte por quatrilhão, não há diferença entre o controle (0 de estradiol) e a resposta ao hormônio. Assim que a dose aumenta logo acima de 1 parte por trilhão, a resposta aumenta. Há um nivelamento horizontal completamente acima da extensão das doses seguindo até 100 partes por bilhão. Mas assim que atinge o limite da alta dose, cai, e exato acima de 10 partes por milhão o sistema fecha sem nenhum tipo de resposta.

O que acontece? Assim que o estradiol eleva-se no limite de baixa dose ele está se conectando com seus receptores e estimulando a resposta do gene. Isto é que se crê acontecer acima desta dose limite, situação esta detectada naturalmente na pessoa humana. Entretanto, assim que a ocupação dos receptores aumenta acima de 10%, uma virada da retroalimentação corta o processo, desencadeando para uma redução da disponibilidade de receptores adicionais.
Assim que a dose aumenta mais adiante, o efeito da virada da retroalimentação cresce até não haver quantidade adicional de estradiol que possa aumentar a resposta do sistema. Isto produz a porção plana do gráfico, da dose de 1 ppt para 100 ppb.

Logo que a dose atinge os 100 ppb, o estradiol torna-se claramente tóxico para a célula e o sistema pára de responder completamente, mesmo decaindo abaixo do nível do controle.

Esta curva dose resposta viola dramaticamente a premissa de que experimentos com alta dose podem ser utilizados para predizer resultados de baixas doses. Em doses altas, o estradiol paralisa o sistema.

Em doses baixas ele reativa o sistema. A parte acima do limite da dose, a resposta aumenta, enquanto acima da outra parte, ela decresce. Esta curva é chamada de curva não montônica de dose resposta.

Como os testes toxicológicos são empregados para gerar padrões de saúde.

As agências governamentais identificam e regulamentam substâncias perigosas na suposição de que “a dose faz o veneno”.

Para ajustar os limites de exposição, três ou cinco doses da substância são testadas em laboratório. O toxicologista começa com a mais alta dose escolhida e continua a baixá-la até que ele detecte que os animais do experimento não diferem mais dos animais controle (nt.: são os animais que não recebem a substância e ficam como comparativos para os que a recebem). Esta dose segura – a mais baixa quantidade que apresente um risco aceitável – é chamada de “dose de não efeito” (nt.: chamado em inglês de ‘no observed adverse effect level,’ ou a sigla NOAEL). A toxicologia tradicional raramente direciona as regulamentações de saúde testando doses mais baixas do que a NOAEL devido ao paradigma de que “a dose faz o veneno”.

Pode isto significar de que doses mais altas são mais seguras que baixas?

A resposta freqüente de pessoas que vejam uma curva dose resposta como esta acima pela primeira vez é perguntar “Significa então que doses mais altas são mais segura?”.

Definitivamente, não. Nas doses mais altas utilizadas neste experimento, o sistema não foi hábil por muito tempo para responder à sinalização do estrogênio. Isto significa que eventos cruciais são de que o controle do estrogênio pode não ocorrer. As conseqüências, por exemplo, da parada das respostas da sinalização do estrogênio durante o desenvolvimento pode ser o mais catastrófico para o organismo afetado.

Considere este “experimento imaginário”. Pense novamente de que a lâmpada elétrica conectada a um comutador que controla sua intensidade luminosa, em vez de se conectar através de sua corrente normal (110 volts), está plugada no circuito de um secador (220 volts). Quando o comutador suaviza, há uma fraca luminosidade aparente. Mas ao se intensificar, a luz torna-se brilhante. Se for até a intensidade máxima, a lâmpada explode. De repente, tudo está escuro. Houve excesso de voltagem e corrente elétrica com relação à capacidade projetada para o sistema.

Com o pensamento dominante na toxicologia de que “a dose faz o veneno”, os toxicologistas tradicionais não perseguem a possibilidade de que pode haver efeitos em doses muito mais abaixo daquelas utilizadas nos experimentos padrões. Os padrões de saúde não incorporam esta possiblidade. Pouco mais dos que os últimos 15 anos, entretanto, os cientistas começaram a exploprar os impactos causados pelas disruptores endócrinos – compostos que comportam-se como hormônios e interferem com ações hormonais – muitos exemplos de curvas não montônicas de dose resposta passaram a ser publicadas em periódicos científicos.

