O Novo Relatório Climático do IPCC (do site realclimate.org, tradução: Alexandre Lacerda).

Chegou a hora: saiu o novo relatório do IPCC! Após anos de trabalho por mais de 800 cientistas ao redor do mundo, e depois de dias de extensa discussão no plenário da reunião do IPCC em Estocolmo, o Summary for Policymakers foi formalmente recebido às 5 da manhã, hoje. Parabéns a todos os colegas que lá estiveram e trabalharam em turnos noite adentro. O texto completo do relatório estará disponível online no início da próxima semana. O Realclimate resume aqui as principais conclusões e mostra os gráficos mais interessantes.

 

 

http://www.ecodebate.com.br/2013/10/04/o-novo-relatorio-climatico-do-ipcc-do-site-realclimate-org-traducao-alexandre-lacerda/

 

 

[O que você faria se soubesse o que eu sei?] Nosso blog traz uma publicação especialíssima! É a tradução, por meu amigo Alexandre Lacerda, desta publicação sobre o novo relatório do IPCC, cuja fonte é o excelente site realclimate.org, que conta com contribuições de cientistas de verdade como Gavin Schmidt, Michael Mann (a quem tenho o prazer de conhecer pessoalmente e que foi condecorado com a comenda Hans Oescheger pela European Geosciences Union (EGU), em Viena, em 2012) Raymond Bradley e outros. Espero que apreciem a leitura!

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Aquecimento global

Agora tem-se ainda mais certeza (maior que 95%) que a influência humana foi a causa dominante do aquecimento observado desde meados do século XX. A variabilidade interna e as forçantes naturais (por ex. o sol) tiveram contribuição virtualmente nula para o aquecimento desde 1950 – a parcela destes fatores foi reduzida pelo IPCC a ± 0,1 ºC. A evolução medida da temperatura é mostrada no gráfico abaixo.
 
Figura 1: A curva temperatura global medida, segundo 
vários conjuntos de dados. Em cima: valores anuais. 
Embaixo: valores médios por década.
 

Observando-se estes dados dá para ver imediatamente quão enganosa é a grande atenção da mídia às pequenas variações de curto prazo ao final da curva. Estas variações sempre ocorreram, e sempre ocorrerão. Elas são quase aleatórias, imprevisíveis (ao menos até agora), e o IPCC nunca disse ser capaz de fazer predições para períodos curtos de 10 a 15 anos, precisamente porque elas são dominadas por este tipo de variação natural.

Os últimos 30 anos foram provavelmente os mais quentes dos últimos 1.400 anos. Esta informação é resultado de melhores dados de testemunhos climáticos. No 3º relatório do IPCC podia-se apenas afirmar isso a respeito dos últimos 1.000 anos, e no 4º a respeito dos últimos 1.300 anos.

O aquecimento futuro em 2100 – considerando-se os mesmos cenários de emissões – são aproximadamente os mesmos que no relatório anterior. Para o cenário de maior aquecimento, a melhor estimativa para 2100 ainda é 4 ºC (gráfico abaixo).

 
Figura 2: A evolução da temperatura futura no cenário de
maiores emissões (vermelho) e num cenário em que se con-
segue implantar com sucesso medidas de mitigação (azul) – o
“mundo 4 graus mais quente” e o “mundo 2 graus mais quente”.

O que é novo aqui é que o IPCC também estudou os cenários de mitigação. O cenário RCP2.6 em azul representa forte redução de emissões. Com este cenário o aquecimento global pode ser detido abaixo dos 2 ºC.

Grande parte do aquecimento será irreversível: do ponto em que emissões seriam diminuídas a zero, as temperaturas globais permaneceriam quase constantes neste nível mais elevado ainda por séculos. (é por isso que o problema do clima é um caso clássico do princípio da precaução)

Aumento do nível do mar

O nível do mar está se elevando mais rápido agora do que nos últimos dois milênios, e esta elevação vai continuar se acelerando – independente dos cenários de emissões, e até mesmo no caso de intensa mitigação (devido à inércia do sistema). Os novos cenários do IPCC para 2100 são mostrados no gráfico abaixo.

 

 
Figura 3: aumento do nível do mar até o ano de 2100,
dependendo do cenário de emissões.

Esta é, talvez, a maior mudança em relação ao 4º relatório do IPCC: agora se projeta um aumento do nível do mar muito mais rápido (28 a 98 cm até 2100). Isso é mais que 50% maior que as projeções anteriores (19 a 59 cm) quando comparados os mesmos períodos e cenários de emissões.

