Não é todo dia que o cientista-chefe da Monsanto posa para fotos ao lado de tomates e pepinos. Vegetais nunca estiveram no foco de estudos de Robert Fraley, um dos homens mais valiosos para a multinacional americana por, entre outras coisas, ter descoberto a tecnologia Roundup Read, o “RR” da soja transgênica que catapultou a Monsanto para a liderança no mercado global de sementes.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/535184-monsanto-ja-domina-mercado-mundial-de-sementes-de-hortalicas
A reportagem é de Bettina Barros, publicada pelo jornal Valor Econômico, 11-09-2014. (Nota da IHU On-Line: o jornal informa que a jornalista viajou a convite da Monsanto)
O negócio dele (e da Monsanto) é commodity – majoritariamente soja, milho e algodão geneticamente alterados, que ainda compõem a base de sustentação dos US$ 14,9 bilhões faturados pela companhia no ano fiscal de 2013, encerrado em agosto. Ou era.
A foto ao lado só foi possível porque o setor de hortaliças passou a ser uma “área de atuação instigante para nós”, diz Fraley, sorridente ao fim de um dia de reuniões com clientes na Farm Progress Show, a maior feira do agronegócio dos EUA, realizada em Boone, no Cinturão do Milho americano.
Sem fazer alarde, a Monsanto montou em nove anos uma política incisiva de aquisições para ganhar mercado, ultrapassando players tradicionais como Syngenta, Bayer e as japonesas Sakata e Takii. Como no negócio de grãos, a companhia ostenta hoje a posição de maior produtora e comercializadora de sementes de hortaliças. A diferença para o “core business”, dizem seus executivos, é que alimentos finais ao consumidor são invariavelmente convencionais. A única exceção é o milho. Pelo menos por enquanto.
“Estamos trabalhando em centenas de produtos que darão ao consumidor melhor sabor e valor nutricional. Ao mesmo tempo, as sementes têm mais produtividade e resistência a pragas”, afirma Fraley, agora vice-presidente executivo de Tecnologia da Monsanto.
Sob a marca Seminis – herdada da compra da empresa americana de mesmo nome, que deu início à divisão de vegetais da Monsanto -, circulam hoje no mercado mundial sementes de 25 espécies de hortaliças, entre couve-flor, brócolis, cenoura e cebola. Em 2013, isso representou US$ 821 milhões de receita ao braço “verde” de multinacional. Não é pouca coisa para um mercado cuja movimentação anual média gira em torno de US$ 4 bilhões.
Visto de outra forma, a ordem de grandeza fica mais clara. Segundo os executivos da Monsanto, 85% das sementes de brócolis comercializadas no planeta levam a marca Seminis. No caso do tomate, são 40% do total. No Brasil, a cada dez pepinos consumidos, seis têm tecnologia Monsanto. Três em dez tomates também. A couve detém metade do mercado brasileiro.
“As pessoas nos veem apenas como uma empresa de biotecnologia. Pode parecer antagônico, mas somos o maior fornecedor de sementes orgânicas nos EUA”, diz o mexicano Jesus Madrazo, vice-presidente global de assuntos corporativos da Monsanto. Ele explica: nos EUA, assim como em outros países, a regulamentação de orgânicos dá preferência a sementes certificadas como tal – na ausência delas, o produtor pode se abastecer com semente convencional.
Com a marca Seminis, múlti comercializa hoje sementes de 25 espécies de hortaliças no mercado mundial
A divisão de vegetais da Monsanto nasceu em 2005 com a aquisição da Seminis, empresa americana líder em hortaliças e com canais de distribuição em mais de 150 países. O interesse no setor veio de duas constatações. Uma é de que é preciso diversificar, e algo relacionado a sementes tornaria o caminho mais fácil. Outra é o grande potencial de crescimento desse mercado. Dados da FAO, a agência da ONU para Agricultura e Alimentação, mostram que o consumo médio de hortaliças ainda está em 105 quilos per capita por ano, bem abaixo da recomendação de 146 quilos recomendados pela entidade – tanto em países desenvolvidos como nos emergentes.
