Monitorando o comportamento corporativo: avanços ou greenwash?

As empresas com registros ambientais negativos estão cada vez mais buscando uma organização sem fins lucrativos pouco conhecida, chamada TFT, para assegurar que atendam os compromissos de melhorar suas práticas. Precisamos aguardar para ver se essa é apenas uma jogada de Relações Públicas ou uma mudança real na conduta corporativa.

 

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por Fred Pearce*

negocios 300x199 Monitorando o comportamento corporativo: avanços ou greenwash?

Para aqueles que acompanham as maiores empresas do mundo, 2013 foi extraordinário. Sob a pressão de ONGs, inúmeras empresas líderes globais em seus setores assumiram compromissos sem precedentes para melhorar seu comportamento ambiental e social. Há pelo menos a chance de que suas promessas não sejam apenas uma fachada ecológica e que, como disse alguém do meio, “desta vez, podemos realmente pressioná-los”.

Essa pessoa do meio é Scott Poynton, fundador e diretor de um grupo ambiental do qual você provavelmente nunca ouviu falar, The Forest Trust (TFT). Se alguém tem como saber se essa será uma mudança real para a sustentabilidade, em vez de um golpe publicitário das grandes empresas, esse alguém é Poynton. No momento, no despertar das recentes declarações, Poynton é quem pode pressioná-los.

Foi em novembro que uma das maiores marcas globais – cuja reputação era de foco sem escrúpulos nos resultados – anunciou que estava se juntando aos “mocinhos”. A Coca-Cola, maior compradora de açúcar do mundo, declarou que iria parar de comprar de fornecedores que não aderissem às suas novas diretrizes de proteção dos direitos a terra, que comprometem a empresa à “tolerância zero à grilagem de terras” e respeitam os direitos à terra de comunidades e grupos tradicionais.

O compromisso foi assumido perante a Oxfam, ONG de auxílio e desenvolvimento baseada no Reino Unido, que tem feito campanha contra grilagem de terras por empresas açucareiras, entre outras. Para comprovar que estava realmente empenhada, a Coca-Cola prometeu publicar avaliações sociais independentes, ambientais e de direitos humanos de suas atividades e das de seus fornecedores. Um executivo da Oxfam disse: “Ficamos surpreendidos. Eles foram além do que pedimos.”

No começo de 2013, em uma ação que pode ter grandes implicações nas florestas do sudeste da Ásia, uma declaração semelhante da maior produtora de produtos de papel do mundo, a Asia Pulp and Paper (APP), foi feita em Jacarta. A empresa tem sido alvo há muito tempo de defensores ambientais por ter devastado as florestas tropicais da Indonésia para alimentar suas gigantes usinas de polpa. Mas em fevereiro passado, ela prometeu o fim imediato da devastação das florestas naturais pela empresa, suas subsidiárias e seus fornecedores. A empresa disse que iria mudar suas fontes para plantações de madeira e que “quando novas plantações forem propostas, a APP irá respeitar os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais, inclusive os direitos consuetudinários à terra”.

A promessa da APP, que será acompanhada pelo TFT, foi suficiente para convencer o Greenpeace, que havia acusado a empresa de estar “retirando a celulose do planeta” (pulping the planet), a cancelar seus protestos em todo o mundo.

Mas, possivelmente, o compromisso mais significativo veio em dezembro, quando o maior comerciante de azeite de dendê do mundo, a Wilmar, baseada em Singapura, comprometeu-se em assegurar que não era mais realizado desmatamento nem destruição de turfeiras por qualquer empresa participante de sua cadeia de suprimentos. Novamente, o TFT ajudará a monitorar a empresa para assegurar que cumpra a promessa. Desde então, de acordo com Poynton, a Wilmar compra azeite de dendê de 80 por dento dos fornecedores do mundo, o que é uma mudança em potencial em um setor que é, provavelmente, a maior causa de desmatamento no sudeste da Ásia.

A promessa da Wilmar não veio inesperadamente. Ela foi consequência de campanhas rigorosas de ONGs para limpar a cadeia de suprimentos de um ingrediente que se encontra em um a cada três alimentos processados. E veio logo após uma declaração no mês anterior da gigante alimentícia Unilever, que é o maior cliente da Wilmar e sua maior compradora de azeite de dendê no mundo. A Unilever prometeu que, até o fim de 2014, terá rastreado toda sua cadeia de suprimentos para assegurar que cumpra sua promessa de acabar com sua participação no desmatamento. Sem dúvida, a Wilmar tinha pouca opção.

No entanto, as coisas estão ficando interessantes. As maiores empresas e investidores do mundo estão começando a usar sua posição como líderes de mercado para elevar os padrões, em vez de empurrá-los para baixo. Dos varejistas seguindo cadeia acima, eles estão exigindo que seus fornecedores limpem suas condutas. Poderia se tornar uma “corrida para o topo”?

