O agro é tóxico!

Henfil

HENFIL. 1944-1988

https://diplomatique.org.br/o-agro-e-toxico/

Acervo Online | Brasil – PROMESSAS TRAÍDAS

por Luiz Fernando Leal Padulla

26 de janeiro de 2021

Toda aquela balela de que era preciso produzir comida não ocorreu, afinal, os grãos produzidos não matavam a fome de ninguém, servindo apenas para exportação e fabricação de ração animal.

Muita propaganda é lançada nos meios de comunicação hegemônicos e oligárquicos a respeito da “importância do ”. Nela vemos a descrição de que “o Agro é pop”, “o Agro é tech” e sem ele não teríamos comida suficiente para abastecer a população de uma maneira geral. No entanto, poucos se atentam que essa é uma mentira deslavada.

[NOTA DE NOSSO WEBSITE: Já faz algum tempo que estamos tratando esta forma de produzir commodities agrícolas não mais como ‘agronegócio‘, mas sim “AGRONECRÓCIO” por produzir muito mais morte, em todos os níveis, do que benefícios e vida para a sociedade.]

Antes de mais nada é preciso entender como surge o tal agronegócio. No final das grandes guerras, em especial na Segunda Guerra Mundial, vários armamentos químicos eram utilizados contra inimigos dos Estados Unidos e aliados, principalmente. Passado esse período fatídico, as empresas – bancadas pelo dinheiro das nações – se viram desamparadas e sem ter o que fazer com toda a maquinaria, fábricas e insumos.

Aí surge a mirabolante ideia, defendida por pessoas como o cientista estadunidense Norman Borlaug da Fundação Rockfeller, de promover a chamada “Revolução Verde”. Como argumento, defendia o aumento da produção agrícola pela necessidade de alimentar cada vez mais pessoas. E, suportando essa ideia, era preciso utilizar substâncias químicas – ou seja, resíduos dessa indústria bélica, sendo o mais famoso o “agente laranja” –, posteriormente conhecidos como agrotóxicos (termo cunhado pelo professor Adilson Paschoal). Associado a essa “necessidade”, defendiam o avanço dos campos de monocultura, avançando com os desmatamentos e incêndios.

Na clara tentativa de ludibriar ainda mais as pessoas, os argumentos levantados eram – e são – os mais absurdos possíveis, assemelhando-se com aqueles usados durante a ditadura militar entre as décadas de 1960-1970, falando que sem agrotóxicos não haverá produção de alimentos, ou que a produção seria não economicamente viável. Potencializando ainda mais a desfaçatez, diziam que o uso adequado de agrotóxicos não produz risco ambiental nem coletivo.

Pois bem. Venderam essa propaganda e conseguiram. Hoje sabe-se que a política de agrotóxicos e mecanização do campo foi um dos pilares do chamado “Milagre Econômico” – bandeira erguida com orgulho pelos ditadores – que durou entre 1969 e 1973, coincidindo com os anos de maior tensão do regime militar. O país se tornou um produtor em larga escala de milho, soja e algodão, em um surto de desenvolvimento agrícola que causou um boom na economia. No entanto, toda aquela balela de que era preciso produzir comida não ocorreu, afinal, os grãos produzidos não matavam a fome de ninguém, servindo apenas para exportação e fabricação de ração animal.

E segue até hoje dessa maneira. 

Outra informação que poucos sabem é que os grandes latifúndios geram menos de 30% do alimento que chega até nossas mesas, enquanto pequenos produtores/agricultura familiar/assentamentos, estes sim responsáveis pela produção de mais de 70% dos nossos alimentos. E, de forma criminosa, ruralistas geram 26% dos empregos, tendo acesso a mais de 86% do crédito rural; já os verdadeiros produtores de comida, que empregam 76% das pessoas, são assistidos por apenas 14% dos incentivos fiscais.1

Concomitantemente, ainda tenta criminalizar movimentos sociais como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que contando com o apoio da mídia para estigmatizá-los como invasores de terras e baderneiros, ignorando seu verdadeiro papel de luta pela terra e reforma agrária. Enquanto grileiros são beneficiados e estimulados pelos discursos de Bolsonaro e cia, promovendo desmatamentos em áreas de preservação e avançando sobre comunidades quilombolas e indígenas, conforme levantamentos do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia)2 e do ISA (Instituto Socioambiental).3

E o que está por trás de tudo isso? O lobby. Sim, se o agro é alguma coisa, podemos afirmar que ele é lobby.

