Mundo deveria pagar pela preservação da Amazônia

em sua pujança

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O economista americano Jeffrey Sachs afirma que a agenda do desenvolvimento sustentável é uma agenda de crescimento e que não faltam recursos para descarbonizar o planeta, uma vez que o mundo é bem rico, uma economia de US$ 100 trilhões

Por Daniela Chiaretti — De Nova York

03/10/2019 05h00 Atualizado há 3 horas

O economista americano Jeffrey Sachs, diretor da Sustainable Development Solutions Network da ONU, acredita que os países ricos deveriam não apenas dar mais recursos para ajudar países com florestas a mantê-las, mas garantir receitas e evitar que as matas sejam derrubadas.

“No caso da Amazônia, o G-7 disse US$ 20 milhões”, lembra, referindo-se ao

ao encontro dos líderes dos países desenvolvidos em agosto, na França, quando propuseram uma ajuda emergencial contra as queimadas. “Deveriam dizer algo entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões ao ano”, defende. “O mundo depende da Amazônia e deveria contribuir para preservá-la.”

“As florestas são um ativo para o mundo”, diz Sachs. “A Amazônia é um ativo para o Brasil, em primeiro lugar, depois para a região e, finalmente, para o mundo, que devia ajudar a manter a floresta”. Ele exemplifica com o Fundo Amazônia, com grande contribuição da Noruega e apoio alemão, congelado na gestão de Jair Bolsonaro.

“O Brasil depende da Amazônia. Se a floresta for destruída, as plantações de café do Sudeste também o serão porque não haverá mais água. Todas as áreas com agricultura enfrentarão tempos duros. Cidades na América do Sul terão dificuldades”, continua. “A perversidade da dinâmica da mudança do clima é que, se continuar no ritmo em que está, irá destruir a Amazônia mesmo se o Brasil cuidar dela.”

Por isso mesmo, porque a Amazônia é vítima da mudança do clima, o professor da Universidade Columbia acredita que o Brasil deveria estar na linha de frente dos debates climáticos. “Deveria dizer ao resto do mundo: é melhor vocês controlarem a mudança do clima porque irão nos destruir”.

Sachs aconselha congressistas americanos em dúvida com a questão climática a irem às universidades e falarem com os cientistas. Sugere o mesmo, no Brasil. “Este não é um tema ideológico, não é uma ideia da direita ou da esquerda. É conhecimento científico”.

O economista questiona os modelos de desenvolvimento da região, que vê como ultrapassados. Defende a bioeconomia e alerta: “Qualquer um que acreditar que ‘tudo bem vender soja de área desmatada da Amazônia’ descobrirá logo que não haverá mercado para aquilo. Porque os consumidores em vários países vão querer saber de onde vem aquele produto, se se tem certeza de que é sustentável. Isso acontecerá logo”.

Sachs, um crítico do presidente Donald Trump, diz que a agenda do desenvolvimento sustentável é uma agenda de crescimento. “Precisamos de um programa global público de investimentos em energias limpas, veículos limpos, indústria e agricultura sustentáveis”.

Embora o mundo possa estar diante do risco de uma recessão, há recursos suficientes para descarbonizar a global, acredita. “O mundo é bem rico. É uma economia global de US$ 100 trilhões. Os recursos estão ali, a capacidade de fazer investimentos sustentáveis é real.”

Sachs falou ao Valor na semana passada, no Harvard Club, durante o evento “Amazonia Beyond the Crisis” (Amazônia além da crise), que reuniu cientistas, empresários, indígenas e ambientalistas dos nove países da região amazônica para discutir as ameaças e o futuro sustentável da floresta. A seguir, trechos da entrevista:

Valor: O mundo pode estar próximo a uma recessão global. Haverá dinheiro para clima?

Jeffrey Sachs: Para resolver os problemas temos que ter uma estratégia, investimentos públicos e financiamento adequado para o orçamento. Mas em vez disso, por causa de Donald Trump, temos uma guerra comercial, não temos investimentos e temos grandes déficits no orçamento. Mas em vez disso, por causa de Donald Trump, temos uma guerra comercial, não temos investimentos e temos grandes déficits no orçamento. Os EUA estão empurrando o mundo na direção errada, infelizmente. Estamos tentando o nosso melhor para que os EUA tenham uma nova abordagem política. Teremos eleições no ano que vem e espero que, pelo bem do mundo e dos EUA, elejamos um novo presidente.

