Outro falso começo na África: vendido com os mitos da Revolução Verde

Essa nova ‘revolução verde’, apoiada pelo grande capital internacional, com discurso de filantropia

https://www.iatp.org/another-false-start-in-africa

20 de abril de 2021

de Timothy Wise e Jomo Kwame Sundaram

Originalmente publicado no IPS News  em 20 de abril de 2021

Desde que a Aliança para uma Revolução Verde na África (nt.: AGRA/Alliance for a Green Revolution in Africa) foi lançada em 2006, os rendimentos quase não aumentaram, enquanto a pobreza rural continua endêmica e teria aumentado mais se não fosse pela emigração.

A AGRA  foi iniciada, com financiamento da Fundação Bill e Melinda Gates e da Fundação Rockefeller, para dobrar a produção e a renda de 30 milhões de famílias de pequenos agricultores e reduzir a insegurança alimentar pela metade até 2020.

Não  há sinais  de aumento significativo de produtividade e receita com sementes comerciais e agroquímicos promovidos nos 13 países em foco da AGRA. Enquanto isso, o número de desnutridos nessas nações aumentou 30%!

Quando iremos aprender?

O que deu errado? Os contínuos protestos dos fazendeiros indianos, apesar do ressurgimento do COVID-19, destacam o  legado problemático de sua Revolução Verde  (GR/green revolution) ao frustrar o progresso para a segurança alimentar sustentável.

Muitos estudos já perfuraram alguns mitos do GR da Índia. Olhando para trás, suas falhas e consequências terríveis deveriam ter alertado os formuladores de políticas sobre os resultados  provavelmente decepcionantes  do GR na África.

Os relatos enaltecedores da Revolução Verde citam o trigo anão de ‘alto rendimento’ e ‘crescimento rápido’ e o arroz se espalhando pela Ásia, particularmente pela Índia, salvando vidas, modernizando a e ‘liberando’ mão de obra para melhores empregos fora da fazenda.

Muitos estudos históricos recentes desafiam as principais afirmações desse suposto sucesso, incluindo supostamente melhorias generalizadas na produção e até mesmo o número de vidas realmente salvas pelo aumento da produção de alimentos.

A degradação ambiental e outras ameaças à saúde pública devido aos produtos químicos tóxicos usados ​​são agora amplamente reconhecidas. Enquanto isso, a gestão da água tornou-se cada vez mais desafiadora e não confiável devido ao aquecimento global e outros fatores.

Revolução Verde maquiada 2.0 para a África

Meio século depois, a tecnologia que fetichiza e até diviniza a iniciativa da OMG AGRA parecia alheia às lições asiáticas como se não houvesse nada a aprender com as experiências, pesquisas e análises reais.

Pior, a AGRA ignorou muitas características cruciais do GR da Índia. É importante ressaltar que o governo indiano pós-colonial desenvolveu rapidamente capacidades para promover o desenvolvimento econômico.

Poucos países africanos têm tais capacidades de ‘desenvolvimento’, muito menos capacidades comparáveis. Suas já modestas capacidades de governo foram dizimadas a partir da década de 1980 por programas de ajuste estrutural exigidos por instituições financeiras internacionais e “doadores” bilaterais.

Ignorando lições de história

Programa de Desenvolvimento Agrícola Intensivo de dez pontos da Índia  era mais do que apenas insumos como sementes, fertilizantes solúveis e agrotóxicos. Sua revolução verde também fornecia crédito, preços garantidos, marketing aprimorado, serviços de extensão, planejamento, análise e avaliação em nível de aldeia (nt.: para quem não viveu na época ou não lembra, foi extamente o que aconteceu nas décadas de 60, 70 e seguintes quando chegou a mesma ideologia ao Rio Grande do Sul, berço da tragédia chamada soja, que deu origem ao agronegócio -‘agronecrócio’- de hoje que invade com os supremacistas brancos do sul e sudeste -ver caso da madeira ilegal dos últimos dias-, toda a Amazônia e o Cerrado. Dá para entender, sem dúvida, a postura geopolítica da Aliança para o Progesso do Kennedy dos anos 60? Infelizmente hoje colhemos os frutos malditos, podres e envenenados, da nossa ignorância e ingenuidade por acreditarmos na ‘fraternidade norte-americana’ que, como pele de cordeiro, encobria a maldição e a desgraça do latifúndio, do êxodo rural e da violência da periferia dos grandes centros).