Nem todos estão convencidos disso. Pode ser papo furado e, além disso, outros líderes de setores já fizeram esses tipos de promessas antes. Em 2012, a gigante mineradora, Rio Tinto, disse que buscaria o “consentimento prévio livre e informado” das comunidades locais antes de assumir novos projetos de mineração gigantes. No entanto, no fim, os governos nacionais, ansiosos por explorar recursos, permitiram que a Rio Tinto deixasse de lado esse compromisso.

A Human Rights Watch disse que a Rio Tinto ainda estava desalojando comunidades agrícolas para minas de carvão em Moçambique. O que não impediu que comunidades de todo o mundo aparecessem em sua reunião anual em Londres, em abril passado, para se oporem a seus pontos de vista e à terra sendo devastada.

Então, alguém precisa assegurar que os devastadores de florestas tropicais e os grileiros de terras cumpram suas promessas. Por ora, esse alguém parece ser Poynton, um impetuoso ex-silvicultor australiano que fundou o TFT em 1999. A organização sem fins lucrativos baseada na Europa, com escritórios na Suíça e na Grã-Bretanha, foi contratada pela Wilmar, pela APP, pela gigante alimentícia Nestlé e por diversas empresas importantes para assegurar que elas façam o que prometeram. Ele diz que gostaria de receber uma ligação da Coca-Cola. E muito longe de ser visto como um agente de fachada ecológica, ele, pelo menos até o momento, tem a confiança de alguns dos defensores ambientais e sociais mais agressivos do mundo.

O que se fala entre as ONGs é que o Greenpeace e o TFT representam o “rebelde” e o “bom moço”. Quando as empresas maltratadas pelos destruidores de reputação do Greenpeace imploram pelo perdão, os “guerreiros do arco-íris” os aconselham a conversar com Poynton.

Verdadeiro ou não, a Nestlé procurou o TFT após seu chocolate Kit-Kat, que contém azeite de dendê das florestas indonésias, ter problemas com o Greenpeace. Em 2010, a ONG colocou online uma propaganda devastadora contra a empresa, na qual uma barrinha do chocolate se transformava em um dedo sangrento de um orangotango morto. No prazo de oito semanas, a Nestlé anunciou uma negociação com o TFT.

Então, o que o TFT faz exatamente?

É uma consultoria sem fins lucrativos com uma diferença. Seu website oferece às empresas uma “parceria para responsabilidade na cadeia de suprimentos”. Com algumas empresas, o trabalho tem sido de consultoria convencional destinada a, por exemplo, ajudá-las a atender as normas de esquemas de certificação ecológica, como do Conselho de Manejo Florestal (FSC) ou da Mesa Redonda sobre o Azeite de Dendê Sustentável. Por exemplo, trabalha desde 2004 com a controversa empresa de extração de madeira Congolaise Industrielle des Bois na República do Congo para atender as regras do FSC.

No entanto, recentemente, os objetivos de algumas empresas se tornaram mais ambiciosos. Além de seus compromissos ambientais, a Wilmar concordou, com a ajuda do TFT, em adotar uma política de “não exploração” de sua mão de obra e de obter consentimento prévio livre e informado para uso da terra.

“Não somos auditores”, diz Poynton. “Nem dizemos às empresas o que devem fazer. Ajudamos a desenvolver respostas e políticas para questões que as preocupam. Ajudamos a criar políticas com as quais estejam satisfeitas e depois vamos a campo com elas para desenvolver sua capacidade para executá-las.” Com a APP, ele disse que levou 12 meses apenas para elaborar a política.

Poynton insiste de forma inflexível que não será fantoche de ninguém. “Somos exigentes, irritantes e rígidos. Se as coisas não forem feitas da forma certa, nós nos afastamos. Já fizemos isso quando as empresas não são sérias e abertas conosco – caso fiquemos sabendo de coisas pela mídia, por exemplo.” Ele observou que o TFT havia interrompido o diálogo com uma grande financiadora global, cujo nome ele recusou revelar, porque não divulgava sua lista de clientes.

Mas Poynton afirma que ele permanecerá junto a empresas que continuam no noticiário negativo se acreditar que estejam bem intencionadas. Ele cita uma estatal indonésia que gerencia florestas de teca na ilha de Java, Perum Perhutani. O TFT passou seis anos tentando desenvolver um plano para a empresa. Ele foi pago por varejistas europeus e norte-americanos que compravam móveis feitos com sua madeira. Durante esse período, a equipe da empresa atirava em pessoas do vilarejo que invadiam suas florestas para cortar suas árvores.