“Mudança do clima não é um tema ideológico, não tem nada de ‘o resto do mundo contra o Brasil’. É ciência básica”

Valor: O senhor acha que o nacionalismo, que cresce em alguns países como o Brasil, pode afundar o Acordo de Paris?

Sachs: O nacionalismo é extremamente insensato no nosso tempo. Estamos em um mundo interconectado, dependemos uns dos outros no comércio, nas finanças, nas ideias e para um meio ambiente seguro.

Valor: A ideia, então, é um equívoco contemporâneo.

Sachs: É uma ideia completamente ultrapassada e mal compreendida. É chocante ter um presidente que diz “America’s First” como se o resto do mundo não importasse. Na mentalidade de Trump há apenas vencedores e perdedores, não existem colaboradores. Ele é um indivíduo com transtornos mentais, infelizmente. Eram sonegadores de impostos, e foi assim que eles levaram seus negócios por um longo tempo. Mas ele virou presidente no meio disso. E este é o real perigo. A ideia do nacionalismo extremo nos joga um século ou dois para trás e sabemos onde isso nos levou no passado. Não nos conduziu à paz ou à prosperidade. São ideias velhas, ruins e distorcidas que nos foram trazidas de volta por Trump e os que compartilham desta abordagem, como Boris Johnson no Reino Unido e outros. É a estratégia errada e o tempo errado, e isso preocupa.

Valor: Estes movimentos acreditam que mudança do clima é um tópico ideológico e de esquerda. Como se rompe esta resistência diante da urgência da crise climática?

Sachs: Nos EUA, a razão pela qual Trump se opõe ao tema da mudança do clima não é ideológica, mas é corrupção. É só dinheiro. Ele é um homem simplório que gosta de dinheiro e não liga como chegar a isso, se é preciso enganar ou se alguém sairá machucado. Ele diz: ‘Temos petróleo, carvão e gás e devemos fazer dinheiro com isso’. É muito ignorante para entender que estes combustíveis causam danos. Não entende a ciência e não se importa com ela. Trump não entende nada que não seja dinheiro. É assim que funciona aqui. No Brasil talvez seja diferente.

Valor: Parece ser.

Sachs: Pode ser diferente, mas penso que todos os políticos deveriam ir a qualquer universidade no Brasil e discutir o assunto com os cientistas. Assim verão que este não é um tema ideológico, não tem nada de ‘o resto do mundo contra o Brasil’ e não é uma ideia da direita ou da esquerda. É só conhecimento científico básico. A maioria das pessoas contrária a agir na mudança do clima está sendo guiada pelo dinheiro do petróleo, do carvão, do agronegócio. O que têm em mente é ficar rico. Não pensam em ideologia.

Valor: Qual o papel da Amazônia neste contexto?

Sachs: Todo o Brasil depende da Amazônia. Porque se a floresta for destruída, as plantações de café do Sudeste também serão destruídas porque não haverá mais água. Todas as áreas com agricultura enfrentarão tempos duros. Cidades na América do Sul terão dificuldades porque estarão sem fornecimento de água. E a perversidade da dinâmica da mudança do clima é que, se continuar, irá destruir a Amazônia mesmo se o Brasil cuidar dela. Se as temperaturas continuarem a subir, a Amazônia pode ser destruída por processos externos ao Brasil, como uma seca na região da floresta em função do aquecimento do mar do Caribe.

Valor: O que o Brasil deveria dizer aos outros, na sua opinião?

Sachs: O Brasil deveria estar na linha de frente dizendo ao resto do mundo: é melhor vocês controlarem a mudança do clima, porque irão nos destruir. Isso é o oposto do que vem acontecendo.

Valor: Como deveria ser?

Sachs: Muitos políticos não conversam com cientistas, então não entendem que o Brasil é uma vítima da mudança do clima. O Brasil deveria dizer ao resto do mundo: vocês têm que parar, isso é sério, estão nos causando problemas. O Brasil tem todas as razões para proteger a Amazônia por causa de todos os presentes da floresta e dos serviços prestados, por exemplo, à agricultura. Todos são vulneráveis ao que fazem os outros agora.

Valor: O que isso quer dizer?

Sachs: Se o Brasil for irresponsável em gerenciar a floresta, os países da região serão afetados. Se o resto do mundo for irresponsável com a mudança do clima, como os EUA, todo o mundo será afetado. O Brasil será afetado. É por isso que os países se reuniram para negociar o Acordo de Paris, porque todos dependem uns dos outros. A má notícia é que, quando Donald Trump tornou-se presidente começou a falar que os EUA sairão do Acordo de Paris. Não é ideológico. É ganância e ignorância.