Estes e outros elementos cruciais estão ausentes ou não foram desenvolvidos de forma adequada nas iniciativas recentes da AGRA. Os patrocinadores da revolução verde ‘maquiada’ na África ignoraram amplamente esses requisitos.

Em vez disso, a iniciativa tecnófila AGRA vem sendo enfeitiçada, enamorando-se pelas recentes inovações técnicas, e, tristemente, não valoriza de maneira empoderadora e suficiente o conhecimento originário dos povos nativos e outros “antigos” ganhos da ciência e da tecnologia indígena, ou mesmo a infraestrutura básica.

A revolução verde asiática confiou basecamente na melhoria das condições de cultivo, incluindo uma melhor gestão da água. Tem havido pouco investimento por parte da AGRA ou outros, mesmo quando a cultura promovida requer tais melhorias.

Da tragédia à farsa

Sem surpresa, a revolução verda da África reproduziu muitos dos problemas que existe na da Índia:

  • Como na Índia, a produtividade geral da cultura básica não cresceu significativamente mais rápido, apesar dos custosos investimentos em tecnologias exigidos por essa ideologia. Essas baixas taxas de crescimento da produtividade permaneceram bem abaixo das taxas de crescimento da população.
  • O sucesso moderado em uma cultura prioritária (por exemplo, trigo em Punjab na Índia ou milho na África) tem sido tipicamente às custas do crescimento sustentado da produtividade de outras culturas.
  • A diversidade de culturas e da dieta foram reduzidas, afetando adversamente a sustentabilidade da cultura agrícola, da nutrição, da saúde e do bem-estar.
  • Subsídios e outros incentivos significaram mais terra dedicada a culturas prioritárias, não apenas com intensificação mas com impactos adversos no uso da terra e na nutrição.
  • A saúde e a fertilidade do solo têm sofrido com a ‘mineração de nutrientes’ devido à aplicação ampla nas monoculturas dos cultivos considerados prioritários, exigindo mais aquisições dos fertilizantes solúveis inorgânicos.
  • Os custos mais altos desses insumos freqüentemente excedem os ganhos adicionais nos modestos aumentos de produtividade pelo uso dessas novas sementes e agrotóxicos, aumentando a dívida do agricultor.

Caminhos não trilhados 

A AGRA e outros proponentes africanos da revolução verde tiveram 14 anos, mais bilhões de dólares, para mostrarem que a agricultura com uso intensivo de insumos pode aumentar a produtividade, a renda líquida e a segurança alimentar. Eles claramente falharam.

Os africanos – fazendeiros, consumidores e governos – têm muitas boas razões para ficarem cautelosos, especialmente considerando o histórico da AGRA depois de uma década e meia. A experiência da Índia e os protestos contínuos de seus agricultores devem se ampliar ainda mais.

Vender essa pretensa revolução na África como uma inovação requer uma ‘destruição criativa’ inevitável e é totalmente enganosa. Alternativamente, muitas iniciativas agroecológicas, que os tecnófilos consideram atrasadas, estão trazendo ciência e tecnologia de ponta para os agricultores, com resultados impressionantes.

Uma  pesquisa da Universidade de Essex de 2006, de 300 grandes projetos de agricultura ecológica em mais de cinquenta países pobres, documentou um aumento médio de produtividade de 79%, com custos decrescentes e receitas crescentes.

Essa pesquisa anterior foi publicada quando a AGRA foi lançada, mostrando que esses resultados ultrapassam em muito os apresentados pela tecnologia da revolução verde, até agora. Infelizmente, eles nos lembram dos altos custos das oportunidades de caminhos não trilhados devido a esse dogma tecnocrático e devastador, muito bem financiado pelo capital internacional. 

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, maio de 2021.