“O Agro não é pop”

Segundo pesquisa, fomenta a desigualdade, que faz com que atualmente 55% da população não tenha certeza se terá o suficiente para se alimentar no dia seguinte – Foto: Governo do Mato Grosso

https://www.brasildefato.com.br/2021/10/20/o-agro-nao-e-pop-estudo-aponta-que-a-fome-e-resultado-do-agronegocio

Gabriela Moncau

20 de Outubro de 2021

Estudo aponta que a fome é resultado do agronegócio. Para pesquisadores, o setor não só não mata a fome, como fomenta a desigualdade que a cria.

Dificilmente alguém não conhece as imagens coloridas e modernas da campanha “Agro é pop”, transmitidas na rede Globo desde 2016 e que passam uma ideia do agronegócio como o motor do país: a “riqueza do Brasil” (nota do website: é importante nos darmos conta de que até a chegado do Temer, tínhamos no Brasil um ministério da agricultura que poderíamos dizer, sinônimo de ‘agronegócio’. E outro, o MDA. Ministério do desenvolvimento agrário que estava dirigido aos agricultores considerados pequenos e familiares. Ou seja, os que produziam os 75% do alimento que está na mesa do brasileiro. Onde estão os agricultores ecologistas, os que fazem agricultura com o foco de produzir alimentos e não commodities. Lógico que isso era muito perigoso e o Temer ao tomar posse, imediatamente desfaz o MDA. E assim todos estão agora sob a ‘batuta’ do mundo do agronegócio. Ou seja, tudo passa a ser ‘negócio’ e não mais alimento, na visão da administração central. E o Bolsonaro, logicamente, pajeado pelo ‘ruralismo’, mantém esse absurdo. A ideologia do supremacismo branco eurocêntrico é exatamente o mesmo de um e de outro.)

[NOTA DO WEBSITE: vale perceber que, na propaganda da tevê, abaixo da expressão ‘Agro é pop’ ou outro adjetivo, está ‘Indústria-riqueza do Brasil‘. ISSO É FUNDAMENTAL PORQUE MOSTRA A VISÃO INDUSTRIALISTA DA AGRICULTURA, NA CONCEPÇÃO DO AGRONEGÓCIO! E isso tem um sentido, uma história. Há pouco tempo atrás, o secretário da fazenda do estado de Mato Grosso entrou em choque com os interesses dos latifundiários porque não estava aceitando que eles agora quisessem ser tidos como as indústrias em termos de favorecimento governamental. E foi a tal ponto que teve que ter proteção policial e, evidentemente, foi exonerado. Da mesma forma, vale ouvir um representante da Aprosoja de MT quando fala, literalmente, de que os produtores devem passar da atual visão da produção estar no plano da ‘indústria horizontal‘ para o da ‘indústria vertical‘. Ou seja, o conceito da propaganda de estar tratando de ‘Agro’ é para, verdadeiramente, enganar os consumidores urbanos de que toda essa invasão/devastação/destruição/etnocídio/ecocídio/desmatamento etc e tal, ainda estaria correspondendo a realidade de que o que estão fazendo é ‘cultura no campo=agricultura’. Não! Eles não estão produzindo alimentos, estão produzindo ‘commoditeis/mercadorias’, como quaisquer processos industriais. Assim, quando tratamos não mais de agronegócio, mas sim de ‘agronecrócio’, ou seja, dentro da ideologia da ‘necropolítica’, podemos entender de que ‘fazem qualquer negócio’, até a morte, desde que atinjam o objetivo último que é tirar o máximo do ‘bem público’ = ambiente e vida em toda sua extensão, para concentrarem tudo no ‘privado’, no seu bolso. O resto é o resto! Outro escárnio é estarem trazendo como ‘agro’ toda a produção familiar, toda a produção que está mais conectada com a vida e o alimento de todos os seres, incluindo o humano. Isso é um crime. É um desrespeito ao agricultor que está verdadeiramente produzindo e compartilhando a comida de sua atividade com os consumidores.]

Em contraposição à narrativa que busca construir esse consenso, é publicado nessa quinta-feira (21) o estudo O Agro não é tech, o Agro não é pop e muito menos tudo (nota do website: o material já está disponível), da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) em parceria com a FES Brasil. 

Os autores Marco Antônio Mitidiero Júnior e Yamila Goldfarb demonstram que o agronegócio não só não traz alimentos para a população brasileira – que só vê aumentar o alarmante nível da fome. 

Ao contrário: de acordo com a pesquisa, o setor fomenta a desigualdade, que faz com que atualmente 55% da população não tenha certeza se terá o suficiente para se alimentar no dia seguinte. 

O lançamento do documento acontece com um debate ao vivo entre autores e convidados, transmitido pelo Youtube da FES Brasil na quinta (21) às 19h30.

