Nada como um dia após o outro.

“Nada como um dia após o outro para comprovar o que realmente interessa ao Governo e o que o mesmo despreza”, analisa Afonso Maria das Chagas, mestrando do PPG em Direito da Unisinos e colaborador do Instituto Humanitas Unisinos, ao comentar a Medida Provisória no. 558, que altera a redução de 07 áreas de Preservação ambiental na Amazônia, para construção de Usinas Hidrelétricas, Regularização fundiária e Projetos de mineração.

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/510947-nada-como-um-dia-apos-o-outro

 

Eis o artigo

A Conferência Rio+20 terminou oficialmente no dia 22 de junho, um sábado.  Celebrada pelo Governo que diz ter gostado do resultado, transfere-se para o futuro, possibilidades, responsabilidades e medidas que deveriam ter sido assumidas no passado. Por isso, analistas têm considerado que a Conferência transformou-se notoriamente em um fiasco cujo protagonismo “pífio”, coube em muito, ao Governo do País que a sediou.

No primeiro dia útil após a Conferência, no entanto, o Congresso Nacional converte a Medida Provisória nº 558/2012 na lei ordinária nº 12678/2012. Em 06 meses de vigência tal Medida recebe 52 emendas, é analisada pelas Comissões, aprovada na Câmara e no Congresso e transformada em Lei Ordinária. A ideia principal desta Medida Provisória foi a alteração e redução de 07 áreas de Preservação ambiental na Amazônia, para construção de Usinas Hidrelétricas, Regularização fundiária e Projetos de mineração.

Esta celeridade, é claro, contou com a artimanha de deputados da base governista, que transformaram a MP em Projeto de Lei de Conversão (PLV), simplificando os procedimentos para a aprovação da Medida Provisória. Faz assim o Governo, pela sua base aliada e pelos interesses corporativos (Produtores rurais, setores energéticos e minerários), a sua “tarefa de casa” da Rio + 20. Agora longe do foco da opinião pública internacional, desfaz-se da “máscara” de anfitrião, retomando o papel que melhor lhe cabe: o de agenciador do desenvolvimento de setores pouco ou nada ambientais.

As áreas de proteção ambiental na Amazônia como a Área de Proteção ambiental Tapajós ou a dos Campos Amazônicos, serão reduzidas para atender as exigências do setor hidrelétrico. O Complexo hidrelétrico do Tapajós prevê a construção de 05 hidrelétricas, todas no entorno ou dentro das Unidades de Conservação. Em Rondônia, no Rio Machado e na área dos Campos amazônicos, o objetivo é a construção da Hidrelétrica Tabajara, ainda que os problemas do Complexo hidrelétrico do Madeira não tenham sido resolvidos.

Como objetivos secundários, a Medida Provisória transformada em Lei pelo Congresso também dispõe sobre o perdão de dívida de R$ 10 milhões de produtores rurais vinculados ao projeto Agroindustrial Canavieiro Abraham Lincoln (PACAL), no Pará. Desta forma o Governo define a “sustentabilidade” do PAC, capitalizando os recursos do BNDES para o investimento privado, fazendo a alegria dos empresários do setor.

A pressa da Medida Provisória, fórmula inventada para o Executivo legislar e para o Legislativo negociar, revela a “seriedade” com que os assuntos ambientais são tratados. Pensando nisto e questionando a constitucionalidade da matéria é que uma Ação de Inconstitucionalidade (ADI 4717) foi proposta pela Procuradoria Geral da República contra a Presidenta.

É constitucional reduzir áreas protegidas por Medida Provisória, se tais áreas foram declaradas de “extrema relevância” para a conservação da biodiversidade? É a pergunta que se faz, já que há diagnósticos que afirmam a importância de tais as áreas, que foram reduzidas, para o bioma amazônico. Também o Artigo 225, § 1º, inciso III, define que alteração e supressão em Unidades de Conservação só são permitidas através de lei.

Tudo o que se espera, frente a medidas de tamanho peso não se constatou. Desta forma não se levou em conta um estudo sério sobre os impactos e muito menos um debate com a sociedade já que se trata de assunto de interesse público. A ideia de consulta prévia às comunidades indígenas envolvidas e as audiências públicas, foram completamente descartadas.

Nada como um dia após o outro para comprovar o que realmente interessa ao Governo e o que o mesmo despreza. A Medida Provisória nº 2.109/2000, que “criminaliza” a ocupação de terras e licencia o latifúndio improdutivo, completa 12 anos de vigência; a PEC discutindo o trabalho escravo, responsabilização e punição, completa 17 anos de Congresso Nacional; os Índices de produtividade, certificação autorizativa para improdutividade do latifúndio, é medida ainda por referenciais legais e contextuais do ano de 1993 (Lei nº 8.629/93). Ou seja, na lógica de um “Legislativo de balcão”, aprova-se o que lhe convém. Prescreve-se a Reforma agrária e o interesse público. Desde a Lei Vergueiro (Lei de Terras) não se fazia tanto para os grandes proprietários, escravagistas e “beneficiários” do Governo de plantão.

Corrige-se o termo da sustentabilidade ambiental por “sustentabilidade governamental” e assim conciliam-se os interesses, desde que não sejam coletivos. Nesta esteira, a Medida Provisória nº 571/2012 consegue aprimorar ainda mais o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) e sua armadilha fundiária, bem a gosto do “ambientalismo de mercado”. Licencia-se o comércio de florestas sejam públicas ou privadas, transforma o “bem comum de uso do povo” em títulos mobiliários, negociados como “crédito de carbono” na Bolsa de Valores, neutraliza-se a Constituição em nome dos “negócios verdes”. Se a Medida Provisória nº 571/2012 tinha a função de “velar” a opinião pública internacional na , cumpriu o seu papel. A emenda enfim, soou melhor que o soneto.

E se alguém achava que havia uma chance dos partidos de esquerda atuar sobre a MP nº 571/2012, esta se desfez. A Medida era da própria “esquerda”, onde composição tornou-se objetivo e negociação.  Se havia bons propósitos na Rio +20, devem estar sendo velados em algum lugar do Riocentro. Enquanto isso, Congresso Nacional, ruralistas, empresários do setor hidrelétrico e da mineração, seguem blindando a mercantilização do patrimônio público. Na “enfermaria”, a tutela do meio ambiente e a sustentabilidade agonizam.