A pecuária é parte importante da economia de Mato Grosso e da subsistência de milhares de pessoas que ali vivem. O estado foi o maior produtor de carne bovina do Brasil em 2021, produzindo cerca de 1,4 milhão de toneladas de carne. Imagem © Ednilson Aguiar/Greenpeace.
https://news.mongabay.com/2022/08/new-brazil-bill-puts-cattle-pasture-over-pantanal-wetland/
09 de agosto de 2022
- Um projeto de lei que afrouxa as restrições à pecuária no pantanal foi aprovado pelo legislativo estadual de Mato Grosso, levantando preocupações de que poderia levar à perda de milhares de hectares de vegetação nativa.
- O Pantanal é uma importante área de transição entre os outros grandes biomas do país – a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica e o Cerrado – e sua área úmida já encolheu 29% desde a década de 1980.
- Defensores dizem esperar que o novo projeto traga mais 1 milhão de cabeças de gado para o Pantanal e melhore os parâmetros socioeconômicos em declínio, mas os críticos alertaram para os impactos ambientais de longo prazo.
- Outro projeto de lei, atualmente em tramitação no Congresso, visa cortar o estado de Mato Grosso da região amazônica legalmente definida do país, reduzindo ainda mais a proteção dos biomas dentro do estado.
Os legisladores do Brasil aprovaram um projeto de lei que permite a pecuária extensiva e o turismo em áreas protegidas do Pantanal, a maior área úmida tropical do mundo. A medida do legislativo no estado de Mato Grosso ocorre poucos dias depois que o governador do estado, Mauro Mendes, vetou uma lei que proibiria pequenas centrais hidrelétricas ao longo do rio Cuiabá – uma série de desenvolvimentos que ativistas ambientais dizem que ameaça desmantelar ainda mais as regulamentações ambientais na região.
“É um momento particularmente preocupante para o Pantanal”, disse Leonardo Gomes, diretor de estratégia da SOS Pantanal, uma organização sem fins lucrativos de conservação, ao Mongabay por telefone. “Essas ações afrouxam muita proteção ambiental em um curto espaço de tempo.”
A legislação estadual, conhecida como PL 561/22, já foi enviada a Mendes, que tem até o final de agosto para sancioná-la. Se isso acontecer, o projeto irá alterar uma lei estadual de 2008 sobre o Pantanal que atualmente restringe atividades que podem prejudicar o meio ambiente na Bacia do Alto Paraguai. Com as mudanças, os pecuaristas poderão pastorear o gado em áreas de preservação permanente, conhecidas como APPs, e reservas legais, a porção de suas terras que deve permanecer preservada. Ambas as áreas são reservas ostensivamente protegidas legalmente e intocadas, e desmatá-las atualmente é proibido e permitido apenas em terras fora dessas regiões. As emendas também permitiriam o aumento da derrubada de vegetação nativa, bem como permitiriam o turismo em áreas protegidas.
Cerca de 80% do Pantanal fica no Brasil. Dessa parcela, 65% encontra-se no estado de Mato Grosso do Sul e o restante em Mato Grosso. Os outros 20% do Pantanal se estendem pelo Paraguai e Bolívia. Imagem cortesia da SOS Pantanal.
O Pantanal brasileiro é considerado uma importante área de transição entre os outros grandes biomas do país: a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica e o Cerrado. Abrange uma área de quase 140.000 quilômetros quadrados, ou quase o dobro do tamanho da Irlanda, com 35% no estado de Mato Grosso e o restante no Mato Grosso do Sul. A pecuária extensiva é praticada nas zonas úmidas há mais de 200 anos e é a principal atividade econômica de Mato Grosso. Defensores da pecuária dizem que a Lei do Pantanal de 2008 comprometeu a economia agrícola do estado. Eles dizem esperar que as emendas possam restaurar a produtividade do gado aos níveis anteriores a 2008, adicionando um milhão de cabeças adicionais de gado para a região. Eles também esperam que isso impulsione o turismo e leve a uma melhora nos parâmetros socioeconômicos em declínio de Mato Grosso.
“É muito difícil conviver com as restrições agrícolas que temos”, disse Amado de Oliveira Filho, consultor técnico da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) e participante das discussões do projeto, à Mongabay por telefone. “O Pantanal [no Mato Grosso] está perdendo viabilidade econômica.”
No entanto, os críticos dizem que o impulso para o agronegócio e o turismo ofusca as medidas de proteção ambiental. “Ambos os estados, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, estão começando a olhar mais para o Pantanal como uma fonte potencial de renda de commodities”, disse Gomes. “E não é errado pensar na economia. Mas é uma região que tem muitas particularidades e fragilidades.”
As mudanças permitirão que os pecuaristas convertam até 40% de suas terras privadas em pastagens. O projeto também reduz a área da zona de amortecimento entre terras agrícolas e margens de rios – uma medida que foi imposta para minimizar o risco de erosão do solo e proteger os rios – em até 70 metros. “Só com essa mudança, perderemos alguns milhares de hectares ao longo de importantes rios do Pantanal”, disse Gomes.
Além da agricultura, abrir áreas protegidas ao turismo também pode representar uma grande ameaça, dizem especialistas ambientais. O novo projeto de lei carece de uma definição clara de quais atividades turísticas são permitidas, arriscando a construção de “grandes estâncias turísticas com alto potencial de impacto”, segundo nota da SOS Pantanal.
A pecuária extensiva em Mato Grosso vê vastos rebanhos de gado pastando em imensas extensões de terra. As fazendas no estado costumam ter dezenas de milhares de hectares, às vezes chegando a 100.000 hectares. Imagem © Ednilson Aguiar/Greenpeace.
