Movimento da permacultura cresce nos EUA.

Como uma maneira para salvar o mundo, cavar um fosso ao lado de um monte de estrume de ovelhas parece ser um começo modesto. Reconheço: o fosso não era apenas um fosso. A intenção era construir uma ‘vala gramada’, uma terraplenagem para diminuir o fluxo de água de uma encosta, em uma fazenda recreativa, no oeste de Wisconsin, nos Estados Unidos.

 

http://noticias.ambientebrasil.com.br/clipping/2011/08/10/73214-movimento-da-permacultura-cresce-nos-eua.html
10.agosto.2011

 

E os cavadores, longe de trabalharem com isso em seu dia a dia, haviam pago US$ 1.300 a US$ 1.500 (R$ 2.100 a R$ 2.400) pelo privilégio de usarem suas pás, sob o céu cinzento de uma manhã de terça-feira, no final de junho.

Quatorze de nós havíamos nos juntado para aprender sobre a permacultura, sistema simples para elaborar assentamentos humanos sustentáveis, restaurar o solo, plantar campos de rotatividade de alimentos no solo, conservar água, redirecionar o fluxo de refugos, formar comunidades mais sociáveis e, se tudo corresse de acordo com os planos, transformar a iminente crise dos recursos da terra em uma nova era de felicidade.

Esse teria de ter um fosso muito bom.

Esse foi o sentido que absorvi, ao atender a quatro dias do curso Certificado de Design de Permacultura, de uma semana de duração, conduzido por Wayne Weiseman, 58 anos, diretor do Projeto Permacultura em Carbondale, Illinois.

Os fundadores do movimento, Bill Mollison e David Holmgren, cunharam o termo ‘permacultura’ em meados da década de 1970, como uma combinação de permanente e cultura permanente.

Na prática, a permacultura é um movimento em crescimento e influente, que aprofunda-se por trás da agricultura sustentável e da jardinagem de alimentos urbana. Você pode encontrar permaculturistas montando bandejas de minhocas e caixas de abelhas, lagoas aquapônicas e galinheiros, banheiros de compostagem e tanques para armazenamento de água da chuva, painéis solares e casas na terra.

De fato a permacultura possui medalhas de mérito ecológico suficientes para encher a faixa de qualquer escoteiro. Os ‘permies’ (sim, eles usam esse termo) gostam de fazer experiências com fermentação, multiplicação de cogumelos, forrageamento e medicina à base de ervas.

Mesmo assim, a permacultura almeja ser mais do que a soma de todas essas práticas, diz David Cody, 39 anos, que ensina o sistema e cria hortas urbanas em São Francisco.

“É uma teoria ecológica sobre todas as coisas”, diz Cody. “Aqui está o manual de instruções do planeta Terra. Quer dar uma olhada e nos acompanhar?” É difícil dizer exatamente quantos subiram a bordo da nave-mãe. Em São Francisco, Cody viu aparecerem, em 2010, mais de 1.500 voluntários para a criação da Fazenda Hayes Valley, um jardim de alimentos próximo ao local de uma rampa de acesso destruída de uma estrada.

Nos últimos quatro anos, Cody tem ajudado a treinar 250 estudantes por meio do Instituto de Permacultura Urbana em São Francisco.

Scott Pittman, de 71 anos, que dirige o Instituto de Permacultura nacional de uma chácara nos arredores de Santa Fé, no Novo México, estima que 100 a 150 mil estudantes tenham completado o curso de certificação, desde que a filosofia foi desenvolvida na Tasmânia, há mais de três décadas. “Nos Estados Unidos, eu diria que nós representamos de 40 a 50 mil desse total”, diz ele.

Porém, a permacultura não mantém listas de membros ou recenseamento. Por intenção própria, “tem sido, durante todos esses anos em que estou envolvido, um movimento bastante descentralizado”, diz Pittman. A mensagem parece espalhar-se por seus próprios meios, sem publicidade. Mollison, por exemplo, tem sido a figura principal da permacultura desde o final dos anos 1970 e seus livros têm centenas de milhares de cópias. E mesmo assim, seu nome aparentemente nunca lhe garantiu uma menção no The New York Times.

A permacultura, diz Pittman, é “guiada pelo currículo e por uma noção de ética. Basicamente é isso aí”.

A ética da permacultura é o ‘Credo Niceno’ do movimento, ou sua regra de ouro: cuidado com a terra, cuidado com as pessoas e retorno dos excedentes de tempo, energia e dinheiro para a causa de melhorar o planeta e seu povo.

Em seu esforço para tornar-se universal, a permacultura não assume nenhum elemento religioso ou espiritual. Mesmo assim, a união ao movimento parece atingir muitos de seus praticantes como se fosse uma experiência de conversão.

Pittman primeiramente encontrou Mollison e seus ensinamentos em um seminário de final de semana no Novo México, em 1985. Como sistema, a permacultura o impressionou como panóptica e transformacional. “Ela mexeu comigo”, diz Pittman.

Quase na mesma hora, ele decidiu largar o emprego e seguir Mollison até a próxima parada em sua turnê de ensino: Katmandu, no Nepal. Logo depois, ele começou a conduzir cursos ao lado de Mollison, em cidades e remansos ao redor do planeta.

Mollison não viaja pelos Estados Unidos há quase 15 anos. Aos 83 anos de idade, Mollison “praticamente seguiu para uma semiaposentadoria na Tasmânia”, diz Pittman.

