Parecem ter sido dissipadas as dúvidas sobre a sua periculosidade para a saúde e para o ambiente (sob condições específicas), enquanto – ao contrário das promessas – eles não resolveram a chaga da desnutrição. A única certeza é que as plantas geneticamente modificadas são fonte de enormes negócios para poucas multinacionais e de grandes problemas para os pequenos agricultores. O padre Paolo Fontana, professor de bioética do Seminário Teológico do Pontifício Instituto das Missões Exteriores (Pime) de Monza, na Itália, analisa a questão a 40 anos da criação em laboratório do primeiro transgênico “moderno”.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/530659-os-transgenicos-e-a-fome-a-revolucao-fracassada
O artigo foi publicado na revista Popoli, de fevereiro de 2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O homem sempre selecionou plantas e animais, favorecendo, através de uma paciente obra de cruzamentos, variedades vegetais e raças animais com características que resultassem convenientes. Esse processo de “domesticação”, que consiste em reproduzir aqueles indivíduos que, de modo já marcado, apresentam as qualidades buscadas, requer tempos longos, ditados pelo ritmo natural das gerações.
A longa história da agricultura e da pecuária registrou, especialmente no século passado, uma forte aceleração, graças à utilização de novas técnicas agrícolas. Mas a reviravolta clara nesse modo de proceder ocorreu com a aplicação aos vegetais (e aos animais) dos conhecimentos biotecnológicos.
Um organismo geneticamente modificado (OGM) é um organismo vivo que possui uma combinação de material genético inédito, obtida com a utilização das biotecnologias. A manipulação genética modifica a estrutura e as funções do organismo vivo e o induz a produzir materiais biológicos ad hoc. As aplicações possíveis abrangem vários campos: da medicina aos cuidados da saúde, do setor alimentar ao químico, da zootecnia à agricultura. O nosso interesse é pelos vegetais transgênicos: portanto, aprofundaremos a sua difusão, as suas características, as suas questões críticas.
Saúde e ambiente
Enquanto a “criação” em laboratório do primeiro transgênico (não vegetal) é datada de 1973, os primeiros vegetais transgênicos cultivados no campo remontam a 1996 e se estendiam por 1,7 Mha (milhões de hectares). Em 2011 foram semeados 160 Mha com transgênicos, o que equivale a um incremento de 94 vezes em 15 anos. Os países mais envolvidos são 29, dos quais 19 estão em desenvolvimento e 10 são industrializados. A taxa de crescimento para as culturas biotecnológicas nos países em desenvolvimento foi de 11% em 2011 em comparação com o ano anterior, quase o dobro em comparação com os países industrializados (+5%).
O líder da produção mundial de culturas biotecnológicas continua sendo os EUA, com 69 Mha cultivados; seguem o Brasil(30,3 Mha, +20% em relação ao ano anterior), a Argentina (23,7) e a Índia (10,6). Nesse ranking, a China está em sexto, com 3,9 Mha, e a África do Sul, em nono (2,3) (ver tabela abaixo).
As plantas geneticamente modificadas mais semeadas são quatro: a soja, com 80 Mha cultivados no mundo em 2011; omilho, com 50 Mha; o algodão e a canola, respectivamente com 22 Mha e 10 Mha. Outros transgênicos cultivados, mas em lotes significativamente inferiores (algumas centenas de milhares de hectares), são: beterraba, alfafa, mamão e abóbora nos EUA; mamão, álamo, tomate e pimentão na China; batata na Alemanha e na Suécia.
As modificações genéticas introduzidas nas quatro espécies mais cultivadas são fundamentalmente de três tipos: a tolerância aos herbicidas, a resistência aos insetos infestantes ou, ao mesmo tempo, as duas modificações anteriores. Se, em um campo, o cultivo é tolerante a um herbicida, será mais fácil limpar o terreno de ervas daninhas sem causar danos à planta; o mesmo vale para a resistência às pragas: o cultivo estarão a salvo dos ataques devastadores mesmo sem a utilização preventiva de inseticidas.
Como se obtêm esses resultados? Com a tecnologia do DNA recombinante, introduzem-se nas células vegetais genes estranhos que dão à planta as características desejadas. Desse modo, cada transgênico é “único” e deve ser examinado individualmente para determinar a sua inocuidade para a saúde humana e para o ambiente. Hoje, estão disponíveis no comércio 121 variedades de transgênicos de milho, 48 de algodão, 30 de canola e 22 de soja, cada uma com sua avaliação de impacto por parte do produtor.
