“É hora de um novo modelo agrícola, que garanta a produção de comida de qualidade suficiente onde mais se necessitar, que conserve a natureza e que preste serviços ao ecossistema de relevância local e mundial”. Em poucas palavras, é a hora da agroecologia.
por Genevieve Lavoie Mathieu, da IPS
Propriedade familiar no Estado do Rio de Janeiro, com um sistema de semeadura que se adapta às manifestações locais da mudança climática. Foto: Fabíola Ortiz/IPS
Roma, Itália, 26/9/2014 – Pablo Tittonell, da Universidade de Washington, um dos principais centros educacionais do mundo na área das ciências agrícolas, pronunciou essas palavras no Simpósio Internacional de Agroecologia para a Segurança Alimentar e a Nutrição, organizado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
O simpósio aconteceu na sede da ONU, em Roma, nos dias 18 e 19 deste mês, e reuniu especialistas de diversas origens, entre eles cientistas, acadêmicos, dirigentes políticos e agricultores.
Em carta aberta antes da Cúpula do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), que aconteceu no dia 23 em Nova York, cerca de 70 cientistas e especialistas disseram que nesta época de mudança climática, insegurança alimentar e pobreza, “a agroecologia, especialmente quando se combina com os princípios da soberania e da justiça alimentar, oferece oportunidades para abordar todos esses problemas”.
“O simpósio da FAO contribui para reforçar o impulso pela agroecologia”, disse à IPS o agroeconomista Gaëtan Vanloqueren, um dos oradores presentes em Roma. A agroecologia inclui um conjunto de práticas, como a diversificação das espécies e dos recursos genéticos e a reciclagem de nutrientes e matéria orgânica, explicou.
Mas, também é mais do que o estudo cientifico da ecologia aplicado à agricultura, já que inclui princípios socioeconômicos e políticos que questionam a base do atual sistema agrícola dominante, afirmou Vanloqueren. A partir de 2008 se revitalizou o debate sobre os modelos agrícolas e o sistema de alimentos em geral, mas o simpósio deste mês foi o esforço mais importante feito pela FAO nesse sentido, acrescentou.
Vanloqueren, que foi assessor do ex-relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, Olivier de Schutter, tem uma visão positiva do interesse que demonstraram recentemente várias organizações da Europa e de outras regiões no diálogo, na pesquisa e no fomento da agroecologia. “Mas existe o perigo de que se converta no novo desenvolvimento sustentável, a nova palavra da moda e termo curinga que pode significar qualquer coisa”, alertou.
“Continua havendo uma grande incompreensão relacionada com a agroecologia”, pontuou Luca Chinotti, assessor da campanha Crece, da Oxfam. “Muita gente pensa que a agricultura orgânica é o mesmo que agroecologia e diferentes pessoas utilizam o termo agricultura sustentável com sentidos muito diferentes”, explicou à IPS.
Por exemplo, a expressão “agricultura sustentável” é utilizada tanto pela Monsanto, a transnacional norte-americana de produtos agroquímicos e biotecnológicos, quanto pelo Greenpeace, a organização ecologista que combate o uso das sementes modificadas geneticamente. É preciso trabalhar muito para informar as pessoas o que é, na verdade, a agroecologia, acrescentou Chinotti.
“Não se deve ver a agroecologia como um modelo ou um pacote tecnológico que pode ser replicado em qualquer lugar a qualquer momento. Há pouquíssimas práticas que podem ser aplicadas a uma grande quantidade de situações”, pontuou Celso Marcatto, técnico em agricultura sustentável da ActionAid International, organização de desenvolvimento internacional com sede na Grã-Bretanha. Por este motivo, a agroecologia “tem mais a ver com a introdução de novas formas de pensar do que com a distribuição de soluções pré-definidas”, acrescentou.
A agroecologia é uma forma distinta de ver o sistema de alimentos, já que se ocupa de questões relacionadas com os que têm acesso aos recursos e aos processos que determinam esse processo. Por isso também é considerada um movimento social.
“Os princípios da autonomia, a importância da combinação do saber tradicional e o conhecimento econômico, a elaboração conjunta de soluções por parte de organizações camponesas, pesquisadores e cidadãos são fundamentais para definir a agroecologia e são a base do que distingue o movimento da chamada intensificação ecológica sustentável”, disse Vanloqueren. No centro da agroecologia está o “papel dos agricultores, que é necessário para estender a todos os cantos o sistema agrícola”, recomendou.
A agroecologia também tem a ver com substituir insumos por conhecimentos e pelo fomento da autonomia pelo saber e pela independência dos mercados internacionais, acrescentou Vanloqueren. Finalmente, a agroecologia trata da igualdade social e da democracia, ressaltou. Porém, continua havendo muitos obstáculos para convencer os dirigentes políticos e os doadores a defenderem e promoverem a adoção da agroecologia.
Quentin Delachapelle, um agricultor francês e vice-presidente da Federação Nacional de Centros de Iniciativas para Valorizar a Agricultura e o Meio Rural da França, disse no simpósio da FAO que um dos principais obstáculos para a adoção da agroecologia é que se baseia em uma visão de longo prazo. “Lamentavelmente, as atuais políticas públicas e de mercado se baseiam unicamente em uma perspectiva de curto prazo”, afirmou.