Ainda assim, em anos recentes, os ideais de Mollison parecem ter avolumado-se do subterrâneo, até atingir o sol do mainstream.

É um sistema, afirmam os permaculturistas, que pode funcionar em qualquer lugar.

Com seu foco no plantio pessoal e projetos em escala humana, a permacultura é adequada idealmente a um pequeno quintal suburbano ou um jardim de pátio.

Mas a maioria dos estudantes que conheci em Wisconsin tinha suas próprias visões e ideias sobre mil pés de mirtilo e sobre como a permacultura poderia ajudar a realizá-las.

Bruce Feldman, de 60 anos, que passou duas décadas como professor de Inglês em terras estrangeiras, presenciou o colapso do baht na Tailândia (ele estava sendo pago nessa moeda), e um terremoto no Japão em 1995, que o deixou vagando pelas ruas durante quatro dias. Esses eventos, conta Feldman, “me fizeram pensar que eu deveria começar a me preparar para meu próprio futuro”, idealmente, uma chácara autossuficiente de 1,6 ou 2 hectares nos Osarks de Arkansas.

O local do workshop era a própria Shangri-La da permacultura: 24 hectares de pradarias e bosques, a alguns quilômetros do Rio Buffalo, em Wisconsin. Em 2004, Jeff Rabkin e sua esposa, Susan Scofield, compraram essa fazenda amish por US$ 125 mil.

O plano original era arrendar os campos e construir uma cabana de troncos, que servisse como retiro de final de semana. Em vez disso, influenciado pela permacultura, Rabkin agarrou-se à ideia de administrar ele mesmo a propriedade. Com esse objetivo, ele e um amigo de permacultura, Victor Suarez, de 44 anos, compraram um pequeno rebanho de ovelhas e plantaram 300 árvores de frutas e nozes.

Durante a semana de trabalho, Rabkin, 49 anos, e Scofield, 48 anos, tocam uma firma de marketing e relações públicas em Minneapolis. Esse background fica evidente pelo cativante nome que eles deram ao lugar: Fazenda do Galo Maluco e Cabine Telefônica Amish.

Mas a cabine telefônica amish não é nenhum artifício publicitário. O casal instalou uma linha de telefone no galpão ao lado de sua casa de fazenda e seus vizinhos vão até lá em carroças para fazer chamadas.

Os laboratórios ocuparam o galpão de ferramentas. No primeiro dia, Weiseman demonstrou como criar biocarvão, que é um carvão já parcialmente queimado, em um primitivo forno ‘foguete’, equipamento que ele montou a partir de um pedaço de cano e uma lata de tinta.

Weiseman explicou que os elementos minerais úteis ligam-se à singular estrutura molecular do biocarvão. Misturados a adubo, resultam num excelente aditivo para árvores.

Depois, ele começou a borbulhar um ‘chá’ de adubo, usando uma bomba de aquário em um balde de plástico. (“Até mesmo o petróleo tem seu lugar na permacultura”, disse ele. “O balde de 20 litros é a melhor aplicação do mundo para o petróleo”.) Ele embrulhou um amontoado de adubo padrão em um tecido, como uma trouxa de um mendigo, e o mergulhou em água. Depois, adicionou melaço para alimentar a fermentação.

Depois de alguns dias, nós iríamos jogar esse caldo amarronzado pelo jardim da cozinha, para enriquecer o solo com bactérias benéficas.

Essa era a ideia, pelo menos. Uma semana depois do workshop, eu discuti essas teorias com Jeff Gillman, 41 anos, professor associado da Universidade de Minnesota e autor de quatro livros sobre práticas de jardinagem e meio-ambiente.

Ele declarou ser um “crente no conceito geral da permacultura”. Mas desconsiderou o chá de adubo como sendo “demência”. Espalhar um punhado de micróbios estranhos em um mar de solo, disse ele, é como lançar 10 mil paraquedistas por toda a extensão do deserto do Saara. Eles não sobreviveriam.

O adubo normal, a coisa sólida de um silo de quintal, “já deveria conter todos os microorganismos que são beneficiais ao solo”, diz ele. E, se não contém, “os microorganismos benéficos se movem muito, muito rapidamente”.

Como Weiseman observou, a permacultura pode ser um “salto de fé”. Mas, não saltar pode ter suas próprias consequências.

Começando com Mollison, os permaculturistas têm previsto um futuro próximo de escassez de recursos. “Não apenas o pico do petróleo”, diz Weiseman, “mas também o pico da água e o do solo”.

E os noticiários, com sua toada de declínio econômico e catástrofes ecológicas, alimentam as profecias. Nessa distopia iminente, a permacultura não seria uma escolha de estilo de vida, mas uma necessidade.

“Nós sabemos o que é certo”, diz Weiseman. “Sabemos o que é melhor. Sentimos isso em nossos ossos e corações. Então não fazemos nada a respeito. Ou fazemos. E eu fiz. E está dando frutos”.

Mas a preparação para o juízo final em São Francisco, diz Cody, não é que o que impele uma multidão de almas ocupadas, a cavar estrume de cavalo em uma manhã de sábado, debaixo da garoa. Aos 12 mandamentos centrais da permacultura, então, Cody adicionou um décimo-terceiro: “Se não é divertido, não é sustentável”.

Em outras palavras, porque lamentar o eventual desmoronamento de nossos prédios de escritórios e fazendas industriais, quando existe um banquete a ser feito, agora mesmo, em nossos próprios quintais?

(Fonte: Portal iG)