A partir da análise de dados da balança comercial, do PIB e do IBGE, a pesquisa aponta que o agro pouco contribui com o Produto Interno Bruto (PIB), traz altos custos ao Estado, gera poucos empregos e é o grande responsável por devastações  ambientais. 

Para entender os principais argumentos apresentados de que “o agro não é tudo”, o Brasil de Fato conversou com o geógrafo Marco Mitidiero, co-autor do estudo e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). 

Brasil de Fato: O nome do estudo que vocês acabam de lançar faz referência e contraposição ao marketing que retrata o agronegócio como fundamental para a sociedade brasileira. Quais são os principais argumentos levantados no estudo que revelam uma realidade diferente dessa que é retratada na publicidade?  

Marco Antônio Mitidiero Jr.: A análise nos mostra que, embora o agronegócio seja o setor da economia que exporte mais, ele leva o Brasil ao que estamos chamando de reprimarização da economia. 

Ou seja, uma economia pautada em produzir matérias-primas e importar produtos industrializados. E embora seja um dado mundial, o Brasil aparece como um dos cinco países que sofre o maior processo de desindustrialização. Isso nos aponta a uma interpretação, que é a inserção subalterna do Brasil no mercado mundial.  

O segundo ponto foi pensar na produção de riqueza, analisamos os dados do PIB,  divididos nos três setores da economia: agropecuária, indústria e comércio. Os dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] mostram que o agronegócio é o que menos contribui com a produção de riqueza. A média de participação do agronegócio na riqueza nacional é de 5% (nota do website: destaque é nosso). 

E a questão dos créditos ao setor, da renegociação e perdão das dívidas e a baixa arrecadação? 

É o terceiro ponto: o agronegócio dá muito custo ao Estado. É o Estado brasileiro o responsável pela maior quantidade dos créditos disponibilizados à agricultura e à pecuária. O agro recebe um monte de dinheiro enquanto a agricultura camponesa ou familiar recebe pouco recurso público. 

Depois fomos ver o quanto ele nos devolve. O estudo apontou que o agronegócio praticamente não paga imposto. Então não é à toa que está todo mundo exportando enquanto está faltando comida no Brasil. 

Outro ponto: geração de renda e emprego. Fomos aos dados do IBGE. Quem gera menos postos de trabalho com carteira assinada e tem o menor salário é a agropecuária. Então o discurso do agro de que gera emprego e renda é uma falácia.  

Durante a pandemia o agro não parou: bateu recorde de produção. E o desemprego no agro continuou crescente.  

Por fim, rumamos ao impacto ambiental, que não foi o foco do estudo, mas devia aparecer.  

Inevitável, né? 

Nesse momento em que o mundo inteiro está discutindo os impactos climáticos, a preocupação com a crise hídrica e essa coisa nova cinematográfica dos últimos 20 dias: as nuvens de areia! Mostramos que o agronegócio sim está aliado à devastação ambiental.  

Um estudo recente feito pela Rede PenSSAN aponta que cerca de 20 milhões de pessoas no Brasil hoje estão realmente sem ter o que comer e, ao mesmo tempo em que a gente vê essa curva crescente da fome em contexto de desemprego e de pandemia, os dados apontam que o agronegócio no Brasil tem prosperado. O que isso nos diz?  

produção da fome por esse setor foi desnudada. O rei está nu. O agronegócio, com a sua narrativa, não engana mais ninguém: a população está passando fome! Não tem arroz, não tem feijão, não tem carne. Agora não tem ovo. No começo das filas da fome nós víamos brasileiros fazendo fila porque um açougueiro de Cuiabá estava doando ossos. Agora nós estamos vendo fila para comprar ossos. 

O agronegócio é, portanto, nada mais e nada menos do que um negócio. O agronegócio não está preocupado em alimentar a população em nenhum lugar do planeta.  

Se o agronegócio não é o motor do país, nem o caminho para que todo mundo possa dormir tendo a certeza que vai poder comer no dia seguinte, então quais são os caminhos que você considera interessantes para o combate à fome no Brasil? 

A reforma agrária é, sem dúvida, a principal política pública que o Estado brasileiro deveria encampar para a produção de alimentos para a sua população.  

Outra questão que vem desde o governo Temer e agora no governo Bolsonaro a gente já decretou praticamente o sepultamento, são as políticas públicas de apoio dos pequenos produtores rurais. Precisam ser retomadas.  

Talvez o nosso estudo deixe transparecer, e eu aproveito para dizer que não é bem assim, uma ideia de que bastava o agronegócio então produzir para a sua população, que bastava a gente apostar na industrialização. Não é essa a ideia, mas pensar um outro mundo.  

O que fizemos no texto foi cumprir o papel de advogado do diabo: até do ponto de vista do capitalismo, o agronegócio é um mau negócio.