Mais que tudo isso, a Monsanto vislumbrou uma rota de crescimento própria, que poderia lhe dar uma vantagem competitiva séria ante a concorrência: sua expertise em biologia molecular, adquirida nos mais de 30 anos de pesquisas com biotecnologia. Com o entendimento melhor das plantas permitiu que a companhia abandonasse a roleta russa dos cruzamentos genéticos aleatórios (demorados e de resultado incerto) e partisse para o corte cirúrgico de genes. O sequenciamento e a marcação genética permitiram pinçar características desejáveis das plantas de forma mais rápida – e sem transferência de genes, o que geraria furor no consumidor. Faltavam os acessos a esses novos mercados.
A estratégia de aquisições resolveu parte do problema. O primeiro passo foi criar o International Seed Group (ISG) para identificar empresas passíveis de compra. Somaram-se à Seminis a Western Seed (forte no mercado americano de pimentões), a Poloni Semences (melão) e a Peotec (empresa italiana com foco em tomates para processamento). O grande negócio, contudo, foi selado em 2008 com a aquisição da holandesa DeRuiter Seeds, líder no mercado europeu e com uma especialidade que a Seminis até então não tinha – o cultivo tecnificado em estufa.
Em três anos, a Monsanto desembolsou US$ 2,2 bilhões para as duas de suas principais incorporações – US$ 1,4 bilhão pela Seminis e US$ 800 milhões pela DeRuiter -, e mais alguns milhões de dólares nas demais empresas, cujas transações não foram divulgadas.
“Continuamos olhando para oportunidades. No curto prazo, buscamos faturamento [e não só banco genético] porque nossos mercados não são tão grandes em algumas regiões”, diz David Stark, vice-presidente de Parcerias de Comércio Global para Hortaliças. Ele não revela onde está o desafio da expansão, mas Índia e China devem estar na lista. Os dois países, com dietas predominantemente vegetarianas, são consumidores vorazes de legumes e verduras. O problema ali é a informalidade.
Se nos grãos o que se busca é produtividade e resistência a pragas acima de tudo, com hortaliças isso só é válido se vierem mais crocantes, com cores vibrantes e vitaminadas. Pesquisas com consumidores mostram que 34% da população mundial quer conveniência e praticidade. Para essas pessoas, a Seminis desenvolveu o pimentão “baby”, que quase não sobra após o uso, e uma cebola que provoca menos lágrimas. Outros 23% querem sensorialidade e prazer – aí vieram melões mais doces, alfaces crocantes, tomates de vermelho intenso e brócolis com maior teor de antioxidantes, perfazendo as cerca de três mil variedades de sementes.
Para Headrick, transgenia em hortaliça ainda não se paga
“Todo o nosso trabalho tem sido utilizando técnicas avançadas de melhoramento. Fizemos o sequenciamento genético do pimentão e do tomate, que tem 17 mil genes. Então, quando a gente faz melhoramento hoje, conseguimos ser muito mais precisos”, diz Fraley. De acordo com a companhia, as pesquisas e o desenvolvimento de super-hortaliças consomem 15% do faturamento anual da Seminis, ou US$ 123 milhões no ano passado.
O criador da “RR“ acredita ser possível, no futuro, fazer alterações genéticas em vegetais. “Acho que sim”, diz ele, sem titubear. “Todo dia vemos novas tecnologias desenvolvidas, chegando a outras culturas agrícolas e sendo adotadas por mais países. Vai chegar um estágio em que o público entenderá e aceitará o uso da tecnologia”.
Por meio de suas aquisições, a Monsanto herdou uma abobrinha transgênica comercializada nos EUA e Canadá. Outras experiências já estão no mercado – como um mamão papaia transgênico desenvolvido pela Universidade do Hawai. Por ora, o assunto é discutido com discrição na sede da Monsanto, em St Louis, e a empresa diz não ter planos de expandir esse portfólio.
A explicação imediata não é a aceitação pública, mas o custo. John Headrick, líder de Desenvolvimento Tecnológico para Hortaliças, diz que variedades convencionais são “ao menos 50 vezes” mais baratas que similares com biotecnologia.
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