Na agricultura sintrópica, os agricultores param de lutar contra a natureza e aprendem a abraçá-la

[NOTA DO WEBSITE: trabalho que já tem uma história. Desde os anos 80, esse agrônomo e agricultor da Bahia, bem como outro agrônomo, sem a notoriedade de Götsh, do Espírito Santo, associando-se com o biólogo e doutor Valdely Knupp, de Manaus, a partir dos anos 2000, mostram que a agricultura brasileira tem saída para ser um grande celeiro mundial da produção de alimento. E assim eliminar a fome e a miséria de parte de nosso povo. Mas para isso é necessário que os atuais produtores dominados pelo ‘agronecrócio’, abram suas mentes e corações tanto para outra visão de mundo como para a grande busca de inclusão dos trabalhadores rurais, muitos nas favelas dos grandes centros, que possam também ser tão agricultores, pela reforma agrária, como os ‘ruralistas’ de hoje que devastam e destróem o nosso país].

Imagem do banner: Existem poucas espécies como emas (Rhea americana) que podem sobreviver em uma paisagem completamente modificada pela agricultura convencional em grande escala. Foto de Florian Kopp.

por Sandra Weiss 

30 de julho de 2020

  • O agrônomo e produtor de cacau suíço Ernst Götsch criou um modelo de agricultura orgânica que, segundo ele, pode substituir a Revolução Verde impulsionada pelos avanços da agroquímica.
  • Seu sistema sintrópico de cultivo imita a natureza e é baseado em métodos agroflorestais de sucesso.
  • É favorável ao clima, ecologicamente sustentável e, acima de tudo, com boa relação custo-benefício, atraindo um número cada vez maior de produtores de soja no Brasil interessados ​​em implementá-lo.

MINEIROS / GANDÚ, Brasil – Ao volante de sua van preta suburbana, Paulo Borges precisa apertar os olhos para focar na carreata de SUV à sua frente, que desaparece em uma nuvem vermelha de poeira. Borges, um proprietário de terras, está acompanhando outros fazendeiros até uma oficina na estrada perto de Mineiros, no meio-oeste do Brasil, o coração do país produtor de grãos. O Brasil é o maior produtor mundial de soja, e metade dela é cultivada aqui na região do país conhecida como Cerrado, de acordo com o instituto nacional de estatísticas, ou IBGE.

Campos verdes de soja se estendem até o horizonte, separados por trilhas retas de terra marrom-avermelhada. A cada poucos quilômetros, alguns altos cedros vermelhos e árvores de pau-ferro, repletas de papagaios, são uma lembrança de que o Cerrado já foi a floresta de transição para a Amazônia.

Mas, na maior parte do tempo, o sol queima na terra plana, quase sem sombras.

A agricultura industrial é praticada aqui há três décadas. Empresas como Bayer-Monsanto, Novartis e Pioneer fornecem o que é conhecido na indústria como pacotes tecnológicos: sementes geneticamente modificadas agrupadas com agrotóxicos e fertilizantes especialmente adaptados. Preparadas em laboratórios, as embalagens são feitas sob medida para resistir aos riscos ambientais – variações climáticas e todo tipo de pragas – exclusivos da região. É assim que Borges e os homens e mulheres da caravana cultivam suas terras há décadas.

Escravidão moderna

“Pulverizamos produtos químicos pelo menos 11 vezes por ciclo de colheita, em média a cada 10 dias”, diz Borges, um homem pensativo de cabelo preto, camisa xadrez, jeans e chapéu de palha. O homem de 49 anos possui 10.000 hectares. Ele colhe soja e milho em rotação duas vezes por ano e vende para traders de commodities como Cargill e outras corretoras multinacionais.

As vendas são feitas pela internet e a soja é exportada para uso na ração animal, principalmente para Ásia e Europa. Isso fez de Borges um homem rico; ele mora em um condomínio luxuoso e pode mandar seus filhos para as melhores universidades. Vinte anos atrás, o solo era fértil, as colheitas abundantes e as colheitas resistentes ao glisofato não eram um problema. O rendimento foi de até 3.600 kg por hectare (ou 70 sacos de 60 kgs p/ha), diz Borges.