Desde 2007 (durante treze anos consecutivos), o Brasil ocupa a primeira colocação entre os países que mais utilizam agrotóxicos no mundo. Além da contaminação ambiental, é preciso lembrar que esses produtos são consumidos diretamente pelos animais, seja através dos produtos fornecidos, seja pela ingestão da água, isso sem levarmos em consideração que essas substâncias, por causa do metabolismo, acumulam-se no tecido adiposo, musculatura e leite, os quais serão também ofertados ao consumo humano.

Claro, sem falar no consumo direto dos vegetais amplamente impregnados com essas substâncias tóxicas.

São vários estudos4 – muitas vezes omitidos e até mesmo manipulados, como aqueles divulgados por corporações como Bayer/Monsanto5, por exemplo – que mostram os efeitos dos agrotóxicos em amplo espectro. Pesquisas científicas sérias, independentes de vínculos com essas corporações, tentam divulgar os efeitos danosos e preocupantes, mas pouco espaço na mídia conseguem.

Associa-se a tudo isso a liberação, plantio e comercialização das chamadas “plantas transgênicas”, que a cada dia mais são autorizadas por entidades que deveriam respeitar os princípios básicos da precaução e exigirem estudos detalhados e com maior tempo. Mas, por estarem aparelhadas dentro do próprio governo – como se vê na Anvisa, Ibama, CTNbio e cia. – aceitam estudos superficiais para tal liberação.

Sem cair no campo da conspiração, é fácil entender, por exemplo, o motivo da fusão, em 2016, da Bayer com a Monsanto – o que na Europa ficou conhecido como “o casamento dos infernos”, em um trâmite que envolveu a bagatela de mais de US$ 65 bilhões. Tal operação fundiu duas gigantes globais de agroquímicos: a maior produtora de remédios e agrotóxicos do mundo, com uma das maiores produtoras de transgênicos e agrotóxicos. Ou seja, a empresa que te faz ficar doente por ingerir alimentos contaminados com venenos é a mesma que venderá os remédios para sua eventual cura – quando não for uma doença terminal e irreversível.

Vários estudos6, publicados em revistas científicas internacionais, mostram o perigo e as incertezas que os transgênicos/agrotóxicos causam na saúde humana. A expressão criada por Carl Sagan que diz que “a ausência de evidência não significa evidência da ausência” se encaixa como uma luva na questão dos transgênicos, mas pouco parece importar para as empresas que querem lucrar o quanto antes.

Poderíamos elencar uma série de doenças relacionadas direta e indiretamente com esses produtos, como por exemplo vários tipos de câncer, esterilidade, Alzheimer, Parkinson, má-formação dos fetos, distúrbios nos sistemas nervoso, reprodutivo, alterações no fígado, rins e tantas outras enfermidades, que desmontam o argumento da segurança no uso dos agrotóxicos.

Estudos recentes de Suarez-Lopes et al. (2019)7 e Grandjean e Landrigan (2014)8 relacionam também casos crescentes de depressão e hiperatividade entre crianças e adolescentes. Não à toa, cada vez mais encontramos esse público nas salas de aula, o que torna o ensino e aprendizado cada vez mais desafiador e dificultoso.

A própria obesidade, tida como uma epidemia global, que afeta grande parte da população e desencadeia doenças secundárias como hipertensão, infartos, acidentes vasculares e incapacidade (o que sobrecarrega a própria previdência social), pode ter relação direta com o consumo de milho transgênico. Conforme estudo de 2011, publicado na revista Nutrition Research and Practice, o aumento dos casos de obesidade coincidiu justamente com a introdução do chamado milho-Bt, o que os pesquisadores afirmam que pode ter gerado um efeito colateral, desregulando o tecido adiposo dos pacientes.