Cerca de 1 milhão de pessoas visitam o Pantanal todos os anos, onde o turismo da onça-pintada tem se tornado cada vez mais popular. É uma importante atividade econômica e ecológica, contribuindo para a conservação da região e desempenhando um papel significativo na subsistência da população local. Imagem cortesia da SOS Pantanal.
O Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad) publicou uma carta aberta, assinada por 43 organizações e movimentos sociais, condenando o projeto. “O PL 561/2022 é um insulto ao Código Florestal Brasileiro”, disse Formad no comunicado. “Isso prejudicará a qualidade da água, espécies animais e vegetais, equilíbrio ecológico e povos tradicionais e indígenas do Pantanal, maior planície de inundação do mundo, que já está ameaçada pela perda crescente de sua superfície hídrica.”
Especialistas dizem que o projeto também viola a Convenção dos Povos Indígenas e Tribais, uma convenção da Organização Internacional do Trabalho que protege os direitos dos povos tradicionais aos recursos da terra. Conhecida como Convenção 169, ratificada pelo Brasil em 2002, ela estabelece que os povos tradicionais devem ser consultados sobre atividades que possam afetar seus territórios e meios de subsistência. O projeto de lei do Pantanal não fez isso para as comunidades indígenas, ribeirinhos e quilombolas que vivem no pantanal, segundo Lúdio Cabral, deputado estadual do Partido dos Trabalhadores que votou contra o projeto.
“Somente os fazendeiros que criam gado foram ouvidos nas negociações do projeto de lei”, disse Cabral à Mongabay por telefone. “As comunidades tradicionais, os quilombolas, as comunidades ribeirinhos, as comunidades indígenas — não foram ouvidos nas discussões do projeto. Isso é um desrespeito à convenção”.
Cabral disse que se as organizações sociais e o Ministério Público decidirem entrar na Justiça por essa aparente violação, isso pode impedir que o projeto seja aprovado.
O governo do estado de Mato Grosso não respondeu ao pedido de comentário da Mongabay.
O Pantanal é a maior área úmida tropical do mundo. Especialistas ambientais dizem que o bioma perdeu 29% de sua água de superfície desde o final dos anos 1980 e continua a enfrentar graves ameaças de mudanças climáticas e agricultura na região. Imagem © Gustavo Figueiroa/SOS Pantanal.
Afrouxando as regulamentações ambientais
O desmantelamento das proteções ambientais na região está se movendo em ritmo acelerado, dizem especialistas ambientais. Uma semana antes da aprovação do PL 561/2022, o governador de Mato Grosso Mendes se recusou a assinar um projeto de lei que proibiria as pequenas centrais hidrelétricas ao longo do rio Cuiabá, hidrovia regional importante tanto para o meio ambiente quanto para a subsistência dos moradores, apesar de votar no Legislativo estadual a favor do projeto de lei.
“Acho que o Pantanal corre o risco – mesmo que pareça um exagero dizer – de desaparecer com o tempo”, disse Herman Oliveria, secretário executivo da Formad, a Mongaby por telefone. As potenciais mudanças nos fluxos de água devido às usinas hidrelétricas ao longo do Cuiabá, juntamente com as mudanças nas paisagens agrícolas, representam uma grave ameaça ao pantanal, disse ele. “Você também terá o que os ecologistas chamam de ponto sem retorno. O Pantanal vai virar um deserto.”
Outra ameaça potencial poderia vir da Câmara dos Deputados do Brasil, a Câmara dos Deputados. Em março, a Câmara apresentou um projeto de lei que busca redesenhar as fronteiras da Amazônia em favor do agronegócio. Se aprovado, o projeto de lei, PL 337/2022, cortaria o estado de Mato Grosso da região amazônica legalmente definida do país, reduzindo a proteção de áreas de biomas vulneráveis de até 80% para 20%. O projeto de lei está atualmente em deliberação.
Uma trilha de poeira corta a paisagem no estado de Mato Grosso. Defensores do agronegócio dizem que as condições socioeconômicas no estado estão diminuindo, e a abertura de terras protegidas para a pecuária pode ajudar a trazer melhorias essenciais para o modo de vida das pessoas. Imagem © Gustavo Figueiroa/SOS Pantanal.
“O custo econômico de recuperar as reservas legais, ou de compensar essa imensa área, é enorme e injustificável para uma das regiões agrícolas mais importantes do país”, disse Juarez Costa , deputado responsável pelo projeto, à agência oficial de notícias da Câmara.
O desmantelamento das proteções ambientais ocorre em um momento em que o Pantanal vive níveis recordes de devastação por incêndios. Em 2020, as chamas destruíram quase um terço do bioma e mataram cerca de 17 milhões de vertebrados. Os incêndios foram principalmente ligados a práticas agrícolas de corte e queima e mudanças climáticas induzidas pelo homem, que estão secando as zonas úmidas. O Pantanal perdeu 29% de sua área úmida desde o final da década de 1980, segundo o coletivo de pesquisa MapBiomas.
Gomes disse que qualquer dano causado pelas mudanças nas regulamentações ambientais não será imediato, mas ficará aparente com o tempo. “A nova legislação busca os benefícios de curto prazo e não os de médio ou longo prazo. Favorece os resultados imediatos e a velocidade de desenvolvimento”, disse Gomes. “Acho que acabaremos percebendo o impacto nos próximos anos ou décadas.”
A fumaça paira no horizonte enquanto os incêndios cortam a vegetação seca no Pantanal. De acordo com o Instituto de Pesquisas Espaciais do Brasil, INPE, houve um número recorde de incêndios no pantanal entre janeiro e agosto de 2020, com 7.727 focos detectados – um aumento de 211% em relação ao mesmo período do ano anterior. Imagem © Leandro Cagiano/Greenpeace.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, agosto de 2022.