Os irmãos bilionários que estão desafiando um dos maiores bilionários dos USA pelo seu dinheiro

Wesley Batista

Wesley Batista escuta durante audiência de inquérito do Congresso no prédio do Congresso Nacional em Brasília, Brasil, na quarta-feira, 8 de novembro de 2017.

https://newrepublic.com/article/177498/billionaire-brothers-giving-kochs-run-money

André Pagliarini/

27 de dezembro de 2023

[NOTA DO WEBSITE: A pergunta que não quer calar é: por que os norte americanos, australianos e outros ferozes competidores globais, com todo seu determinismo capitalista, vêm deixando esses dois irmãos, ‘caipiras do mundo de baixo’, irem se agrandando e abocanhando, com uma certa aparente ‘facilidade’, todo esse mundo das ‘proteínas animais’ e virando esses magnatas e gigantes do mundo do dinheiro? O que está escondido por trás dessa ‘benevolência’?].

Wesley e Joesley Batista administram um império empresarial ligado a emissões desenfreadas, desmatamento, abusos de trabalhadores, crises da Covid, suborno, fixação de preços, violações na bolsa e carne contaminada. 

Na segunda metade da década de 1950, o Brasil construiu para si uma capital totalmente nova – uma metrópole modernista ousada no planalto central. Um empreendedor açougueiro chamado José Batista Sobrinho, que morava a cerca de duas horas de distância, tornou-se um dos primeiros fornecedores de carne para as empresas que ganharam os contratos para construir Brasília. Os trabalhadores migraram para a região e os negócios de Batista cresceram. Na década de 1970, sua empresa era um dos players dominantes no vasto mercado de carnes do Brasil Central. Em 1980, alcançava o sul e sudeste. Começou a exportar para o exterior em 1996. Batista teve tanto sucesso que nenhum de seus seis filhos concluiu o ensino médio, envolvidos nos lucrativos negócios da família. Na década de 2000, seus filhos Wesley e Joesley assumiram e renomearam a empresa, batizando-a com as iniciais do pai: JBS.

Hoje, a JBS é a maior fornecedora de proteína animal do mundo. No ano passado tornou-se a maior empresa alimentar de qualquer tipo, ultrapassando a multinacional suíça Nestlé. E é também uma força poderosa nos Estados Unidos: é o maior produtor de carne bovina do país e o segundo maior produtor de carne suína e de aves, empregando mais de 66.000 pessoas em quase 60 instalações.  Ao todo, a empresa é responsável por mais de 17% das receitas da indústria de processamento de carne dos EUA e, em alguns anos, foi responsável por 50% das exportações de carne bovina dos EUA. Seu nome pode ser desconhecido para a maioria dos consumidores norte-americanos, mas a “frota de marcas da JBS estoca algumas das principais redes e empresas de varejo da América: Kroger, Goya Foods, Albertsons (empresa controladora da Safeway, Jewel-Osco e Vons)”, como The Washington Post informou no ano passado. Um negócio que começou há décadas como um humilde açougue familiar no Brasil é agora uma engrenagem central na maquinaria da produção global de alimentos em massa.

Recentemente, a JBS tem se esforçado para apresentar seu negócio – e o consumo de carne de forma mais ampla – como essencialmente ecologicamente correto. Na recente cúpula climática COP28, por exemplo, prometeu dar prioridade às culturas produzidas de forma sustentável em toda a sua cadeia de abastecimento. Mas no decorrer de sua ascensão meteórica, a lista de supostas infrações da empresa cresceu de forma quase caricatural. Gera enormes emissões de gases de efeito estufa. Vários relatórios revelaram ligações com o desmatamento ilegal da Amazônia brasileira. O Subcomitê Selecionado da Câmara dos Representantes dos EUA sobre a Crise do Coronavírus investigou a JBS por “desrespeito cruel pela saúde dos trabalhadores”, e a empresa foi investigada e multada pela Administração de Segurança e Saúde Ocupacional (nt.: Occupational Safety and Health Administration/OSHA) e pela Comissão de Valores Mobiliários (nt.: Securities and Exchange Commission/SEC). Além de tudo isso, a organização de defesa ambiental Mighty Earth escreveu em um extenso relatório de 2022 sobre a empresa que a JBS tem sido “ligada a suborno, fixação de preços, poluição, exploração de trabalhadores e alegações de venda de carne contaminada”.