Hoje, o modelo está chegando ao limite: a resistência ao glisofato e a infertilidade do solo reduziram a produtividade em até 30%. Borges diz que precisa usar mais glisofato, mas ainda vê rendimentos mais baixos. As embalagens completas ainda funcionam para os grandes jogadores com o melhor solo e controle sobre toda a cadeia de produção. Isso significa que eles têm seus próprios silos, bancos de grãos e frotas de transporte para escoar a soja. Produtores menores acabam endividados. “É a escravidão moderna”, diz Borges (nt.: vale destacar essas reflexões e as palavras do sojcultor. Além de ressaltar a perda de fertilidade do solo, representando a progressiva destruição que ficará para os que vierem depois. Também perceber como o glifosato está sendo ineficaz e daí o uso do componente do Agente Laranja da guerra do Vietnan, o 2,4-D. Essa é a herança do ‘agronecrócio’).

Os três dúzias de proprietários de terras na carreata de Borges viajando pelos campos de soja estão procurando maneiras de escapar da armadilha. O destino deles é a fazenda de soja Invernadinho, perto de Mineiros, onde o agrônomo suíço Ernst Götsch está realizando um workshop sobre agricultura sintropical. Götsch tem 72 anos, é magro e tem cavanhaque. Ele é filho de um fazendeiro do Lago de Constança e tem idade suficiente para se lembrar dos anos difíceis após a Segunda Guerra Mundial, obstinado o suficiente para resistir às tendências que surgiram e desapareceram na agricultura e na ciência.

Durante sua juventude no pós-guerra, Götsch observou os fazendeiros e suas maneiras de trabalhar nas terras férteis ao redor do Lago de Constança. “Havia muitas sebes entre os campos. Os pomares geralmente ficavam na orla da floresta”, diz ele. Mas essas tradições foram perdidas e consideradas obsoletas durante a Revolução Verde dos anos 1950, impulsionada pelos avanços da agroquímica.

No entanto, Götsch manteve as práticas antigas mesmo durante seus estudos no Instituto Federal Suíço de Tecnologia (ETH) em Zurique. Na década de 1980, enquanto seus colegas se concentravam na engenharia genética no laboratório, ele estava nas estufas fazendo experiências com culturas mistas. Götsch diz que fez descobertas interessantes durante essa época. “O crescimento em culturas mistas aumentou em média 30%.”

Por meio de culturas mistas, ele aprendeu sobre o papel dos microrganismos no solo e depois se concentrou em como os ecossistemas afetam a produtividade. Götsch sistematizou suas descobertas e rotulou o resultado de agricultura sintrópica: um sistema agroflorestal autossuficiente no qual diferentes plantas interagem umas com as outras e, com o tempo, formam ecossistemas cada vez mais complexos e solos mais férteis. O design e o gerenciamento inteligentes substituem os agrotóxicos e fertilizantes.

Após vários anos de pesquisa em Zurique, Götsch aceitou uma designação em uma plantação de café na Costa Rica para testar suas idéias em grande escala em outras zonas climáticas; ele também passou algum tempo na África.

Ao contrário da agricultura moderna, no modelo sintrópico a floresta desempenha um papel fundamental.

A diversidade reina na agrofloresta de Götsch, em contraste com a uniformidade da monocultura da Revolução Verde. Isso ocorre independentemente da principal produção ser voltada para cacau, soja, trigo, banana ou frutas cítricas. Os humanos ainda desempenham um papel no sistema. “Nós somos a girafa”, diz Götsch; os fazendeiros têm que aparar regularmente as fileiras de árvores que ladeiam as plantações. “A poda estimula o crescimento das plantas, cria biomassa que é adicionada ao solo como fertilizante e faz entrar a luz que estimula a fotossíntese e, portanto, absorve mais dióxido de carbono”, afirma.

Muitas espécies de insetos, como os heterópteros, se espalham rapidamente, ameaçando as plantações. Foto de Florian Kopp.

O suíço que trouxe de volta a chuva

Götsch pratica seu método em sua própria fazenda em Gandú, na Bahia.

Ele ganhou a fazenda de 120 hectares há 30 anos em uma aposta.

“Este era um pasto raquítico”, diz ele enquanto sobe em uma árvore com suas botas de borracha e calças sujas e corta galhos com sua serra elétrica. O solo estava empobrecido pelo desmatamento e anos de criação de gado, e a maior parte das fontes de água haviam secado. O Departamento de Agricultura do Brasil certificou a terra como “imprópria para o cacau”.

O feijão era o carro-chefe da Bahia nos anos 1980, e terras que não serviam para o cacau eram consideradas inúteis. Götsch diz que um rico proprietário de terras lhe ofereceu uma aposta: ele compraria a terra para Götsch e, se o sistema que ele preconizava funcionasse, ele poderia pagar o proprietário com a colheita. Götsch começou plantando árvores.

