Com 20% das espécies mundiais de fauna e flora, o Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta, sendo considerado pela ONU o primeiro da lista entre os países megadiversos. São milhares de espécies, como plantas, animais e microrganismos, que conferem grande variedade ao país, sustentam a vida, fornecem alimentos, remédios e boa parte da matéria prima consumida pelos seres humanos.
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por Jéssica Ferrari, do Sebrae
Em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente, Homero Santos* fala ao Centro Sebrae de Sustentabilidade sobre a exploração da biodiversidade brasileira e as oportunidades para micro e pequenas empresas
As constantes explorações e perdas desta riqueza natural conduziram a uma questão: não é mais possível fazer negócios sem considerar o meio ambiente como essencial, finito e escasso. Em entrevista ao Centro Sebrae de Sustentabilidade, Homero Santos fala sobre oportunidades para micro e pequenas empresas desenvolverem o uso sustentável da biodiversidade.
O Brasil possui características particulares que definem sua identidade e cultura, e esta “brasilidade” é vista como uma tendência em sustentabilidade para os pequenos negócios. A imagem dos negócios brasileiros aliada à biodiversidade é uma vantagem competitiva perante o cenário mundial?
Primeiramente, devemos considerar que o Brasil é conhecido mundialmente como um país megadiverso. E, de fato, ele possui uma das últimas reservas de biodiversidade intocadas no mundo, ao lado de países como Canadá, Austrália, Madagascar e Argentina. Dentro deste quadro, sobressai-se de forma notável a região amazônica, que o mundo inteiro contempla com certa reverência emblemática, mas também somos ricos em outras áreas, como cerrado e pantanal. A extensão vertical do Brasil cobre várias faixas com diferentes características de clima, e uma dominante, nos trópicos, que apresenta notável taxa de incidência solar todo o ano. Esta é uma característica marcante, com grande potencial. Associar negócios a nossa biodiversidade pode constituir-se em uma grandiosa alavanca de promoção de produtos, atraentes especificamente por seu exotismo e pelo vínculo com o que o Brasil representa no imaginário da comunidade internacional.
Podemos dizer que o fortalecimento das “regionalidades” pode favorecer a melhor exploração da biodiversidade?
Sim, os negócios que melhor aproveitam estas oportunidades são os de nicho, especialmente para pequenos empreendedores cooperados. Isto devido ao seu caráter artesanal. Eles são capazes de manter a característica local e fazer o vínculo com ícones e valores do homem em sua simplicidade e individualidade. Têm o valor de corresponder a uma tradição, diferentemente de produtos industrializados, padronizados e fabricados em série.
O homem desenvolveu, historicamente, uma grande dependência da precificação para valorar bens e serviços. A dificuldade em visualizar e atribuir valor econômico aos recursos da natureza contribuiu para a perda da biodiversidade?
O homem precificou os recursos naturais de acordo com os padrões de utilidade daquilo que ele extraiu, da utilidade em um processo alheio ao da natureza. A bauxita, por exemplo, retirada para fazer lata de alumínio, é precificada como uma commodity pelo mercado. Ninguém precificou anteriormente o impacto da exploração, do espaço aberto na terra ou do ecossistema que deixou de existir para que ela fosse retirada. Não é habitual fazer a conta de quanto vale uma árvore em pé ao invés de derrubada. O interessado em um determinado ativo natural volta seu olhar para o valor desse ativo fora da natureza e dentro de um processo econômico. A pergunta comum é “quanto vale uma árvore transformada em mesa ou outros móveis”, e não “quanto vale uma árvore em termos de produção, alimentação e manutenção da vida”. A economia se constituiu excluindo recursos naturais dos custos das empresas. Isto contribuiu e continua contribuindo para a perda da biodiversidade.
Reverter este processo implicaria na revisão dos modelos de negócios atuais e adoção de inovação?
Decorre mais da disposição da quebra do paradigma de exploração predatória dos recursos naturais. Em partes, dependemos de madeira, terra, minerais e outros recursos. Faz parte do modelo econômico. Mas quando quebramos o paradigma e abrimos o olhar para novas oportunidades, visualizamos outras até mais vantajosas.
Ao invés de derrubar a floresta para plantar soja, pode-se fazer ecoturismo neste mesmo local. É o processo de visualização de novas oportunidades de negócios, que não são percebidas porque nos aproximamos da natureza sempre com o olhar de “retirar” ao invés de “conservar”. É preciso ampliar horizontes, pensar em novas alternativas.
Qual setor econômico é mais beneficiado pela biodiversidade brasileira em termos de oportunidades de negócios?