Em seu documentário/livro, a jornalista francesa Marie-Monique Robin levantou dados de mulheres que consumiram leite de vacas modificadas geneticamente para produzir mais leite. Entre 1994 a 2002, houve aumento de 55,3% nos casos de câncer de mama entre essas mulheres. Além disso, como essas vacas tinham maior propensão a desenvolver mastite (infecção nos tetos), eram administradas doses elevadas de antibióticos, que refletia diretamente no leite – e, levanto aqui outra questão: não seria esse abuso de antibióticos um dos possíveis responsáveis também pelo surgimento das chamadas “superbactérias”?

Um dos estudos mais alarmantes foi publicado em 2012 por Seralini e colaboradores na revista Food and Chemical Toxicology Review9. Nele, ratos alimentados com milho transgênico que utiliza o agrotóxico glifosato apresentaram morte prematura em 70% dos casos, além do desenvolvimento de tumores. Paralelamente, a ingestão de glifosato residual (presente na água) elevou de 200% a 300% a incidência de tumores.

A repercussão foi tamanha que tentaram difamar os pesquisadores e o próprio estudo, forçando-os a se retratarem dizendo que os dados não eram suficientes para tais conclusões. Essa, por sinal, não é a primeira vez que a Monsanto e seus aliados fizeram isso, conforme pode ser visto no livro/documentário citado.

Essa empresa, agora apenas Bayer (tentando se desvincular do rótulo negativo da Monsanto), foi até mesmo denunciada pela jornalista por fraudar laudos para esconder efeitos tóxicos de seus produtos sobre as pessoas e o ambiente.

Outro estudo importante publicado e apresentado no Instituto de Saúde Coletiva em 201110, cuja autora sofreu represália por parte dos ruralistas da região, detectou agrotóxicos presentes no leite materno em mulheres do Mato Grosso, o antro do agronegócio, resultando em malformações congênitas e problemas de saúde.

Provas não faltam. É sabido que o glifosato, o principal herbicida e a pupila dos olhos da Monsanto (que agora começa a perder espaço para o glufosinato de amônio, quinze vezes mais tóxico!), é capaz de passar pela barreira placentária11, facilitando a contaminação dos fetos e ameaçando a estabilidade de características transmitidas entre gerações.

Tentando amenizar a imagem negativa provocada pelos estudos, eles tentam (e conseguem) aparelhar órgãos públicos responsáveis pela fiscalização e liberação dos transgênicos e agrotóxicos. Tal como ocorreu durante o golpe militar de 1964, o golpe parlamentar de 2016 trouxe à tona uma renovada bancada ruralista que tenta emplacar o Projeto de Lei 6299/2002 (conhecido como “PL do Veneno”), que já foi aprovado em 2018 em uma comissão especial na Câmara e pretende transferir o poder de aprovação dos agrotóxicos ao Ministério da Agricultura, tornando Anvisa e Ibama apenas órgãos consultivos. Além disso, uma das medidas priorizadas é banir o termo “agrotóxico” (por razões óbvias), trocando-o por “defensivo fitossanitário” – além de tentarem a retirada da rotulagem dos produtos que usam transgênicos, alterando a Lei de Biossegurança.

Enquanto enfrentam resistência por parte da sociedade civil – que deve continuar a pressionar – o governo de Bolsonaro segue aparelhando todas as frentes para atender aos interesses das corporações, pouco se importando com a soberania nacional. Em outra absurda atitude, Bolsonaro e seus aliados da bancada ruralista tentam, desta vez junto ao Supremo Tribunal Federal, a isenção de ICMS e IPI dos agrotóxicos. Justamente um (des)governo que só em 2019 liberou 475 novos agrotóxicos e, em plena pandemia de 2020, autorizou mais 395, dando seguimento ao plano do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles de “passar a boiada”, com a cumplicidade nos desmatamentos e incêndios criminosos no Pantanal e na Amazônia.