Ele se recusou a usar fertilizantes artificiais e agrotóxicos. Ele deixou a maior parte da terra crescer naturalmente e em 12 hectares plantou bananas e cacau, cortando as árvores ao redor regularmente. Hoje, ele colhe em média 920 kg de grãos de cacau por hectare, mais de três vezes a média do Brasil de 300 kg por hectare. E porque ele não gasta dinheiro em fertilizantes e venenos, ao contrário dos fazendeiros ao seu redor, Götsch tem lucros maiores.

Sua esposa, Cimara, diz que os vizinhos riram dele inicialmente. Na cidade de Gandú, ele era conhecido como o “gringo maluco”. Mas depois de cinco anos, uma pequena floresta emergiu e as primeiras fontes voltaram para a área. Götsch conseguiu pagar seu empréstimo com cacau e bananas.

A agricultura em grande escala é uma das maiores ameaças para a floresta amazônica. Foto de Florian Kopp.

As plantas cresciam com tanto vigor que mesmo as doenças fúngicas que atacavam as plantações ao seu redor não podiam prejudicar sua propriedade. Em seguida, uma seca atingiu a região. Mas não na fazenda de Götsch. A densa vegetação dos 120 hectares localmente criou muita evaporação e a chuva continuou a cair. Seu sucesso como um “fazedor de chuva” finalmente rendeu a Götsch o respeito de seus vizinhos. Eles começaram a imitá-lo. Hoje, a área florestal nas redondezas abrange 1.000 hectares. “Quando você sobrevoa minha finca agora, não consegue mais vê-la, porque ela está coberta por nuvens o ano todo”, diz Götsch com orgulho.

Ele quase não para um minuto enquanto fala. Götsch atraiu primeiro a atenção de grupos alternativos como Florestas da Futura, ECHO, ASPTA, Cooperafloresta e pequenos agricultores. Foi então que Pedro Diniz, filho de um importante empresário brasileiro, o contratou para transformar a fazenda de seu pai, administrada de maneira convencional, em um modelo sintropical. A Fazenda da Toca, no estado de São Paulo, combinava a produção de frutas tropicais, frango e ovos, madeira e vegetais, com programas de educação ecológica para as crianças das escolas do entorno. O projeto terminou devido a problemas pessoais, mas tornou Götsch famoso como o “Papa da Agrofloresta”.

Hoje ele viaja pelo mundo, de Portugal à China, como consultor e ministra workshops. Mas ainda há trabalho a ser feito em casa. “Fevereiro e julho são os melhores meses para cortar os galhos”, diz ele, enquanto esmaga os galhos da jaca com seu facão para colocá-los sob um cacaueiro.

Quando questionado sobre quão produtiva é sua fazenda, ele responde contente: “Assim como as convencionais de meus vizinhos, mas com menos custos”. Esse é um argumento muito forte para produtores de soja como Borges, que ouvem com atenção, apesar do calor em Mineiros, enquanto Götsch faz a corte com a ajuda de gráficos e muitas histórias práticas de uma vida dedicada à agricultura.

Em um sistema sintrópico, milho, soja ou cana-de-açúcar podem ser plantados entre fileiras de árvores. Foto de Florian Kopp.

Imitando a natureza em vez de lutar contra ela

“O declínio das civilizações avançadas sempre foi iniciado pelo esgotamento dos recursos naturais, começando com os romanos e continuando com os maias”, diz Götsch no início de sua oficina na fazenda Invernadinho. “E sempre teve a ver com os homens lutando contra a floresta.” “O ser humano considera a floresta algo sombrio e imprevisível e, portanto, luta contra ela?”, Questiona Götsch ao público. Todos ouvem com atenção, provavelmente pela primeira vez confrontados com esse tipo de questão.

Götsch está convencido de que a mentalidade humana prega peças sujas ao homo sapiens, uma criatura da savana. Ele lembra que, com exceção de alguns grupos indígenas, o ser humano sempre preferiu se estabelecer em amplos campos, onde os inimigos podiam ser descobertos de longe. Mas Götsch diz que o desafio desta vez pode ser superado. “Até agora, a natureza sempre se recuperou dos contratempos infligidos pelos humanos.” Mas ele acrescenta que devemos fazer melhor cooperando e imitando a natureza em vez de lutar contra ela, e por isso os fazendeiros brasileiros que vieram a Mineiros para ouvi-lo pensam o mesmo.