O turismo, especialmente o ecológico, de aventura e de contemplação. Dependendo da região, há formas diferentes de aproveitar o que está disponível e fazer com que o grande atrativo seja a biodiversidade: flores, plantas, animais, floresta ou água. Podem-se criar trilhas, caminhos para observações, arvorismo, tirolesa, rapel, até mesmo avistamentos de animais. É muito comum no exterior o safári fotográfico de animais. Ao invés de capturar, desenvolve-se um novo negócio. Os acordos com agências de turismo podem auxiliar. Mas, é preciso ter uma grande biodiversidade, mata rica e diversa, sempre disponibilizando um guia e mantendo regras claras com sistema de vigilância das pessoas para atribuição de responsabilidades.
O mercado tem cobrado maior consciência quanto aos impactos das atividades empresariais na biodiversidade?
Sim. As grandes corporações, por sua maior visibilidade e compromissos que são obrigadas a assumir por força de lei, das ONGs e dos consumidores, criam exigências que se estendem ao longo da sua cadeia produtiva. Os pequenos negócios muitas vezes precisam se ajustar sem entender o motivo, mas porque precisam vender. Esta situação acaba forçando todo o mercado a se adaptar.
A relação da empresa com o meio ambiente influencia as preferências do consumidor e suas decisões sobre produtos e marcas que irá consumir?
Influencia sim, quando vem a público através da mídia ou em alguma situação visível, e prejudica a imagem do negócio, seja pequeno ou grande. As grandes empresas estão mais atentas e vigilantes aos riscos de incorrer em comportamentos vistos como socioambientalmente danosos, porque isto pode denegrir a sua imagem. Como elas são grandes, sua visibilidade também é grande. Elas podem dispor de mais mecanismos internos de vigilância devido ao seu potencial econômico. O que não impede que esta vigilância se faça no sentido de conservação. Muitas vezes é mais para manutenção de imagem do que como atuação ética.
Para o pequeno negócio, a repercussão de uma violação causada por seu mau comportamento socioambiental pode assumir grandes proporções na medida em a opinião pública percebe a possibilidade de replicação em negócios da mesma natureza, não importando o local. Podemos citar o caso da boate Kiss, protagonista de tragédia no Rio Grande do Sul. Ela expôs uma fragilidade difusa e oculta, que estava e ainda está presente em diversos outros pequenos negócios, por isso ganhou grande repercussão.
As empresas podem influenciar a escolha dos consumidores por produtos mais sustentáveis?
Isto depende do poder de comunicação da empresa e como ela construiu seus canais de comunicação com a sociedade. As redes sociais podem ser um elemento importante para ampliar impacto e aumentar visibilidade.
Manter um relacionamento com os meios de comunicação também é muito importante, se a empresa realmente tem algo a comunicar. Se está fazendo algo diferente, vá e diga.
O que pode ser ressaltado por estas empresas?
O produto pode ter características notáveis, como o caso da Conservas Linken, de Minas Gerais, que recolhe embalagens, faz logística reversa, integra a cadeia de produtores locais, mantendo sempre vegetais frescos. Isto é importante e atrai atenção. De outro lado temos a operação, como economia de água, energia e outros processos que promovam maior eficiência. Ela é importante, deve ser feita, tem impactos significativos para a economia do negócio, mas não é tangível para o consumidor. O produto acaba tendo maior atrativo em termos de efeito. Para tornar a sua operação atrativa, a empresa precisa repartir o benefício de sua operação e criar uma utilidade para o consumidor. Por exemplo, uma empresa moderniza sua linha de produção, descobre uma nova forma de fazer o produto, adota o 5S*. Falar isto ao consumidor é pouco. Mas se ela cria um showroom, convida clientes e estudantes para conhecerem e cria uma experiência, eles compram a ideia, pois se envolveram no processo.
Como o empresário de pequeno porte pode mensurar e reduzir seus impactos no meio ambiente?
A primeira iniciativa é ter um bom conhecimento dos códigos florestais, nacional e estaduais, o que a lei permite e o que ela impede. O desconhecimento acaba resultando em ônus, mais cedo ou mais tarde. O empresário também deve sempre comparar se o que ele extrai compensa em relação ao que ele obtém do mercado, além de considerar o custo de reparação: se ele extrai uma árvore, qual o custo para plantar outra, lembrando que é preciso levar em consideração não apenas o custo direto, mas o indireto, aquela influência no meio ambiente e na manutenção das várias formas de vida.
Publicações do Sebrae sobre o tema:
• Guia Prático para a Sustentabilidade nos Pequenos Negócios
• Licenciamento Ambiental: um mecanismo de prevenção
* Homero Santos é pós-graduado em Administração pela FGV, em Ecologia Profunda e Teoria do Desenvolvimento pelo Schumacher College (Inglaterra). Atuou durante três décadas no campo da educação executiva e da estratégia empresarial.
(Sebrae)