“Muitos defensores ambientais disseram que não devíamos ter trabalhado com a Perhutani”, diz ele. “Mas quando chegamos a um acordo em 2009, conseguimos tirar as armas da floresta muito rapidamente. Ninguém foi morto desde então. Perseveramos e sinto-me bem por isso.”

Há o risco de o TFT, algum dia, se tornar apenas outra consultoria, mais interessada em proteger a imagem das empresas e em assegurar os próximos clientes do que em pressioná-los? Poynton afirma que isso não ocorrerá. “De forma alguma. É claro que às vezes há uma linha tênue que separa uma fachada ecológica da obtenção de mudança. Aceitamos isso. Frequentemente, é uma questão de intuição se devemos perseverar com uma empresa.”

Nenhum dos defensores ambientais sem fins lucrativos com os quais conversei refutou que Poynton seja realmente sério com relação ao que diz. Mas, mesmo assim, é muito poder nas mãos de uma organização – e de um homem. E ouvi reclamações de descontentamento entre ONGs devotadas à proteção de florestas e dos direitos das pessoas que vivem dentro e no entorno das mesmas. Elfian Effendi do grupo Greenomics Indonesia disse que o TFT estava “promovendo violações da legislação florestal”, dando luz verde à sua parceira Golden Agri-Resources para desmatamento contínuo em grandes concessões de dendezeiros em partes da província de Kalimantan Central que também são designadas – de forma confusa – como terra florestal pelo governo indonésio.

Eles são relutantes em confiar na intuição de Poynton. Querem saber mais sobre as negociações que ele está realizando com as empresas, preferivelmente com contratos publicados online. E querem ver detalhes sobre cadeias de suprimentos para que possam testar de forma independente a veracidade das alegações corporativas. Além disso, em relação a como o TFT está aconselhando sobre o fim da exploração da mão de obra ou sobre o consentimento da comunidade para negociações de terras, acreditam que as comunidades também deveriam estar envolvidas no processo.

Alguns críticos ressaltam que promessas ambientais podem estar em conflito com promessas sociais. Uma nova política de conservação florestal desenvolvida pela gigante de azeite de dendê Golden Agri-Resources, com a ajuda do TFT e o apoio do Greenpeace, coloca em risco exatamente isso. Marcus Colchester da Forest Peoples Programme baseada no Reino Unido diz que um efeito colateral da política de florestas chave em Bornéu central é proibir pesca e outras atividades de grupos locais que também reivindicam as florestas. Quem falará por eles?

Poynton é sensível a esse tipo de crítica. “Não estou disposto a começar a compartilhar meus contratos, mas estou aberto ao diálogo com as ONGs”, ele afirma. Ele acredita que alguns de seus críticos pegam o caminho fácil de condenar o mundo corporativo, em vez de se comprometer com eles. Acredita ainda que seu caminho vale a pena ser seguido. O que isso envolve, diz ele, é mais do que Relações Públicas – está relacionado a mudar a natureza das empresas.

Alguns Diretores Executivos entendem isso claramente. Eles percebem que, para prosperarem a longo prazo, precisam de cadeias de suprimentos sustentáveis para suas matérias-primas e marcas que não terão sua reputação em risco. A Unilever, a maior fornecedora de alimentos e de produtos de higiene pessoal do mundo, está comprometida em reduzir pela metade seu impacto ambiental até 2020. Paul Polman, Diretor Executivo, me disse ano passado: “Se uma empresa quiser permanecer no mercado por muito tempo, a melhor garantia é servir a sociedade. Essas noções se perderam nos últimos anos, mas queremos recuperá-las – para o bem maior.”

Mas se marcas grandes com grandes reputações a perder podem ser responsáveis, e as demais? Os otimistas esperam que os líderes dos setores possam ser “pioneiros” efetivos e que outros participantes menores os seguirão. Os pessimistas temem que os outros simplesmente verão seus grandes rivais como enfraquecidos pela conformidade ética e se movimentarão para tirar proveito disso. Portanto, é de suma importância se a grande rival da Coca-Cola, a Pepsi, entrar no jogo, se a associada gigante de dendezeiros do sudeste asiático Olam apoiar a Wilmar e se a Asia Pacific Resources, rival da APP, se juntar a ela.

Se esse realmente for um momento de mudança – o momento em que uma “corrida para baixo” nos padrões éticos corporativos se torna uma “corrida para o topo” – então, em breve saberemos.

* Fred Pearce é colaborador da Yale Environment 360, consultor ambiental da revista New Scientist e autor de inúmeros livros, entre eles O Aquecimento Global.

** Publicado originalmente em Yale Environment360, da Universidade de Yale –  e retirado do site CarbonoBrasil.