Sendo assim, esse é mais um alerta do que enfrentamos com as atitudes desastrosas – e por que não propositais? – deste governo lesa-pátria. Um (des)governo que não se preocupa com a população, mas é bancado e apoia o agro que é tóxico, que é lobby e que mata!

A produção de alimento existe e não parte do agronegócio. A produção saudável e que realmente alimenta nossos pratos vem da agroecologia, da agricultura familiar, dos assentamentos. Essa é a verdade que escondem. E junto dela não querem admitir que o que falta é a igualdade; o fim da desigualdade social, do desperdício de alimento. Somente com políticas públicas sérias, sem a pressão dos ruralistas e demais párias da nação, é que voltaremos a ser um país soberano, respeitado e fora do lamentável mapa da fome.

Luiz Fernando Leal Padulla é professor, biólogo, doutor em Etologia, mestre em Ciências e especialista em Bioecologia e Conservação. Autor do blog “Biólogo Socialista” e do podcast “PadullaCast”.

[1] IBGE – Censo Agropecuário 2017. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/21814-2017-censo-agropecuario.html?=&t=o-que-e.

[2] 35% do desmatamento na Amazônia é grilagem, indica análise do IPAM. Disponível em: https://ipam.org.br/35-do-desmatamento-na-amazonia-e-grilagem-indica-analise-do-ipam/.

[3] Desmatamento e Covid-19 explodem em terras indígenas mais invadidas da Amazônia. Disponível em: https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/desmatamento-e-covid-19-explodem-em-terras-indigenas-mais-invadidas-da-amazonia.

[4]CARNEIRO, F. F.; AUGUSTO, L. G. S.; RIGOTTO R. M.; FRIEDRICH, K.; BÚRIGO, A. C. (Orgs.). Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro: EPSJV. São Paulo: Expressão Popular, 2015. 624p.

[5]ROBIN, M.M. O mundo segundo a Monsanto. Radical Livros: 2008. 372p.

[6]FEREMENT et al. Lavouras Transgênicas – riscos e incertezas: mais de 750 estudos desprezados pelos órgãos reguladores de OGM’s. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2015. 450p; e HESS, S. C. (org.). Ensaio sobre a poluição e doenças no Brasil. São Paulo: Outras Expressões, 2018. 344p. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/187660/LIVRO.pdf?sequence=1.

[7]SUAREZ-LOPES, J.; HOOD, N.; SUÁREZ-TORRES, J.; GAHAGAN, S.; GUNNAR, M.R.; LÓPEZ-PAREDES, D.  2019. Associations of acetylcholinesterase activity with depression and anxiety symptoms among adolescents growing up near pesticide spray sites. International Journal of Hygiene and Environmental Health, v.222, n.7: 981-990.

[8] GRANDJEAN, P.; LANDRIGAN, P.J. 2014. Neurobehavioural effects of developmental toxicity. Lancet Neurol., 13: 330-338.

[9]SÉRALIN, G.E.; CLAIR, E.; MESNAGE, R.; GRESS, S.; DEFARGE, N.; MALATESTA, M.; HENNEQUIN, D.; DE VENDÔMOIS, J.S. 2014. Republished study: long-term toxicity of a Roundup herbicide and a Roundup-tolerant genetically modified maizeEnvironmental Sciences Europe, 26:14.

[10] PALMA, D.C.A. Agrotóxicos em leite humano de mães residentes em Lucas do Rio Verde – MT. (Dissertação de Mestrado), Cuiabá: UFMT/ISC, 2011.

[11] BENACHOUR N., SÉRALINI, G. E. Glyphosate Formulations Induce Apoptosis and Necrosis in Human Umbilical, Embryonic, and Placental Cells. Chemical Research Toxicology, v. 22(1), p. 97-105, 2008.