Quatro aldeias da terra indígena Caititu do povo Apurinã, localizadas no entorno do município de Lábrea, no Amazonas, receberam cerca de 100 pessoas, entre os dias 3 e 10 de novembro, durante o mutirão agroflorestal e troca de sementes da TI Caititu, em busca do aprimoramento de Sistemas Agroflorestais na Amazônia.
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O objetivo é incorporar ao modo de produção tradicional dos indígenas técnicas agrícolas que respeitem a natureza e diversifiquem o plantio para uma alimentação mais saudável
18/11/2014
Por Eduardo Sá
Da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
O objetivo é incorporar ao modo de produção tradicional dos indígenas técnicas agrícolas que respeitem a natureza e diversifiquem o plantio para uma alimentação mais saudável. A iniciativa foi promovida pela Operação Amazônia Nativa (OPAN), uma organização que trabalha em defesa dos direitos indígenas há mais de 45 anos.
Os Apurinã se concentram às margens da rodovia Transamazônica, estrada construída em meados da década de 1970 durante a ditadura militar. O encontro estimulou o intercâmbio entre outros povos da região do Médio Purus e contou com a participação de indígenas do noroeste do Mato Grosso, Myky e Sabane, dos Xavante de Marãiwatsédé e dos Ashaninka, do Acre, além dos técnicos e convidados.
Os visitantes ficaram alojados na comunidade Novo Paraíso, onde no ano passado foi realizado pela OPAN o projeto piloto para multiplicação dessa metodologia. Os indígenas foram ganhando confiança no trabalho conforme os resultados foram aparecendo, principalmente com o combate ao furão, praga que cresce em locais sem sombra e prejudica o crescimento de outras plantas.
“O mutirão agroflorestal foi um encontro rico em conhecimentos técnicos e tradicionais dos diversos povos participantes, conciliando dessa maneira para um melhor entendimento dos princípios agroecológicos e implementação das técnicas, sendo que uma das bases de referência de pesquisas da agroecologia são os históricos conhecimentos e trabalhos realizados por povos indígenas de todo o planeta”, explicou Magno de Lima dos Santos, indigenista da OPAN.
Diferentes culturas
“Além disso foi um ponto de encontro entre diferentes culturas, cada uma se auto afirmando e exibindo suas músicas, mitos, ritos e cura, isso impactou de maneira positiva as lideranças da T.I Caititu, que vem tendo dificuldades de expor essa essência de sua cultura. Saem do evento com sua auto estima melhorada e encorajados a nunca desistir de sua luta e determinados a replicar todo o aprendizado”, complementou.
Filho do cacique da aldeia, José Nogueira de Almeida Apurinã, conhecido por miúdo, explicou na abertura do evento que os índios já trabalhavam tradicionalmente com o reflorestamento mas não sabiam das novas técnicas para diversificar a produção. E as comunidades já viram que dá certo, então passaram a desperdiçar menos e a não usar o sistema da coivara, queima da área a ser produzida, que vem dos costumes originais.
“Hoje estamos aproveitando muita matéria prima para fortalecer o solo e as plantas, então queremos passar isso para outras aldeias. Me surpreendeu a maneira de plantar a mandioca, a gente cavava com a enxada e agora varre o plantio e nasce bonita. Então reflorestamos para resgatar e preservar o meio ambiente, pois a floresta amazônica está sendo invadida pelos brancos e se não recebermos apoio para fazermos esse trabalho vamos sofrer porque vai acabar causando temporal, furacão, essas coisas, sem árvore para impedir. A quentura também está muito forte. Muitas plantas já foram destruídas pelos madeireiros e hoje temos que devolver para o solo da terra”, afirmou.
Se antes a alimentação era mais baseada na mandioca e alguns frutos espontâneos da floresta, incluindo a caça e a pesca, hoje eles contam com uma dieta mais equilibrada dispondo de mais leguminosas e folhas, além de frutos de outras espécies. Mas as dificuldades ainda são muitas, inclusive alimentares. Ao lado do babaçu, açaí, tucumã, cupuaçu, dentre outras espécies nativas, já podem ser vistas variedades de outras regiões do país.
No dia 8 de dezembro de 2013 foi realizado o primeiro mutirão, e nesse encontro os técnicos tiveram a oportunidade de avaliar o processo e incluir novos elementos em diálogo com as necessidades locais. Essa forma de plantar está se multiplicando entre os indígenas, e os tornando cada vez mais independentes dos produtos de fora das aldeias.
Foram utilizadas algumas sementes orgânicas da Bionatur, organização do sul do país, principalmente de hortaliças, junto às plantações para adubar o terreno. Colocam tocos de madeira beirando os canteiros para demarcar o local e servir de adubo após a decomposição dos seus nutrientes. Logo após é jogado mato, galhos, folhas, dentre outros nutrientes naturais, para fertilização da área. Algumas árvores são preservadas, de forma a garantir um pouco de sombra ao plantio.
A riqueza do intercâmbio
Durante o mutirão agroflorestal foi possível ver e ouvir a troca de experiências entre os participantes. Cada um relatava suas práticas, de modo a complementar os saberes sobre o manejo da floresta do outro. Uma grande riqueza de conhecimentos sobre a diversidade da natureza.
Métodos orgânicos para o combate de pragas, consórcio de plantas para acelerar ou qualificar a produção, formas de tornar a terra mais fértil, dentre outros benefícios, foram apontados. O sistema de mutirão, que viabiliza um trabalho coletivo mais eficiente e em pouco tempo, foi elogiado pelos indígenas.
Marivan Nogueira Apurinã, conhecido como Sassá, de 25 nos, é nascido e criado na aldeia Novo Paraíso e principal responsável pelo roçado. Para ele, é uma grande surpresa ter tanta fruta e planta nova. “É uma experiência muito rica o intercâmbio, possibilitando o aprendizado de novos conhecimentos”, acrescentou.