A agricultura sintrópica funciona sem fertilizantes químicos ou agrotóxicos ou irrigação artificial e é 100% orgânica. Por causa dos baixos custos, um único hectare pode alimentar facilmente uma família, e 4 hectares podem levar à prosperidade, calculou Götsch – desde que os produtos sejam processados ​​na fazenda e não haja, ou muito poucos comerciantes intermediários para transporte, marketing e vendas. Em sua fazenda de cacau, tudo é negócio de família.

Ernst Götsch com grandes agricultores em um campo de soja. Foto de Florian Kopp.

A esposa e as duas filhas produzem e vendem a marca própria Götsch: farelo de cacau e tabletes de chocolate amargo são produzidos na cozinha e vendidos em simples saquinhos de papel em Gandú, nas oficinas e em um circuito regional de comércio justo. Em 2016, ele vendeu uma safra para um dos melhores chocolatiers do mundo, o italiano Amadei – por quatro vezes mais do que o preço médio de mercado na época.

Mas Götsch diz que quer sair do nicho ecológico. “Meu desejo é que meu modo de cultivar se torne um modelo global”, diz ele. É por isso que ele está se envolvendo com os produtores de soja. Há dois anos, ele começou a trabalhar com o grupo mineiro. O que começou com 40 participantes agora cresceu para milhares, em rede via WhatsApp, a plataforma de mensagens móveis.

A euforia do pioneirismo pode ser sentida no workshop. “Estou em busca de novos métodos de cultivo, o convencional não é sustentável do ponto de vista ambiental, mas também financeiro”, diz Rogério Vian, que possui 1.000 hectares e cultiva milho e soja. “Tenho problemas com ervas daninhas e ainda preciso muito glifosato que mata tudo. Portanto, espero uma solução com a agricultura sintrópica”.

A colega agricultora Vania Toledo, que está hospedando o ateliê de Götsch em sua fazenda Invernadinho, diz que está interessada não apenas em uma fazenda mais produtiva, mas em um modo de vida menos superficial. “A agricultura sintropical é uma forma de criar abundância, curtindo a natureza em sua plenitude”, diz ela. “Significa ser responsável e deixar um mundo melhor para nossos netos.”

Mas o desafio de praticar a agricultura sintrópica em larga escala é enorme, como pode ser visto na fazenda de Toledo: nem todas as associações de lavouras trabalham juntas; diferentes safras como feijão, banana, soja e frutas cítricas são colhidas em diferentes épocas do ano, o que exige mais vigilância e mão de obra. Não existem soluções padronizadas nos moldes dos pacotes tecnológicos que acompanham os cultivos geneticamente modificados. Cada fazenda precisa de sua própria combinação feita sob medida.

“Faltam consultores e máquinas adequadas”, diz o participante do seminário Marco Janssen. Como ainda não existem, Götsch projeta suas próprias máquinas. Ele já encontrou alguns funileiros perto de Gandú capazes de dar vida aos seus esboços. Mas durante um teste em Invernadinho, a grande pilha de grama do cortador de grama quebra depois de alguns minutos. “Isso é normal, reconhecemos o erro e temos que tentar novamente”, disse Götsch ao cético Janssen. Outro problema é a falta de consultores e trabalhadores qualificados.

Götsch treinou vários agrônomos em seu método, mas longe o suficiente para atender à demanda. Tutoriais em vídeo pagos na internet mostram apenas o básico, mas não ajudam em todos os problemas. E soluções rápidas são imperativas para os grandes fazendeiros, para quem uma colheita ruim pode resultar em perdas de milhões de dólares e levar à falência.

Mas Borges diz que não se intimidou. “Minha família se recusou há alguns anos a morar em nossa fazenda por mais tempo. Porque cheirava a química, não a natureza”, diz ele. Borges já restringiu o uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos em suas terras e os substituiu por composto e homeopatia vegetal. Ele diz que espera que a agricultura sintrópica torne o glifosato, o herbicida-chave no cultivo da soja, supérfluo. Então, gramíneas e ervas daninhas, até agora os inimigos mais teimosos dos fazendeiros de soja, se tornarão aliados.

“Em 10 anos, quero estar completamente livre do veneno”, diz Borges. Então, diz ele, talvez seus netos gostem da agricultura novamente.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, agosto de 2021.