Um pequeno grupo de quilombolas organizou, na quarta-feira, um protesto ao lado da praia onde a presidente Dilma Rousseff descansava, nos arredores de Salvador, na Bahia. Moradores da comunidade Rio dos Macacos, eles queriam demonstrar à presidente a demora na solução dos conflitos que enfrentam para obter os títulos de propriedade das terras em que vivem.
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Protegida por um muro, Dilma, até onde se sabe, não viu nada. Mas, diante dos jornalistas, postados na praia à espera de um aceno ou de uma foto da intimidade presidencial, os quilombolas conseguiram chamar a atenção para um drama que se repete por todo o País: o aumento das tensões decorrentes da demora nos processos de demarcação e titulação de terras.
A reportagem é de Roldão Arruda e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 06-01-2013.
De um total de 2.002 comunidades legalmente reconhecidas no País, só 138 conquistaram o título definitivo de suas terras – de acordo com os dispositivos da Constituição de 1988. Nos dois anos de governo Dilma, foram expedidos 18 títulos, segundo informações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A titulação das terras é uma das partes mais importantes na solução dos problemas dos quilombolas, mas não a única. Trata-se de um dos grupos populacionais mais vulneráveis do País.
De acordo com números oficiais, existem 214 mil famílias vivendo em localidades remanescentes de antigos quilombos, com quase 1 milhão de pessoas. Desse total, 92% se declaram pretos e pardos e, diz o Ministério do Desenvolvimento Social, 75% vivem em situação de extrema pobreza. Um número alto diante da média nacional, de 8,5%.
Patamar inferior
Nenhum indicador é favorável a eles. Ao cruzar dados do Desenvolvimento Social, do Censo 2010 e de outras instituições do governo, a Fundação Palmares, responsável pelo reconhecimento oficial dessas comunidades, constatou que 76% não dispõem de coleta de esgoto, 63% vivem em casas com piso de terra batida, 62% não têm acesso a água encanada e 24% não sabem ler e escrever.
Pode-se contrapor a essas informações o fato de 83% dos quilombolas sobreviverem de atividades rurais, incluindo o extrativismo e a pesca artesanal. Ou seja: se fossem comparadas exclusivamente com dados da população rural do Brasil, as informações sobre suas condições de vida não pareceriam tão dispares. Mas, mesmo assim, elas ficam num patamar inferior, sempre.
Em 2006, pesquisa nutricional do Desenvolvimento Social nas comunidades quilombolas constatou que a proporção de crianças desnutridas é 76,1% maior do que na média brasileira e 44,6% maior do que na população rural. A incidência de meninos e meninas com déficit de peso para a idade nessas comunidades é 8,1%, maior do que o índice de 6,1% registrado entre crianças do semiárido – uma das regiões mais devastadas do País.
Os números confirmam conclusões de especialistas do Brasil Sem Miséria, segundo os quais os miseráveis brasileiros se concentram na zona rural; e que, entre eles, é maior a incidência maior de pretos e pardos.
Na Secretaria da Igualdade Racial, em Brasília, a responsável pelo setor de Políticas para Comunidades Tradicionais, Silvany Euclênio, destaca outro fator que desfavorece essas comunidades: “Seus criadores escolhiam lugares distantes, áreas de difícil acesso, e faziam questão de se manter à margem do Estado, porque a face que conheciam dele era somente a repressiva”.
Algumas comunidades não foram alcançadas até hoje por programas como o Bolsa Família. Diante dessa realidade, o governo Dilma tem dado prioridade à extensão de programas de transferência de renda e de inclusão produtiva às comunidades. Cerca de 75% das famílias já recebem o Bolsa Família.
Resultados
“A estratégia tem sido a da busca ativa das comunidades e a articulação de políticas federais com os municípios e os Estados, para fazer frente à vulnerabilidade dessas famílias”, afirma Alexandro Reis, diretor do setor de Proteção ao Patrimônio Afro-brasileiro, da Fundação Palmares.
É uma estratégia que pode ter resultados mais rápidos que a da ênfase nos processos de titulação de terras, frequentemente marcados por conflitos com produtores rurais e até mesmo com instituições públicas.
Na Bahia, a Marinha sustenta que a terra reivindicada pela Comunidade Rio dos Macacos foi desapropriada na década de 1950 pela União e está sob sua administração. Em 2011, a Justiça Federal determinou a retirada dos quilombolas, mas eles resistem e, na quarta-feira, foram pedir a Dilma, que estava sendo hospedada pela Marinha, que intercedesse no conflito.