Em 2006, uma equipe de pesquisadores alemães publicou um exemplo vívido de como os testes toxicológicos tradicionais para estabelecer padrões de saúde podiam abandonar os efeitos de baixas doses. Seu trabalho examinou o efeito de um ftalato sobre a atividade de uma enzima do cérebro em ratos machos em desenvolvimento. Esta enzima, a aromatase, converte a testosterona em estrogênio. Como se fosse um contra-senso, o hormônio estrogênio nos primeiros tempos da vida é necessário para masculinizar o cérebro de mamíferos masculinos. Se não houve níveis suficientes, partes chaves do cérebro que normalmente diferem entre machos e fêmeas serão muito mais semelhantes à forma feminina do que à masculina.

Em seu experimento eles expuseram fêmeas prenhas ao ftalato (phthalate) DEHP, com diferentes grupos sendo expostos a amplos e variados níveis de doses. A dose mais alta empregada é aquela conhecida que causa danos reprodutivos no desenvolvimento dos machos sem obviamente lesar as mães. A mais baixa dose, 19 mil vezes mais baixa do que a alta dose, estava relacionada com o nível que comumente se observa presente na população da Alemanha.

 

Reproductive toxicity of phthalate esters - Martino‐Andrade ...

 

Ftalatos agindo sobre a formação dos fetos machos. Adaptado de Andrade et al. 2006 (https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/mnfr.200800312)

 

Seus resultados, visto no quadro abaixo, mostra que doses de 15 mg/kg/dia a 405 mg/kg/dia (estatisticamente significativo em púrpura) causa um aumento na atividade da aromatase. Doses intermediárias (1,215 e 5 mg/kg/dia) não diferem do controle (a linha azul horizontal). Mas doses mais baixas suprimem a atividade da aromatase (estatisticamente significativo em vermelho, 0,134 e 0,405 mg/kg/dia). Como o grupo de pesquisadores aponta em seu artigo, um teste regulador de DEHP (nt.: sigla em inglês e global do ftalato em estudo) pode não ter acalçado abaixo de 5 mg/kg/dia e daí poderia ter sido abandonada supressão da aromatase a baixos níveis.

Muitos casos de curvas não monotônicas de dose-resposta estão agora sendo publicadas face às pesquisas com os disruptores endócrinos. Abaixo segue alguns exemplos recentes. Em razão de elas estarem sendo agora reportadas com freqüência sobre estas moléculas químicas disruptoras endócrinas, está claro de que a regulamentação toxicológica não pode permanecer por mais tempo como segura se continuar assumindo o paradigma de que “a dose é que faz o veneno”. Está claro também que o fechamento dos padrões utilizados para desenvolver estimativas de níveis de segurança de exposição, baseando seus projetos numa falsa premissa, é como se fossem estabelecidos padrões de segurança que não são fortes suficientes para proteger a saúde pública.

Narita et al reportaram de que o momento chave nas reações imunológicas, liberação de histamina e citocinas pelos mastócitos, é exacerbado por doses muito baixas de contaminantes ambientais, similares ao efeito do estradiol. Estes experimentos, feitos em cultura de célula, utilizaram níveis de contaminantes bem dentro do limite da exposição humana. A resposta pico foi percebida em aproximadamente 0,1 partes por bilhão (10-10 molar). No momento em que a dose subiu para 10 partes por bilhão (10-8 molar), a resposta desapareceu. Este experimento foi feito com camundongos e em cultura de células humanas.

Estradiol

Compostos estrogênicos. Destaque o natural estradiol e moléculas sintéticas.

 

Em doses bem abaixo ao nível corrente seguro da EPA (nt.: Agência de Proteção Ambiental dos EUA), Takano et al. detectaram que o ftalato DEHP (nt.: phthalate) aumenta a resposta imune dos camondongos a uma alergia comum. Resultados clínicos de uma reação alérgica foram mais fortes em doses intermediárias (4 e 20 µg). Um dose de 100 µg (linha amarela) não foi diferente do que o controle (linha azul purpúreo).