Os irmãos Wesley e Joesley, que valem bilhões, têm repetidamente se envolvido com a lei. Talvez mais notavelmente, em 2017, a sua empresa esteve diretamente ligada a acusações de corrupção contra o então presidente do Brasil, Michel Temer, e Aécio Neves, o senador de centro-direita que perdeu a corrida presidencial de 2014 para Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, por apenas três pontos percentuais. . As imagens mostraram claramente Ricardo Saud, chefe de relações institucionais da JBS, transferindo uma mala contendo 500 mil reais (US$ 102,4 mil) para um parlamentar que há muito era assessor e confidente de Temer. Outras imagens mostraram o primo de Neves na sede da JBS também se reunindo com Saud, saindo com sua própria mala de meio milhão de reais. O pior é que as imagens provavelmente foram vazadas pelo próprio Joesley Batista depois que ele foi enredado pela grande sucesso Operação Lava Jato, o maior – posteriormente  contaminado – esforço anticorrupção da história brasileira. Como parte de um acordo judicial, os irmãos Batista ofereceram testemunhos contundentes, incluindo as imagens acima mencionadas, bem como gravações de conversas nas quais Temer instou Joesley a comprar o silêncio do ex-presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, preso, que foi fundamental para o impeachment de Dilma Rousseff. Esta narrativa estonteante de alta intriga política fala do poder e da centralidade que a JBS assumiu nos assuntos da maior nação da América Latina. É tudo menos um mero processador de carne.

Talvez sem surpresa, nada resultou das muitas acusações contra os irmãos Batista ao longo dos anos. Eles mantêm o controle acionário da JBS por meio de uma holding que operam, chamada J&F Investimentos. A J&F, de acordo com a SEC/Securities and Exchange Commission (nt.: Comissão de Valores Mobiliários dos EUA), “possui aproximadamente 250 empresas em 30 países em todo o mundo”. Na verdade, foram os próprios irmãos que, depois de passarem seis meses em prisão preventiva no Brasil sob a acusação de abuso de informação privilegiada em 2017-2018 (foram absolvidos no início deste ano), supervisionaram a entrada bem-sucedida da JBS nos EUA.

Em 2007, a JBS comprou a Swift & Co., com sede no Colorado, por cerca de US$ 225 milhões. Naquela ocasião, conforme noticiou a Forbes , Wesley Batista apareceu na sede da Swift vestindo “o equipamento básico de cowboy: jeans, botas e chapéu. Ele não falava inglês e fazia questão de sujar as mãos de sangue – mostrando aos açougueiros de seu recém-adquirido Swift como extrair o máximo de dólares em cortes da carcaça de uma vaca. Os irmãos não pararam por aí. Tal como o seu pai décadas antes, eles engoliram concorrentes e cresceram rapidamente. Em 2021, eles forneciam cerca de um quarto de toda a carne bovina dos EUA – processando cerca de 22 mil bovinos por dia – e um quinto de sua carne suína.

O seu expansionismo agressivo chamou a atenção da SEC, que em 2020 emitiu uma ordem de cessar e desistir nomeando especificamente os irmãos. O documento tece uma história de conspiração corporativa transnacional envolvendo a JBS, o Banco Brasileiro de Desenvolvimento e “vários partidos políticos e candidatos no Brasil” que ajudaram a facilitar a aquisição pela empresa da Pilgrim’s Pride Corporation, uma empresa de carne fundada em Pittsburg, Texas, em 1946. Os Batistas foram multados em US$ 27 milhões, mas o negócio foi fechado. “Envolver-se em subornos para financiar a sua expansão nos mercados dos EUA e depois continuar a envolver-se em subornos enquanto ocupava cargos seniores no conselho da Pilgrim’s reflete um profundo fracasso no exercício de uma boa governação corporativa”, disse Charles Cain, chefe da divisão da SEC dedicada a fazer cumprir as regras estrangeiras. Lei de Práticas de Corrupção, declarada em 2020. Como The Hill relatou naquele ano, “outras questões legais da JBS incluem o suposto envolvimento da Pilgrim’s Pride em um esquema nacional de fixação de preços de aves. A empresa concordou na quarta-feira em pagar uma multa de US$ 110 milhões por acusações liquidadas relacionadas às alegações de fixação de preços em uma ação separada liderada pelo Departamento de Justiça.” Tais multas, no entanto, são menos do que redutores de velocidade para uma empresa com receitas superiores a 50 bilhões de dólares por ano.

