Pesquisador tenta reproduzir como indígenas produziam fertilidade na Amazônia

Terra Preta

Terra preta indígena encontrada na Amazônia é resultado de processos milenares, pesquisados por professor da PUCRS — Foto: Embrapa

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Janaína Lopes, g1 RS

02/02/2022

Hipótese é de que formação da terra, usada comumente para fertilização, é resultado de processos milenares implementados pelas comunidades indígenas que habitavam a região amazônica.

Rica em nutrientes, a terra preta é um tipo de substrato popular na jardinagem, para ajudar no crescimento saudável das plantas. É ofertada pela indústria em larga escala, mas suas origens remontam a um processo milenar das tribos indígenas que habitavam a região amazônica em toda a América do Sul.

Professor da Escola de Humanidades da PUCRS, Klaus Hilbert é especialista em arqueologia, com foco na América Latina e Amazônia, busca reproduzir os processos pelos quais a terra preta era formada.

Em expedições a sítios arqueológicos, ele e colegas encontraram restos da cultura material dos indígenas.

“As terras pretas começaram a chamar atenção inicialmente a geólogos que perceberam que no meio da selva, do nada, perto dos rios, existe uma mancha com, às vezes, dois metros e meio de profundidade, muito, muito fértil. Cheio de restos orgânicos, carvão, etc”, explica.

Segundo o arqueólogo, a terra preta não tem origens naturais. É um substrato antropogênico, ou seja, resultado de ações humanas, que, conforme os pesquisadores acreditam, tiveram como base o conhecimento dos indígenas sobre a natureza. Não era simplesmente um descarte, diz o professor.

“Não é um acaso, é um projeto, um planejamento, que existiu há 5 mil anos, em transformar aquele solo da Amazônia que não é fértil”, diz. É um processo relacionado ao comportamento dos indígenas, ao nomadismo e conhecimento sobre a natureza, diferente da produção industrial, baseada em química, da terra.

A “receita” da terra preta se perdeu com a chegada dos colonizadores europeus na Amazônia. “As populações indígenas fugiram pras cabeceiras [dos rios]. Morreram pelo impacto bélico e das doenças que eles trouxeram. Uma outra população entra nesse espaço, e essa relação social de um homem que vive na selva se rompeu. E com isso também se rompeu essa cadeia de produção e o conhecimento tradicional, desapareceu”, explica.

Nômades e horizontais

Hilbert compara a produção de terra preta às grandes obras de outros , como maias, astecas e incas, que construíram pirâmides e cidades, ou seja, monumentos verticais.

A lógica dos indígenas é diferente. “É vertical. Eles ocupam grandes áreas e aos poucos estão transformando um solo de pouca fertilidade num solo com muita fertilidade, que pode ser aproveitado por muito mais tempo do que o solo natural da Amazônia”.

Outra característica é a tendência de migrar de regiões. “É um projeto que passa por várias gerações. O nomadismo se relaciona com isso. Outro grupo sai, leva uma semente, um pedacinho de terra pra outro lugar. É toda uma rede que ocupa centenas de áreas de quilômetros quadrados com esse mesmo grupo”, afirma.