Ftalatos

Ftalatos Dose Fisiológica

Trabalhando com uma seqüência de compostos que se conectam ao recentíssimo receptor do estrogênio descoberto que está na superfície da membrana celular, Wozniak et al. detectaram que o influxo de cálcio para o interior das células e a liberação de prolactina (gráfico abaixo) seguem marcadamente padrões não monotônicos. O composto químico sintético Bisfenol A estimulado responde à dose mais baixa testada, 0,23 parte por trilhão. O Bisfenol A tem sido considerado um estrogênio fraco porque sua afinidade de conexão relativa com o receptor do estrogênio no núcleo da célula é muito mais baixa do que a do estradiol. Em contraste, com estes receptores da membrana celular, o Bisfenol A é muitíssimo mais poderoso do que o estradiol.

Bisfenol Dose

Bisfenol Dose Fisiológica

 

Ralph et al. descobriram que as células de próstata respondem numa forma não monotônica à exposição ao agrotóxico organoclorado hexachlorobenzeno/HCB (nt.: conhecido entre nós como BHC ou Pó de Gafanhoto. Está banido no mundo há mais de vinte anos). Altas doses suprimem a atividade androgênica das células relacionadas com as dos controles (linhas vermelhas), enquanto que baixas doses aumentam a atividade androgênica. Seus experimentos com camundongos vivos revelou que o peso da próstata em camundongos adultos também mostrava que doses altas produzem o efeito oposto às doses baixas.

Próstata 1

Próstata e HCB (veneno proibido BHC/pó de gafanhoto)

 

Wetherill et al. detectaram que uma dose nanomolar (nt.: dose em níveis de nanograma, ou seja, 1 parte por bilhão = o mesmo que dezenove zeros depois da vírgula) de Bisfenol A produz a mais forte resposta de proliferação por tumores de próstata em experimentos com células. O impacto de uma dose 100 vezes maior não fez diferença do controle.

Próstata 2

Bisfenol/Próstata Dose Fisiológica

 

 

 

Fontes:

 

Andrade, AJM, SW Grande, CE Talsness, K Grote and I Chahoud. 2006.
A dose–response study following in utero and lactational exposure to di-(2-ethylhexyl)-phthalate (DEHP): Non-monotonic dose–response and low dose effects on rat brain aromatase activity.
Toxicology 227: 185-192.

Narita, S, RM Goldblum, CS Watson, EG Brooks, DM Estes, EM Curran and T Midoro-Horiuti. 2007.
Environmental Estrogens Induce Mast Cell Degranulation and Enhance IgE-mediated Release of Allergic Mediators.
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Newbold, RR, E Padilla-Banks, RJ Snyder and WN Jefferson. 2005.
Developmental Exposure to Estrogenic Compounds and Obesity.
Birth Defects Research (Part A) 73:478–480.
Ralph, JL, M-C Orgebin-Crist, J-J Lareyre and CC Nelson. 2003.

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Disruption of androgen regulation in the prostate by the environmental contaminant hexachlorobenzene.
Environmental Health Perspectives 111:461-466.

Takano, H, R Yanagisawa, K-I Inoue, T Ichinose, K Sadakano, and T Yoshikawa. 2006.
Di-(2-ehylhexyl) Phthalate Enhances Atopic Dermatitis-Like Skin Lesions in Mice.
Environmental Health Perspectives 114: 1266-1269.

Welshons, WV, KA Thayer, BM Judy, JA Taylor, EM Curran and FS vom Saal. 2003.
Large effects from small exposures. I. Mechanisms for endocrine disrupting chemicals with estrogenic activity.
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Wetherill, YB, CE Petre, KR Monk, A Puga, and KE Knudsen. 2002.
The Xenoestrogen Bisphenol A Induces Inappropriate Androgen Receptor Activation and Mitogenesis in Prostatic Adenocarcinoma Cells.
Molecular Cancer Therapeutics 1: 515–524.

Wozniak, AL, NN Bulayeva and CS Watson. 2005.
Xenoestrogens at Picomolar to Nanomolar Concentrations Trigger Membrane Estrogen Receptor-alpha-Mediated Ca++ Fluxes and Prolactin Release in GH3/B6 Pituitary Tumor Cells.
Environmental Health Perspectives 113:431-439.

 

 

                                                                 Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, janeiro de 2008 e atualizado em maio de 2018.