Agora a empresa está se diversificando. No ano passado, a J&F comprou minas de manganês e minério de ferro no centro do Brasil – o berço da empresa – com o objetivo de finalmente criar  uma “JBS da mineração”. A J&F também possui a fabricante de celulose Eldorado Brasil, uma das maiores do mundo. A Eldorado se autodenomina “a empresa de celulose mais moderna e sustentável do mundo” e se orgulha do uso de energia limpa para alimentar suas operações, bem como do fato de que mais de 90% de sua força de trabalho passou por “treinamento anti-suborno”. No entanto, a Environmental Paper Network/EPN, uma organização que reúne 150 entidades da sociedade civil em torno do objetivo da produção sustentável de papel, argumenta que a empresa pode e deve fazer mais no contexto do desmatamento brasileiro. “A agricultura e a pecuária são os notórios impulsionadores do desmatamento na Amazônia brasileira”, observou Karen Vermeer, coordenadora de financiamento de celulose da EPN, em um relatório de 2020. “Mas a indústria pecuária e a soja são apenas um lado da moeda, com as empresas de celulose e papel recusando-se a assumir a culpa porque não queimam diretamente a terra – outras indústrias fazem isso por elas.” Vermeer chama a indústria de celulose, na qual a Eldorado é um ator central, de “uma bomba-relógio que vem crescendo exponencialmente” devido ao “consumo global de papel ter quadruplicado nos últimos 50 anos”.

Riscando mais uma caixa no seu cartão de bingo de risco ambiental, os irmãos Batista estão agora a entrar também no petróleo. No início de dezembro, a Bloomberg relatou a aquisição pela J&F da nova empresa petrolífera brasileira Fluxus, fundada por veteranos da Petrobras e da ExxonMobil.  “Estamos muito otimistas com as oportunidades que [a América do Sul] apresenta nos setores de petróleo, gás e energia”, afirmou recentemente o CEO da Fluxus. Começando na Argentina, a empresa também pretende iniciar operações nas áreas mais competitivas do Brasil, Bolívia e Venezuela. O petróleo é obviamente uma indústria acirrada, mas a carne também o é – e a JBS veio do nada para dominar. Os concorrentes dos Batista seriam insensatos em dispensá-los.

Os descendentes da JBS reuniram agora um portfólio impressionantemente diversificado de devastação, abrangendo vários setores e continentes. Mais do que a maioria dos titãs da indústria, representam o casamento entre a profunda corrupção política e a degradação ambiental. Os Batista certamente diriam que estão simplesmente a servir uma procura saudável em múltiplas frentes.  Afinal, as pessoas querem carne e as indústrias querem papel, minerais e petróleo. O problema, claro, é que a avidez da empresa em atender a essas demandas não se mostrou responsiva às limitações legais. Os planos de crescimento diversificados da empresa deveriam atrair mais atenção daqueles que se preocupam com a degradação ambiental, bem como daqueles que se preocupam com o progresso desimpedido da consolidação corporativa. “Você chega a um ponto e a uma certa realidade, então está pronto para outra realidade”, disse Wesley Batista à Forbes em 2011. “Um passo de cada vez”. Eventualmente, a JBS poderá atropelar o planeta inteiro (nt.: percebe-se que o discurso de Wesley Batista confirma de que o capitalismo não tem limite de nada sobre nada. Pelo avanço da insaciabilidade dos ‘Fantasmas Famintos’, do budismo, constatamos que, desde a Grécia Antiga, o que resulta da ação das pessoas vorazes como o rei “Erisícton’, tira pela realidade de hoje qualquer possibilidade de haver um ponto em que o equilíbrio e a harmonia possam existir entre todos os habitantes do planeta pela forma como o que se tem feito na atualidade poderá levar à extinção, pelo roubo de poucos, da partilha da riqueza da Terra entre todos os que virão depois de nós).

André Pagliarini @apagliar

É professor assistente de história no Hampden-Sydney College e membro não residente do Washington Brazil Office e do Quincy Institute for Responsible Statecraft. Ele está escrevendo um livro sobre a política do nacionalismo no Brasil moderno.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, dezembro de 2023.