Valor: O senhor acredita que há outra maneira de desenvolvimento? Por que o que se viu no mundo foi desenvolver cortando florestas.

Sachs: Uma boa vida no Brasil, com prosperidade e desenvolvimento, depende principalmente em melhorar a educação, em mais investimentos em alta tecnologia, na venda de mais aviões da Embraer. O futuro do Brasil não depende de cortar a floresta ou mesmo de desenvolver muito a Amazônia. Porque muito da riqueza real do mundo hoje está no poder do cérebro. E o que o Brasil deveria fazer é aumentar pesquisa e inovação, investimentos em todos os produtos que surgem da imaginação dos cientistas e engenheiros brasileiros, e há muitos deles.

Valor: Então, a ideia de que a Amazônia tem que se desenvolver?

Sachs: Pode ser uma ideia dos anos 80, mas não de 2020.

Valor: O senhor acredita no futuro da bioeconomia e na ideia de desenvolvimento sustentável da Amazônia de Carlos e Ismael Nobre?

Sachs: Sim. Claro que há áreas em que os serviços naturais da floresta podem trazer benefícios econômicos. Mas muito do nosso mundo desenvolvido, que leva uma boa e produtiva vida, não vem do setor primário de commodities. Surge da ciência, do know-how tecnológico e de serviços. O Brasil é uma sociedade urbana, na maioria, um grande e maravilhoso país com universidades incríveis. Vende aviões de primeira linha para o mundo. Não é um país que tem que cortar a floresta tropical para colocar fazendas de gado no lugar.

Valor: Mas para as pessoas que vivem ali, as árvores não têm valor. Eles cortam e trocam floresta por gado porque gado dá dinheiro.

Sachs: É claro. Mas não necessariamente acontece entre pessoas que vivem lá. Mas com gente que vai para lá, corta a floresta, vive dois anos ali e depois abandona a área. Gente que olha para dinheiro de curto prazo. Isso não é desenvolvimento. Isso é destruição.

Valor: Mas se se observar a dinâmica das florestas na Amazônia, no Congo ou na Indonésia, todas estão indo ao chão. Porque este é o modo que o mundo conhece até agora. O senhor não acha que os países deveriam pagar mais para que as florestas fossem preservadas?

Sachs: As florestas são um ativo para o mundo, é verdade. A Amazônia é um ativo para o Brasil, em primeiro lugar, depois para a região, e finalmente, para o mundo inteiro, que deveria ajudar a manter a floresta. Em algum modo, esta foi a ideia do Fundo Amazônia, que a Noruega e a Alemanha apoiaram.

“Quando Trump tornou-se presidente decidiu tirar os EUA do Acordo de Paris. Não é ideológico. É ganância.”

Valor: O Equador tem ideia similar no Parque Yasuni. Quer que países paguem para que deixe o petróleo no solo e não mexa na floresta.

Sachs: Fui um grande apoiador da ideia equatoriana. No caso da Amazônia, o G-7 disse US$ 20 milhões, mas o que deveriam dizer era US$ 5 bilhões a US$ 10 bilhões por ano, não só para proteger mas para prover uma receita que não dependerá de cortar a floresta. Acho que o mundo rico pode e deveria fazer muito mais. O mundo rico é muito rico, e deveria estar fazendo muito mais para ajudar todos os países a manter a biodiversidade, os serviços dos ecossistemas, água fresca e chuva, o controle da temperatura. Seria como uma divisão de responsabilidades para o mundo todo. Espero que o governo brasileiro e outros vejam isso de maneira amigável. Porque o mundo depende da Amazônia e deveria contribuir para preservá-la.

Valor: A China tem ao mesmo tempo muito carvão e um enorme projeto de reflorestamento. Olha para a mudança do clima como uma forma de despoluir o ar das suas cidades. O que o senhor acha da estratégia chinesa neste campo?

Sachs: A China é 20% da humanidade então é uma história complicada. Seu desenvolvimento econômico nos últimos 40 anos foi baseado em combustíveis fósseis, o que levou a uma gigantesca poluição do ar, dos solos e das zonas costeiras. Agora os chineses percebem que não podem nem respirar direito, com o ar tão sujo. Em anos recentes, começou a ocorrer uma grande mudança dentro da China. Eles dizem: temos que limpar desesperadamente, assim podemos respirar e aproveitar a vida.