No caso de emissões não-mitigadas (e não apenas para o cenário mais grave), o IPCC estima que no ano de 2300 o nível do mar teria subido em 1 a 3 metros.

Nós já estamos observando um provável aumento de frequência nas marés de tempestade (provável no sentido adotado pelo IPCC, com segurança maior que 66%). No futuro, isso se tornará muito provável (>90%).

Gelo continental e oceânico

Nas duas últimas décadas, os mantos de gelo da Groenlândia e Antártica vêm perdendo massa, geleiras têm diminuído quase em todo o mundo, e o gelo oceânico ártico, assim como a cobertura de neve de primavera no hemisfério norte continuam a diminuir em extensão.

O manto de gelo da Groenlândia é menos estável do que era esperado no relatório anterior. No período interglacial Riss-Würm (aquele há 120.000 anos, anterior ao interglacial atual, quando as temperaturas globais estiveram de 1 a 2 ºC mais altas que hoje) o nível do mar estava de 5 a 10 m mais alto do que o atual (no 4º relatório do IPCC, estimava-se que fosse apenas 4 a 6 m). Devido aos dados melhores agora disponíveis, há alto nível de certeza nesta informação. Uma vez que o derretimento total do manto da Groenlândia corresponde a 7 m de elevação no nível do mar, isso pode indicar perda de gelo antártico no período Riss-Würm.

No novo relatório do IPCC, o limite crítico de temperatura no qual haveria o completo derretimento do manto da Groenlândia é estimado entre 1 e 4 ºC acima dos níveis pré-industriais. No relatório anterior, este número ainda era 1,9 a 4,6 ºC – e esta foi uma das razões para se buscar políticas de mitigação que limitassem o aquecimento abaixo de 2 ºC.

 
 

 

 

Figura 4: cobertura de gelo no oceano antártico no mundo de
2 graus (esq.) e no mundo de 4 graus (dir.

Sem políticas de mitigação (cenário RCP8.5), o Oceano Ártico se tornará virtualmente sem gelo durante o verão antes da metade deste século (v. figura 4). No relatório anterior, isso não era esperado antes do final do século.

Precipitação

O IPCC estima que as regiões secas tornem-se mais secas devido ao aquecimento global, enquanto as regiões úmidas se tornem mais úmidas. Índices extremos de precipitação já estão provavelmente se tornando mais frequentes na América do Norte e Europa (os dados são incompletos nas outras regiões). É muito provável que eventos extremos desse tipo se tornem mais intensos e mais frequentes na maior parte das áreas úmidas dos trópicos, bem como em regiões temperadas.

Oceanos

 
Figura 5: concentração medida de CO2 e pH da 
água do mar. Baixo pH indica maior acidez.
 
Com emissões altas (cenário acima em vermelho), o IPCC estima que haverá um enfraquecimento da circulação do Oceano Atlântico (conhecida como sistema da Corrente do Golfo) da ordem de 12 a 54%, até o final do século.

Por último, mas não menos importante, nossas emissões de CO2 não apenas causam , mas também aumentam a concentração de CO2 na água do mar, acidificando os oceanos devido ao ácido carbônico que se forma. Isso é mostrado pelas medições plotadas no gráfico abaixo.

Conclusão

O novo relatório do IPCC não dá motivos para acomodação – mesmo se os “céticos” com motivações políticas tentaram dar esse tipo de impressão com suas manobras desesperadas de RP antes da publicação do relatório. Muitas coisas erradas foram escritas, que agora desabam à luz do relatório verdadeiro vindo à tona.

Na verdade, é o oposto. Muitas medidas são consideradas agora mais urgentes do que no 4º relatório, publicado em 2007. O fato de que o IPCC com frequência precisa se corrigir atualizando os dados “para cima” é uma mostra de que eles tendem a fazer afirmações extremamente cautelosas e conservadoras, devido à sua estrutura de consenso – o texto do IPCC é uma espécie de mínimo denominador comum, com o qual a maioria dos pesquisadores pode concordar. O New York Times deu alguns exemplos do IPCC “recuando para ser cientificamente conservador”. Apesar (ou talvez por causa) desse conservadorismo, os relatórios do IPCC são de extrema valia – pelo menos na medida em que o público e os governos tomem conhecimento dele.

Publicado originalmente no blogue ‘O que você faria se soubesse o que eu sei?‘, de Alexandre Costa (Ph.D. em Ciências Atmosféricas, Professor Titular da Universidade Estadual do Ceará).