Peça chave para entender história do Brasil – desde muito antes do seu descobrimento, até os dias de hoje – os índios nunca tiveram a importância merecida nas diretrizes da educação brasileira. Triste realidade. As nações indígenas compõem o diversificado cenário étnico brasileiro e são consideradas patrimônio cultural da humanidade.
http://www.ecodebate.com.br/2013/06/17/pec-215-ameaca-direito-originario-dos-povos-indigenas/
Neli de Mello-Théry. Foto: Nivaldo Silva / Repórter do Futuro, no Flickr
[Por Sarah Mota Resende, para o EcoDebate]
Sua cultura, sua forma de organização social, sua história e o seu direito de possuírem terra própria e amparada por lei deveriam firmar-se nas escolas em programas que vão além das meras atividades propostas no dia do índio, 19 de abril.
Seus direitos estão assegurados num capítulo específico da Constituição Brasileira (título VIII, “Da Ordem Social”, capítulo VIII, “Dos Índios”) mas, como na prática isso não se firma corretamente, os indigenistas travam, com frequência, insistentes batalhas contra o governo na luta pela validação dos seus direitos. Prova disso é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 que atualmente tramita no Congresso Nacional. Propondo limitar os poderes da Funai na demarcação de terras indígenas e de interesse da Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida como ‘bancada ruralista’, a PEC 215, se aprovada, transfere do Poder Executivo para o Congresso Nacional o veredicto final sobre a demarcação, titulação e homologação de terras indígenas. “A Confederação Nacional de Agricultura, liderada pela senadora Kátia Abreu, do estado do Tocantins, luta para que a Funai não tenha mais a competência técnica para fazer a demarcação das terras indígenas e propõe que a Embrapa faça isso.
A Embrapa certamente conhece muito bem a parte de agronomia desse país, mas o que entendem e que formação tem os agrônomos para poderem decidir se uma área é território indígena ou não?”, questiona o geógrafo e professor livre-docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), Ariovaldo Umbelino. “Esse território todo era deles. A bancada ruralista do congresso não se sacia e quer continuar tomando áreas pertencentes aos povos indígenas”, completa. A Embrapa alega, em nota oficial divulgada em seu site no dia 5 de junho de 2013, que “não emite laudos antropológicos e nem dispõe de profissionais com esta formação. Essa é uma atribuição da Fundação Nacional do Índio – Funai, autarquia vinculada ao Ministério da Justiça”.
Tal disputa reflete um dos cenários mais problemáticos da Amazônia: políticas territoriais. “A concepção de terra dos indígenas é completamente distinta da nossa visão europeia (oriunda da cultura judaico-cristã) de propriedade privada das terras”, afirma Umbelino. O fato de vivermos inseridos numa cultura hegemônica oposta aos valores indígenas contribui para que eles sejam encarados sem seriedade por parcela significativa dos governantes e também da mídia, que chega a questionar o porquê dos índios precisarem de terra. De acordo com Umbelino, entre os indígenas há uma estrutura de vida social comunitária. O direito à comida, por exemplo, não implica na obrigação de trabalhar. “Herdamos da cultura judaico-cristã a idéia de que o trabalho é a fonte de tudo e enobrece. Eu costumo sempre dizer que o trabalho escraviza”, pondera.
Para a geógrafa da USP e especialista em políticas territoriais na Amazônia, Neli de Melo-Thèry, de fato a Funai é uma instituição que vive sob o viés de muitos problemas organizacionais e administrativos, mas frisou que a competência de demarcar terras indígenas não pode assumir caráter de disputa. “Não se pode contrapor direitos indígenas ou desenvolvimento econômico. Não pode ser uma disputa. Precisa ser uma cooperação”, defende. “A Embrapa pode produzir muito em diversas áreas do Brasil, então por que é tão necessário tomar terras indígenas?”, questiona.
Contrapondo os argumentos de uma fatia conservadora da mídia que usa a arcaica máxima ‘muita terra para pouco índio’, Neli afirma que o Estado age favorecendo grandes grupos empresariais através de leis que permitem privatizar terras públicas. “Para o governo, a terra pública é passível de ser privada”. E completa: “Nossa sociedade é extremamente elitista. Aqui, as leis são feitas para as elites”.
Diante dos problemas que refletem a inércia de ações do governo na região amazônica, Neli ressaltou que a sociedade deve pressionar e cobrar políticas e leis voltadas à Amazônia que não atendam a interesses particulares de uma minoria que age insensível a vontade da população – como exemplo, o caso do novo Código Florestal, aprovado no ano passado.
*Sarah Mota Resende é estudante de jornalismo e participa do “7º curso Descobrir a Amazônia – Descobrir-se Repórter”, módulo do Projeto Repórter do Futuro, organizado pela OBORÉ Projetos Especiais em Comunicações e Artes, IEA/USP – Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.