O recife amazônico que pode estar ameaçado pela perfuração de petróleo

O recife é feito principalmente de algas vermelhas duras, proporcionando um habitat atraente para a vida marinha, como esta moreia

https://www.bbc.com/news/science-environment-63987165

Jamille Ribeiro Bastos do Carno, BBC World Service

18.12.2022

Os cientistas dizem que um habitat único de recife perto da foz do rio Amazonas está sob ameaça de planos de perfuração de petróleo. O recife foi descoberto em 2016 e os pesquisadores dizem que pode conter muitas espécies desconhecidas de valor medicinal ou científico.

O recife amazônico é incomum porque fica em águas profundas e às vezes é escondido pelas águas lamacentas que fluem para o mar do maior rio do mundo. Sua profundidade – até 220m (725ft) e as fortes correntes na área fazem com que tenha sido pouco estudada desde que foi descoberta.

“É uma área muito ampla, tem coisas que ainda não sabemos”, diz César Cordeiro, professor do Centro de Biociências e Biotecnologia da Universidade do Norte Fluminense. “Existem espécies que podem estar aparecendo apenas naquela área e em nenhum outro lugar do mundo”.

Uma delas é uma esponja em estudo na Universidade de São Paulo, que apresenta indícios de possuir propriedades anticancerígenas.

“Há um grande potencial de ganhos econômicos com o estudo e proteção desses sistemas”, diz Rodrigo Leão de Moura, professor do Instituto de Biologia da Universidade do Rio de Janeiro e principal cientista envolvido na descoberta do recife. “É claro que temos essa necessidade imediata de energia barata, mas quanto isso sacrifica um futuro baseado na biotecnologia?”

Os cientistas temem que os planos da petrolífera brasileira Petrobras de perfurar petróleo perto do recife possam causar um vazamento de óleo que devastaria o ecossistema.

A Petrobras planeja realizar neste mês um teste para saber mais sobre como seria a dispersão do óleo em caso de vazamento.

Se isso satisfizer o Ibama, o Ibama, os poços de exploração poderão seguir logo depois, a 160 km da costa, mas muito mais perto do recife.

O ministro do Meio Ambiente do Brasil, Joaquim Leite – membro do governo cessante nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro – disse que é possível explorar petróleo lá e proteger o meio ambiente, mas o professor Moura tem dúvidas.

“Essa área tem uma das correntes mais fortes do planeta e uma amplitude de maré que pode ultrapassar 10 metros. São condições ambientais que desafiam qualquer obra de engenharia, tornando-a muito arriscada”, afirma.

Muitos recifes ocorrem em águas rasas, onde o sol fornece energia abundante para o crescimento dos corais.

Este é diferente. É mais profundo e sombrio e é composto principalmente por algas vermelhas duras capazes de realizar a fotossíntese – o processo pelo qual as plantas transformam a luz solar, a água e o CO2 em carboidratos e oxigênio – em condições de pouca luz.

“São algas vermelhas que usam a luz de forma mais filtrada – usam o espectro azul da luz”, diz o professor Moura.

O recife é profundo e fica abaixo da água turva que flui da Amazônia

As algas são duras porque contêm uma substância semelhante a giz em suas paredes celulares, e isso permite que grandes estruturas sólidas cresçam com o tempo.

Acredita-se que o recife cubra uma área de 56.000 quilômetros quadrados (22.000 milhas quadradas) e abriga muitas esponjas diferentes, alguns corais e pelo menos 70 espécies de peixes, camarões e lagostas. Estas, por sua vez, são fonte de alimento e renda para milhares de famílias do litoral brasileiro, algumas delas também preocupadas com os planos da Petrobras.

A pescadora Darcirene Garcia teme que a agitação causada pelos navios da petroleira afaste os peixes: “Eles vão mais longe, e nos nossos pequenos barcos não vamos conseguir ir atrás deles”.

Um derramamento de óleo que atingiu a costa norte do Brasil em 2019 também lança uma longa sombra. Toneladas de petróleo grosso e preto começaram a chegar a milhares de locais e paralisaram a indústria do turismo. Da noite para o dia, o maior mercado de peixes pescados localmente desapareceu. Outros compradores também deixaram de comprar, com medo de contaminação, e as vendas caíram 80% ou 90%, diz Carlos Pinto, do sindicato dos marítimos, Confrem.

Petróleo apareceu na costa norte do Brasil em 2019

Darcirene Garcia participou de reunião com a Petrobras no dia 8 de novembro, juntamente com outros membros da comunidade pesqueira do município mais ao norte do Brasil, Oiapoque.

“Pareciam respostas prontas”, diz ela. “Seja o que for que perguntássemos, a resposta era sempre: ‘É muito longe da costa.’ Ao final da reunião, os pescadores gritaram juntos, dizendo que eram contra a perfuração, mas não falaram nada”.

A Petrobras diz que está realizando reuniões com as comunidades que podem ser afetadas pelo projeto, a fim de “esclarecer dúvidas e expectativas”.

Descobertas de petróleo na costa de países do Nordeste – Suriname e Guiana – aumentaram a expectativa de importantes reservas de petróleo na costa brasileira.

A Petrobras sinalizou em 1º de dezembro que a costa norte do Brasil seria uma prioridade nos próximos cinco anos, atraindo metade do orçamento de exploração de US$ 6 bilhões da empresa nesse período. Mas não se sabe se o novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva apoiará o plano de perfurar perto do recife.

A porta-voz do meio ambiente de seu partido indicou sua oposição, mas na última vez que Lula esteve no governo ele contou com a receita das descobertas de petróleo na Bacia de Santos, ao sul do Rio de Janeiro, para financiar programas sociais.

O recife ajuda a garantir a abundância de peixes na costa norte do Brasil

Os professores Rodrigo Moura e César Cordeiro veem a biodiversidade do recife como um de seus principais benefícios, mas também apontam outros. Uma delas é que fornece uma fonte de renda mais sustentável do que muitas outras indústrias locais.

“Se as pessoas não podem pescar, vão ter que buscar outra fonte de renda, e o que há na Amazônia para fazer?” pergunta o professor Moura. “Caça, desmatamento, abertura de pastagens, migração para áreas de mata?” Outra é que ele funciona como um sumidouro de carbono.

As duras paredes celulares das algas contêm carbonato de cálcio, aponta o professor Cordeiro, ajudando assim a retirar o carbono da atmosfera por tempo indeterminado.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, dezembro de 2022.