Mansões de um lado do caminho e favelas do outro. Pessoas fazendo fila por um prato de comida enquanto privilegiados se locomovem em automóveis luxuosos com vidro espelhado. São alguns dos paradoxos da crise econômica e financeira global.
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08/12/2011
por A. D. McKenzie, da IPS
Paris, França, 8/12/2011 – Estas imagens são apenas algumas das contradições observadas por Danielle Nierenberg durante a viagem que fez por 30 países para supervisionar o estudo “Estado do Mundo 2011: Inovações que Nutrem o Planeta”, do Worldwatch Institute. “Pode-se ver as acentuadas diferenças muito facilmente em um só país, e todos os dias. Na África não parece que a recessão tenha afetado os mais ricos. Prejudicou mais os que já eram mais pobres”, afirmou à IPS.
Nierenberg está em Paris esta semana para apresentar a edição francesa de “Como Alimentar Sete Milhões de Pessoas”, estudo da Worldwatch, cuja sede fica em Washington. O informe se concentra principalmente na agricultura da África, mas sua apresentação coincide com a de um estudo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE) que detalha a crescente brecha entre ricos e pobres nos seus 34 países-membros, entre os quais estão todos os industrializados.
Os dois estudos exortam os governos a adotarem medidas para aliviar a pobreza e a desigualdade e investirem mais nos setores necessitados, seja nos países em desenvolvimento ou nos ricos. O informe da OCDE expressa com números e gráficos o que é uma realidade para muitas pessoas que trabalham no terreno em várias regiões do mundo. O estudo da OCDE “Divididos Estamos: Porque Aumenta a Desigualdade” indica que “a renda média de 10% das pessoas mais ricas representa nove vezes a renda dos 10% mais pobres”, nos países que integram esta organização.
Mesmo em “países tradicionalmente equitativos”, como Dinamarca, Suécia e Alemanha, a brecha em matéria de renda passou de cinco para um, na década de 1980, para seis para um, atualmente. Porém, a distância aumenta para dez para um na Grã-Bretanha, Itália e Coreia do Sul, e para quatorze para um em Israel, Estados Unidos e Turquia, diz o informe.
Os últimos dados sobre os Estados Unidos mostram que “a parte da renda por família, após o pagamento de impostos, do 1% da população mais rica mais do que dobrou entre 1979 e 2007, enquanto a dos 20% mais pobres caiu de 7% para 5% no mesmo período.
“É uma de nossas avaliações mais importantes”, disse o secretário-geral da OCDE, Ángel Gurria, na apresentação do estudo feita na sede parisiense da organização. “Dizemos ‘divididos estamos’ porque crescemos na desigualdade”, explicou. “Uns poucos países que conseguiram nadar contra a corrente”, acrescentou. Nos últimos tempos a desigualdade diminuiu no Chile e no México, mas a renda das pessoas mais ricas continua sendo 25 vezes maior do que a das mais pobres, destacou Gurria.
Fora da OCDE a desigualdade é muito maior em algumas economias emergentes. Por exemplo, o governo do Brasil tomou medidas para redistribuir a riqueza e conseguiu baixar a desigualdade na década passada, mas a brecha continua sendo de 50 para um, ou cinco vezes a média dessa organização.
“Em países que não são membros da OCDE um período de crescimento sustentado permitiu tirar milhões de pessoas da extrema pobreza”, disse Gurria. “Mas os benefícios do forte crescimento econômico não foram distribuídos de forma equitativa. A ampla brecha em matéria de renda aumentou mais. Entre as economias emergentes dinâmicas, apenas o Brasil conseguiu reduzir a desigualdade de forma significativa”, acrescentou.
A principal razão da crescente desigualdade na renda se deve à ampla brecha em matéria de salários, redução de benefícios e cortes de impostos para pessoas mais ricas, diz a ODCE. Gurria e Nierenberg concordaram, cada um por seu lado, que a crise econômica e financeira global aumentou a urgência com que os governos devem adotar medidas sobre estes temas.
“O contrato social começa a se desfazer em muitos países”, disse Gurria. A sensação de “insegurança e medo da deterioração social alcançaram a classe média em muitas nações. As pessoas sentem que carregam o peso de uma crise que não causaram, enquanto as pessoas de maior renda parece que se salvaram”, explicou.
As recomendações da OCDE incluem aumentar a taxa de impostos marginal para os ricos, acrescentou Gurria. “Quando se fala dos mais ricos entre os ricos estamos dizendo que há espaço para aumentar os impostos”, afirmou. “Recomendamos elevar os impostos sobre consumo, propriedade e carvão”, acrescentou. Contudo, Gurria evitou se referir à posição da OCDE quanto ao imposto sobre transações financeiras (ITF), proposto por numerosas organizações não governamentais, bem como por alguns conhecidos economistas.
Guillaume Grosso, diretor da organização ONE na França, disse que aumentar os impostos para os mais ricos é apenas uma parte da solução para a desigualdade. “Algumas empresas pagam impostos, o que permite redistribuir o dinheiro aos mais pobres, mas está claro que o setor financeiro não paga sua parte, e muita gente afirma que ele é responsável pelos problemas atuais”, afirmou Grosso à IPS.
“A ideia do ITF para o desenvolvimento é muito simples, pois introduz um imposto muito pequeno sobre as transações financeiras. É quase imperceptível, mas justo. E é a primeira vez que pedimos um esforço a este setor e o dinheiro poderia ser usado na luta contra a pobreza nos países mais necessitados”, acrescentou.
O estudo da OCDE tampouco se concentrou na questão da transparência, avaliou Grosso. “Basicamente, precisamos saber como o Estado usa o dinheiro que tem. Uma das questões mais importantes é que, frequentemente, e em especial nos países mais pobres, é muito difícil saber”, acrescentou. Um dos exemplos mais chamativos é a Guiné Equatorial, na África, onde o produto interno bruto por habitante é similar ao da Grécia ou Portugal, mas dois terços da população vivem com menos de US$ 1 por dia, afirmou.
A ONE propõe criar um contexto legal que seja adotado pelos países ricos para que “saibamos onde as empresas de gás e petróleo colocam o dinheiro. Queremos transparência na forma como publicam o que pagam aos governos. Estas são as coisas que a OCDE não pode dizer”, advertiu Grosso.
Nierenberg, por sua vez, também pediu maior transparência, especialmente na forma como as economias ricas e emergentes compram terra para dedicá-las à agricultura (concentração da propriedade) na África, o que aumenta a pobreza e a desigualdade em alguns países. “Quando o preço dos alimentos sobe tanto, mas não aumenta a renda das pessoas, se vê as consequências disto, crianças com barriga inchada, sinais típicos de desnutrição e fome iminente, que não se via há cinco ou seis anos”, ressaltou à IPS.