Por que a pecuária é o maior fator de desmatamento na Amazônia

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Gráfica – Lucas Gomes

https://dialogochino.net/en/agriculture/58442-how-cattle-ranching-became-the-biggest-deforestation-driver-in-the-amazon

Felipe Betim

19 de setembro de 2022

Do estado de Mato Grosso, no Brasil, a segunda parte de nossa nova série da Amazônia explica como a expansão das fazendas de gado impulsionou a ocupação de terras públicas na floresta tropical

Este artigo é um resumo do segundo episódio de Amazônia Ocupada , uma nova série de podcasts da Diálogo Chino, disponível apenas em português. Ouça  aqui .

Guarantã do Norte, um município rural, no norte do estado do Mato Grosso do Brasil, abriga 36.000 pessoas e 245.000 cabeças de gado, segundo estatísticas oficiais. Com vacas superando os humanos na proporção de seis para um, os pastos em que vivem se expandiram para ocupar quase metade da área da cidade, fundada há apenas 40 anos por imigrantes que responderam ao chamado do governo militar do país para ocupar a Amazônia. 

Visto de cima, Guarantã é um mosaico de manchas verdes e marrons bem divididas: a floresta nativa da Amazônia e os campos desmatados. Com o tempo, pode acabar se assemelhando a municípios mais ao sul de Mato Grosso, onde a ocupação e exploração de terras começaram alguns anos antes – em lugares como Sinop, a “ capital da soja ” brasileira, onde pouco mais de um terço da floresta original cobertura permanece.

Ambos os assentamentos surgiram às margens da BR-163, rodovia que corta o país de norte a sul. A estrada foi construída pela ditadura militar (1964-1985) para incentivar a colonização da Amazônia, e desde então se tornou um eixo vital na distribuição de commodities agrícolas para o mercado externo. A estrada serviu como uma espécie de linha de orientação para a fronteira agrícola, uma vez que avançou para o norte através da floresta tropical.

Pastoreio de gado em Guarantã do Norte, Mato Grosso. Na cidade há seis cabeças de gado para cada morador (Felipe Betim / Diálogo Chino)

Esse avanço pela mata nativa tem sido impulsionado, principalmente, pela pecuária. Em 2021, só essas operações de pecuária foram responsáveis ​​por 75% do desmatamento em terras públicas, segundo estudo do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (IPAM). 

Essas terras são aquelas sem qualquer tipo de status que forneça proteção governamental, como um território indígena, ou que não tenham sido designadas para assentamento rural, por exemplo. Assim, tornam-se os principais alvos do desmatamento ilegal na Amazônia, principalmente em áreas onde a fronteira agrícola avança.

“A área é desmatada, os remanescentes da floresta são queimados e o solo é tratado para que possa ser usado para plantar capim para o gado. E aí o gado é trazido”, explica Jefferson Almeida, advogado e pesquisador assistente do Instituto do Povo e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). “O gado chega e a tendência é ir cada vez mais longe em áreas que ainda têm mata. E com isso, esse padrão continua. Vemos o desmatamento para abrir caminho para o gado ‘on loop’.” 

A pecuária, e seu desenvolvimento para se tornar o principal fator de desmatamento, é explicado no segundo episódio da nossa nova série de podcasts em português Amazônia Ocupada, disponível a partir de hoje. Criado pela Diálogo Chino em parceria com a Trovão Mídia, em cinco episódios, contamos como a maior e mais famosa floresta do mundo foi colonizada para a exploração de commodities.

Nossa segunda parada da série é Guarantã do Norte, onde a principal atividade é a pecuária de corte e produção de leite. Aqui, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) dividiu o território no início dos anos 80 em pequenos lotes com a ideia de atrair agricultores e suas famílias para impulsionar fazendas de menor escala.

Edemar Sehn, pecuarista de Guarantã: “Levaram 20 anos para nos dar a documentação da terra” (Felipe Betim / Diálogo Chino)

No entanto, o projeto de reforma agrária nunca foi totalmente implementado e deixou um legado de regulamentação fundiária frouxa. Muitas famílias que se mudaram sob o projeto não possuem títulos definitivos de suas propriedades rurais, e algumas levaram décadas para obtê-los. “Estamos aqui há 40 anos, mas eles levaram 20 anos para trazer a documentação”, diz o pecuarista Edemar Sehn, morador de Guarantã.

Se, por um lado, a falta de títulos causa insegurança jurídica e conflitos locais, por outro, também é um fator que explica a lucrativa expansão da pecuária na Amazônia: embora seja ilegal, a terra é mais barata e mais acessível. Para muitos, o risco vale a pena. 

A cadeia produtiva do gado é ampla e diversificada, e os frigoríficos não conseguem controlar todos os seus fornecedores. Em regiões não muito distantes de Guarantã, grileiros invadem áreas de conservação, desmatam e transportam cabeças de gado para terras legalizadas antes da venda ou para fugir da fiscalização – prática conhecida como lavagem de gado.

“O pequeno agricultor vende seu gado para um atravessador, que compra de todo mundo para vender no frigorífico”, explica Valter Neves de Moura, vereador de Guarantã do Norte e militante do movimento sindical dos agricultores familiares.

Assim, mesmo que o gado tenha sido criado em áreas com regularização fundiária ou mesmo desmatamento ilegal, ele chega ao matadouro com um verniz de legalidade, diz Moura.

Valter Neves de Moura, vereador e ativista de Guarantã: “O chega e nos expulsa” (Felipe Betim/Diálogo Chino)

Diferentemente da soja – principal exportação agrícola do Brasil e foco da primeira parte desta série – a pecuária requer menos equipamentos e investimentos e, portanto, é uma atividade viável para pequenos produtores. 

“Para mim é muito mais prático ter gado do que trabalhar na lavoura”, diz Lucas Pinheiro, pequeno pecuarista de Guarantã. “Para começar no mercado agrícola, você precisa de cerca de 4 ou 5 milhões de reais [US$ 760.000–950.000] disponíveis. Você precisa de um trator, uma colheitadeira… É um investimento muito alto… Mas com esse dinheiro você pode comprar outro bom pedaço de terra e colocar mais gado em cima.”

Pinheiro diz ainda que o retorno do investimento da pecuária é mais garantido, seja com a venda de leite ou gado para o frigorífico.

Essa situação favorável, no entanto, pode ter um prazo de validade. Assim como outros municípios da fronteira agrícola amazônica, há disputa de terras, aumento de preços e essa especulação empurra os pequenos produtores para o norte. “O agronegócio chega e nos expulsa. Fica comprando, comprando, comprando, não tem como deixar ninguém sozinho”, diz Moura. 

Essa expansão atinge não apenas os pequenos agricultores e pecuaristas, mas também aqueles cujos territórios são protegidos por lei: os indígenas que vivem no território indígena Panará, na divisa do município. “Estamos enfrentando dificuldades com agricultores invadindo terras indígenas”, diz o líder indígena Krekreansã Panará. 

O segundo episódio de Amazônia Ocupada já está disponível, apenas em português, no Spotify , Apple , Amazon e Deezer . O episódio três, e o artigo em inglês que o acompanha, será lançado na quinta-feira, 22 de setembro.

Felipe Betim é um jornalista brasileiro radicado em São Paulo. Escreve sobre política, meio ambiente, segurança pública e direitos humanos, tendo passado oito anos no El País.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, outubro de 2022.

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