Valor: Foi decisão doméstica.

Sachs: Sim, de perceber que estão destruindo o próprio país. Ao mesmo tempo, a China se tornou o maior emissor de gases-estufa do mundo. Isso foi chocante para eles. De repente, todos os países apontavam o dedo para a China e diziam “vocês estão arruinando nosso clima”. Então, tiveram que reagir. Sempre espero que a China ajude a liderar o desenvolvimento sustentável no mundo.

Valor: Como seria?

Sachs: Parando com as térmicas a carvão, transformando esta grande iniciativa, do Cinturão e da Rota, em algo sustentável. Eles têm um programa incrível chamado Global Energy Interconection, que pretende ajudar a conectar toda a energia renovável do mundo e colocar em uma rede, o que é muito boa ideia. A China pode ser um grande líder. Ao mesmo tempo, a China é importante para o Brasil.

Valor: Em que termos?

Sachs: É um enorme comprador de soja e de outros produtos agrícolas. Até agora a China não deu muita atenção ao impacto ecológico internacional de suas compras. Se comprarem madeira tropical das florestas da Indonésia ou da Malásia, ainda não estão muito conscientes do impacto. Se comprarem soja de áreas desmatadas na Amazônia, ainda não reconhecem isso. Mas está crescendo a consciência global de saber onde os produtos estão vindo. Acho que isso virá muito rápido.

Valor: No caso chinês?

Sachs: Não só. No Brasil também. Qualquer um que acreditar que tudo bem vender soja de área desmatada da Amazônia vai descobrir logo que não haverá mercado para aquilo. Porque os consumidores em vários países vão querer saber de onde aquele produto vem, se se tem certeza de que é sustentável. Acredito que isso acontecerá logo e em todas as partes.

Valor: Haverá dinheiro para a mudança do clima? Para adaptação às mudanças?

Sachs: Precisamos de um grande programa global público de investimentos para energias limpas, veículos limpos, indústria e agricultura sustentáveis. Isso seria uma dinâmica de crescimento para os próximos 20 anos. A agenda do desenvolvimento sustentável é uma agenda de crescimento. Porque exige investimento em atividades sustentáveis que precisamos. O mundo é bem rico, uma economia de US$ 100 trilhões. Os recursos estão ali, a capacidade de fazer investimentos sustentáveis é real.

Valor: Mas e a recessão?

Sachs: O problema da recessão é basicamente a instabilidade da política americana. Espero que o nosso país pare com isso ao eleger um novo presidente que não crie tanta instabilidade no mundo.

Valor: O senhor acredita, então, que não é falta de dinheiro.

Sachs: O que precisamos, mais do que qualquer coisa, é de governos com capacidade de decidir para a frente. Porque se os governos têm apenas visão de curto prazo ou são míopes, e gastarem recursos agora de qualquer modo, não seremos capazes de escolher o caminho certo. Então é: planejamento futuro, basear-se em cientistas, pensar em uma estratégia de 20 anos para o Brasil e não em algo para dois meses. Isso é realmente importante. Alguns dos nossos líderes não são capazes de pensar adiante, infelizmente. Trump não consegue pensar além de seu último tuíte e é por isso que ele não construiu nada durante a sua Presidência. Zero. Ele só ataca quem fez algo. Eu encorajaria o Brasil a ir por novos rumos, reunir os seus melhores engenheiros, cientistas e empresários e encontrar um novo caminho sustentável.

Valor: Esta poderia ser uma resposta para o Brasil de agora?

Sachs: Claro. O Brasil deveria ter uma ideia de crescimento sustentável. Um programa de dez anos para o futuro, projetar-se como um líder sustentável do mundo. Isso criaria empregos, receitas, capacidades e prosperidade.

Valor: Se o governo federal não quiser trilhar esta rota, o que fazer?

Sachs: Eu diria que cientistas, ativistas, políticos e empresários deveriam se juntar e dizer “é isso o que o Brasil precisa”. Não precisamos esperar o que Trump irá dizer ou fazer, ou outro qualquer. Precisamos colocar em uma agenda política o que precisa ser feito. Precisamos colocar em uma agenda política o que precisa ser feito. Precisamos de boas ideias.

A jornalista viajou a Nova York a convite do Instituto Clima e Sociedade