Quando parecia decair a atenção mundial em relação ao grupo Brics, seus máximos líderes colocaram em marcha um sistema financeiro alternativo ao de Bretton Woods e realizaram uma reunião sem precedentes com todos os governantes da América do Sul.
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por Diana Cariboni, da IPS
Montevidéu, Uruguai, 21/7/2014 – Embora modestos, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e o Acordo de Reservas de Contingência (ARC) materializaram a vontade dos países Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) de adequar os instrumentos internacionais de governança a uma realidade na qual os Estados Unidos já não são o poder hegemônico.
Mas, talvez, o mais notável para Washington da Sexta Cúpula dos Brics, realizada no Brasil, em Fortaleza, nos dias 14 e 15, e em Brasília, no dia 16, seja a manifestação do que vem ocorrendo em seu outrora quintal dos fundos. Os presidentes dos países da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) atenderam com prazer o convite para se reunirem com seus colegas do Brics: Dilma Rousseff (Brasil), Vladimir Putin (Rússia), Narendra Modi (Índia), Xi Jinping (China) e Jacob Zuma (África do Sul).
No dia 17, Xi e Dilma mantiveram um encontro com mandatários da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), entre eles o cubano Raúl Castro. Na verdade, o único ator regional ausente em Brasília foi o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto. Putin, indisposto com Washington e recém-expulso do Grupo dos Oito (G8) por causa de sua intervenção na Ucrânia, foi calorosamente recebido na região e aproveitou sua viagem para visitar Cuba e Argentina, país com o qual assinou vários acordos, entre eles um de cooperação nuclear.
A Argentina, que enfrenta dificuldades para atrair capitais internacionais, busca que a gigante russa Gazprom amplie sua participação na jazida de Vaca Muerta, uma das maiores reservas de gás e petróleo de xisto do mundo. Putin disse que a Argentina “é nosso principal sócio estratégico na América Latina”.
Em matéria econômica, a Argentina é apenas o quarto sócio comercial russo na região. Seu intercâmbio somou US$ 2,627 bilhões em 2013, mas representou crescimento interanual de 30%. As vendas argentinas para a Rússia foram de alimentos e bebidas, e as compras se concentraram em reatores nucleares, veículos e produtos farmacêuticos.
No entanto, as relações de Washington com Buenos Aires são frias, e tampouco são boas com Brasília, desde que estourou o escândalo da espionagem sobre o Brasil pela norte-americana Agência Nacional de Segurança. As expressões contra o “imperialismo” norte-americano são habituais em alguns governos da região, como Venezuela, Bolívia ou Equador.
Mas foi o presidente o Uruguai, José Mujica – cujo governo mantém cordial e estreita relação com o governo de Barack Obama – que melhor expressou a mudança que experimenta a América Latina em suas relações com o mundo.
Após jantar com Putin em Buenos Aires e se reunir com ele em Brasília, Mujica afirmou que a presença de Rússia e China “é um caminho novo”, reflexo de “que a região tem alguma importância, e pode ser que o resto do mundo comece a nos cotar um pouquinho melhor”, e que “um bloco contra outro não é bom para o mundo de amanhã. É melhor a coisa repartida, para ter alternativas”.
Quase simultaneamente, a Casa Branca anunciava o traslado para o Uruguai de seis prisioneiros que estavam em sua prisão militar de Guantânamo, um dos temas acordados entre Obama e Mujica quando este o visitou em maio.
Mujica convidou empresas norte-americanas, chinesas e russas a participarem da licitação de um porto de águas profundas no Oceano Atlântico, que o Uruguai pretende converter em um centro logístico regional. Também manifestou interesse em material bélico russo para dar “segurança” às empresas que exploram petróleo no Rio da Prata.
Mas, além da Rússia, que tem importantes acordos econômicos com a Venezuela, a China é a nova grande força gravitacional que se faz sentir na América Latina. O presidente Xi continuou, no dia 18, sua viagem pela região, com uma delegação de 250 empresários e especial interesse em investimentos na Argentina, em energia e transporte. Também constavam de sua agenda Venezuela e Cuba.
A China é o principal sócio econômico de Brasil, Chile e Peru, e o segundo de uma quantidade crescente de países latino-americanos. “É claro que o governo dos Estados Unidos não gosta disso, embora não fale muito a respeito publicamente”, apontou Mark Weisbrot, codiretor do Center for Economic and Policy Research (Centro de Pesquisa em Economia e Política).
“Junto com um punhado de aliados ricos, controlam há 70 anos as instituições econômicas mais importantes, incluindo o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e mais recentemente o G8 e o Grupo dos 20 (G20). Também redigiram as normas da Organização Mundial do Comércio”, destacou Weisbrot. O banco dos Brics é “a primeira alternativa na qual o resto do mundo pode ter voz. E Washington não gosta de competição”, afirmou à IPS.
Mas a atenção diplomática dos Estados Unidos está posta na Europa oriental, Ásia e Oriente Médio. E, com exceção do desastre migratório em sua fronteira sul, do narcotráfico e os sempre presentes assuntos de segurança e defesa, Washington pouco mais tem a oferecer ao sul do continente americano. Oxalá os Estados Unidos “fossem realmente indiferentes”, pontuou Weisbrot. “A verdade é que gostariam de se desfazer de todos os governos de esquerda da América Latina, e aproveitarão qualquer oportunidade que se apresentar”, ressaltou.
Entretanto, novas forças estão em jogo nessa região. O Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela), se voltou para o Atlântico, continua negociando um tratado de livre comércio com a União Europeia. Também a Aliança do Pacífico (Colômbia, Chile, México, Peru) se consolida, enquanto os três últimos se integrarão às negociações do Acordo de Negociação Transpacífico.
Nesse cenário, a presença da China e dos demais Brics, com seus novos instrumentos financeiros, desafia a região a encontrar outros perfis econômicos. No momento, as relações continuam centradas na exploração de recursos naturais e de matérias-primas latino-americanas (minerais, hidrocarbonos e agricultura) em troca de manufaturas e bens de capital.
Para Weisbrot, são necessárias estratégias e políticas que levem a uma produção com maior valor agregado, mas “não creio que a aliança dos Brics vá interferir nesse aspecto”. Maria José Romero, da Rede Europa sobre Dívida e Desenvolvimento, disse que a necessidade de “atenuar o extrativismo” levaria “a uma mudança nas relações com países como a China, que vê o continente como uma grande despensa”.
Romero, que participou em Fortaleza do fórum paralelo da sociedade civil, é autora do informe Um Assunto Privado, no qual analisa a crescente influência de interesses empresariais no financiamento para o desenvolvimento e faz advertências válidas para as novas instituições do Brics. Os Brics devem ser capazes de “promover um desenvolvimento sustentável e inclusivo que considere os impactos e benefícios de suas políticas para todos os atores de suas sociedades e dos países nos quais atuam”, enfatizou.
(IPS)