Tal avaliação destina-se a ser repetida por órgãos públicos antes da venda definitiva no país interessado. No que diz respeito à União Europeia, o órgão encarregado de atuar para a comercialização dos transgênicos é a EFSA (Autoridade Europeia de Segurança Alimentar): ela estima o risco e expressa um parecer, mas cabe aos Estados-membros e à Comissão Europeia a decisão final para a comercialização. Os transgênicos no mercado hoje superaram ambos os exames e, portanto, no estado atual do conhecimento, podem ser considerados seguros para a saúde pública e para a alimentação.
Em relação ao ambiente, são dois os pontos críticos a serem superados para evitar a disseminação no território de plantas geneticamente modificadas: a polinização com plantas equivalentes não transgênicas e a dispersão da semente. Para evitar ambas, poderiam ser suficientes precauções agrícolas adequadas, por exemplo as dimensões reduzidas dos lotes, a diferenciação das culturas vizinhas e o afastamento dos lugares onde a flora cresce espontaneamente (por exemplo, nas florestas).
Em todo caso, para evitar a polinização cruzada, as plantas geneticamente modificadas são normalmente modificadas com a característica adicional da “esterilidade masculina”: o pólen “fugido” do campo é estéril, isto é, não é capaz de fertilizar nenhuma outra planta.
Em última análise, com as devidas precauções, as contaminações ambientais involuntárias não deveriam alterar o ecossistema mais do que a agricultura tradicional, com as suas sementes selecionadas e os seus híbridos.
Uma resposta para a fome?
A avaliação de impacto dos transgênicos na saúde humana e no ambiente, geralmente, é bastante aprofundada, por ser objeto de um amplo debate. Ao contrário, muitas vezes é omitido o aspecto econômico e social relacionado com a produção das plantas transgênicas. O mercado mundial globalizado, de fato, tende a enfatizá-las e a promovê-las, seja junto aos produtores, seja junto aos consumidores.
As sementes transgênicas são patenteadas, e a sua utilização traz rendas consideráveis para as 18 multinacionais (gráfico abaixo) que as desenvolvem. Além disso, a característica de serem “estéreis masculinas” favorece ainda mais as fáceis tentações de monopólio, uma vez que impõe, a cada ano, a compra de novas sementes.
As implicações econômicas e sociais merecem outras duas exemplificações. Muitas vezes se fala de vegetais geneticamente modificados capazes de aliviar a fome no mundo. Até mesmo a FAO se sentiu no dever de abordar a questão e, há alguns anos, publicou um relatório intitulado: “Biotecnologias agrícolas: uma resposta para as necessidades dos pobres?”.
Atualmente, a solução para essa desafiadora questão permanece negativa. Ao contrário, poderia ter uma resposta concreta se as verdadeiras necessidades alimentares dos países pobres fossem levadas em consideração. Por exemplo, se poderia modificar geneticamente plantas como o sorgo, o milhete (milho-miúdo ou painço), a cevada, o arroz, enriquecidas de nutrientes ou capazes de crescer em condições climáticas e de terreno adversas. Se isso não acontece é porque as plantas transgênicas são principalmente estudadas segundo a lógica do lucro econômico dos países desenvolvidos.
A mesma motivação vale para um segundo exemplo. Uma das fronteiras mais promissoras e menos investigadas dos transgênicos é a possibilidade de produzir para as plantas vários tipos de vacinas. O eventual progresso nesse campo científico, com a concomitante renúncia da patente, poderia abrir cenários inesperados para os países pobres: milhões de pessoas poderiam ter fácil acesso às melhores condições sanitárias.
Para orientar o uso das plantas geneticamente modificadas a um bem comum real, parece indispensável que elas sejam integradas em um programa completo de pesquisa e de desenvolvimento agrícola mundial, e que este obtenha a devida atenção, inclusive financeira.
A saúde e o ambiente poderão receber mais cuidado quanto mais as entidades públicas se consorciarem entre si, com a capacidade propositiva da pesquisa orientada e finalizada. A própria sociedade deverá assumir a responsabilidade de participar na definição dos objetivos da pesquisa, das prioridades, das aplicações e da repartição das vantagens daí derivados.
Para que tudo isso possa acontecer, é indispensável uma reflexão pacata, mas distante de qualquer abordagem venal.