“Ninguém esperava. Nunca pensei que chegaria nesse ponto. Conheci parentes que eu nem sabia que existiam e com a troca de sementes conheci também muitas plantas. Os canteiros, por exemplo, eu não sabia fazer e está evoluindo e avançando bastante. Nosso roçado só tinha mandioca, a gente tacava fogo, e agora dá mais trabalho mas o resultado é muito melhor”, disse.
“Nossa aldeia tinha parado o açaizeiro também, mas um senhor fez um roçado e quando tocou fogo acabou perdendo a árvore. E agora cortando a árvore ou deixando ela apodrecer para usar dá mais certo, vou levar isso para minha aldeia e outros parentes”, disse Marcílio Apurinã, da Federação das Organizações de Comunidades Indígenas do Médio Púrus (FOCIMP).
Para um dos técnicos,convidado para o mutirão, Eloir Bernardon, da Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, a mandioca, que é a comida mais tradicional dos índios, ajuda as outras plantas a crescer cobrindo a vegetação com a sombra.
“Era uma área de furão (mato indicador de solo ácido) imprópria para produção e agora tem ingá, feijão de porco, abacaxi, urucum, caju, coqueiro, jatobá, banana, etc. Muitas das plantas foram usadas só para adubar, já podendo retirá-las no processo da implantação do sistema consorciado com várias outras juntas e misturadas”, explicou.
Eles seguiram os canteiros podando e retirando com a mão e algumas ferramentas o furão e cipós, além de colher um pouco de mandioca e outros frutos. Cerca de um hectare foi trabalhado em cada uma das aldeias, o que já garante a diversidade alimentar. Cortaram um urucum inteiro, por exemplo, para jogar no canteiro e servir de adubo a uma laranjeira, que é uma planta mais exigente no seu desenvolvimento. Essas técnicas foram estimuladas durante o evento, no sentido de empoderar os indígenas para uma roça mais farta no futuro.
As mulheres e crianças ajudaram principalmente na distribuição de sementes pelo terreno. Os canteiros têm uma distância de 4 metros uns dos outros, mantendo um espaço de até dois metros entre cada plantio, que geralmente mistura diversas variedades no mesmo local. Em até seis meses, segundo os técnicos, já é possível colher alguns alimentos.
Aprendizado
“É um aprendizado muito bom, vai fazer bem a nossa terra. Um trabalho diferente, que eu posso ensinar para o meu povo. Lá temos muita planta nativa, nosso roçado derrubou muito açaí e agora estamos aprendendo a preservar”, disse o indígena Nilson Paumari, da terra indígena Paumari do Lago Manissuã, localizada no rio Tapauá, distante 2 dias de barco do município de Lábrea..
“A macaxeira é fonte de carboidrato com boa energia, e dá adubo e sementes, além das cascas que servem para alimentar as galinhas. E é tudo de graça aqui. Por isso é o pão nosso de cada dia, porque o trigo vem de fora. Tem que botar as sementes separadas para não machucar uma a outra na hora de retirar. No primeiro momento cada planta ajuda a outra a crescer, depois a gente escolhe as melhores”, explicou o técnico Henrique Sousa, de Jaguaquara, na Bahia, ao mostrar os pés de abacaxi, cupuaçu, cumaru e macaxeira plantados no mesmo lugar.
Uma preocupação colocada na conversa depois do mutirão foi relacionada ao lixo, que tem crescido dentro da terra indígena. Bateria, plástico, vidros, dentre outras coisas criadas pelo homem branco e usadas pelos indígenas devido à proximidade com a cidade, precisam ser tratadas pelos indígenas. Para dar um bom exemplo de educação ambiental, após as atividades foi realizada a limpeza do igarapé.
Os transgênicos também foram criticados: “É preciso ter muita preocupação com os transgênicos. A ciência do homem vai acabar criando coisa que não saberemos solucionar. Criam químicas que a natureza não vai conseguir resolver naturalmente”, disse Benki Pianko, da etnia Ashaninka, do Acre.
Ao ver uma larva e uma lagarta nas folhas de uma planta, Valdir Sabanê, indígena do noroeste do Mato Grosso, recomendou a utilização de uma mistura com água, lascas de sabão em barra neutro e tabaco de rolo orgânico para pulverização das pragas.
Segundo ele, essa é uma forma natural e eficiente para o combate de pestes.“Tem que bater e misturar para pulverizar o pomar, o feijão, o canteiro. Com pouco sabão fica mais liso e o tabaco dá o cheiro e a ardênciaque espanta as pragas”, disse.
As crianças também participam desde pequenas no plantio e colheita do roçado. Milton Lima tem 13 anos, cursa a 6ª série, e mora na aldeia Paranã. Nesse ano não conseguiu acompanhar o ano letivo, pois sua aldeia fica entre rios afluentes do Purus e é de difícil acesso. Quando os igarapés enchem mora na casa de sua avó, na aldeia Jacamin, já que sua casa fica inundada e a plantação inutilizada.
“Nas duas é bom de plantar. Às vezes eu pesco cedo e volto à noite, nós pega muito peixe. Pesca com malhadeira e caniço, usamos minhoca no anzol. Na casa da minha vó tem cupuaçu, manga, ingá, castanheira, etc. Vou para lá quando não tem aula, a gente fica na roça todo o dia. Pego também castanha, quebro o coco e levo pra casa. Ajudo ela também a caçar, pegamos paca cercando ela embaixo e usando tira com boca (ferramenta de plantio) e terçado (facão). Esse encontro é legal para conhecer novas coisas, para mim as palhas e galhos eram tudo lixo e jogava fora”, contou o menino.