Iniciativas tentam barrar o trigo transgênico no Brasil e na Argentina; trigo HB4 já é cultivado em cinco províncias do país vizinho. – Bioceres
Fernanda Paixão
25 de Outubro de 2021
O trigo HB4 é construído para ser resistente ao glufosinato de amônio, agrotóxico potencialmente cancerígeno
O Ministério Público Fiscal da Argentina recomendou a suspensão da Resolução 41/2020, que autoriza a comercialização da semente IND-00412-7, o trigo transgênico desenvolvido pela empresa Bioceres e atualmente pendente de aprovação no Brasil, principal importador de trigo da Argentina.
A recomendação destaca a ausência de estudos de impacto ambiental e de audiências públicas que validem a aprovação deste novo evento transgênico, com suas implicações diretas na saúde pública, no ambiente, na economia e nas relações internacionais.
No texto da recomendação judicial, o procurador Fabián Canda argumenta que o documento de decisão emitido no ano passado pela Comissão Nacional Assessoria de Biotecnologia Agropecuária (Conabia) faz uma “mera transcrição das conclusões das diferentes avaliações formuladas pelos órgãos intervenientes”, o que não cumpre com o padrão exigido pelo Tribunal Superior e pela jurisprudência do Fórum. Assim, classifica a decisão de aprovar o trigo HB4 como “ilegítima”.
Caso a recomendação do Ministério Público seja efetiva, a solicitação em curso no Brasil para aprovar a comercialização do trigo transgênico seria também automaticamente suspensa.
Iniciativas contra o trigo transgênico no Brasil e na Argentina
Em uma aprovação casada entre Brasil e Argentina, a tecnologia de modificação genética da semente do trigo HB4 permanece como pauta pendente de avaliação pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Enquanto isso, advogados, políticos e ativistas ambientais em ambos os países somam forças para barrar o que seria o primeiro trigo transgênico comercializado no mundo.
Enquanto o Ministério Público Fiscal da Argentina joga luz sobre a deficiência de estudos prévios à aprovação, no Brasil, o projeto de lei que se antecipa à decisão da CTNBio e proíbe o trigo transgênico no país está em vias de passar pela primeira comissão de tratamento na Câmara dos Deputados.
Serão três as comissões que irão tratar o PL: Meio Ambiente, Agricultura e Justiça.
Autor do projeto, o deputado federal Nilto Tatto (PT) destaca que não há um acordo no setor industrial a respeito do novo trigo transgênico, o que poderia explicar a decisão pendente há meses na CTNBio, apesar de que as políticas atuais têm visto com bons olhos a liberação de novos agrotóxicos. Desde o início do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), já se somam quase 1.500 novos agrotóxicos liberados para uso e comercialização nos campos. Em 2019, foram 474; em 2020, 493; e só neste ano, até setembro, foram liberados 411 pesticidas.
“Não conseguimos responder à altura, da forma como gostaríamos, porque podemos dizer que eles têm a maioria no Congresso”, pontua Nilto Tatto. “Essas medidas têm apoio e iniciativa do próprio governo Bolsonaro, já que a bancada ruralista é muito importante na base do governo. É um quadro orgânico que está implementando a agenda. Mas também avalio a importância de entrar com um projeto de lei como esse, que proíba o trigo transgênico, inclusive para ajudar a entrar em um debate maior na sociedade”, destaca.
“A questão do trigo representa o pão de cada dia, é realmente um simbolismo. Precisamos mobilizar a população, porque a própria agenda ambiental e o debate da crise climática, o desmatamento, a fome, são as pautas que começam a dar conteúdo para a campanha de rua pelo Fora Bolsonaro”, conclui.
O deputado federal Neri Gueler (PP-RS) foi designado como relator do projeto de Tatto na Comissão de Meio Ambiente. Ainda não há um parecer sobre a postura da bancada ruralista em relação ao trigo transgênico. Buscado pela reportagem, a assessoria de Neri Gueler não respondeu às solicitações para entrevista até a publicação desta matéria.
Possível aprovação durante as festas de fim de ano
Para o professor e engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, ex-representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio, a Comissão pode aprovar o trigo HB4, caso haja intenção de fazê-lo, durante as festas de fim de ano. “Há uma prática comum na CTNBio que as decisões que geram muita mobilização costumam ser tomadas em dezembro, quando a sociedade está desatenta”, aponta.
Já cultivado em cinco províncias na Argentina, o trigo transgênico ainda não é utilizado na fabricação de alimentos no país vizinho, inclusive por rejeição da própria sociedade civil. No ano passado, a empresa Havanna fez uma tentativa de vender positivamente a parceria com a Bioceres para utilizar o trigo HB4 na confecção de seus alfajores. A ideia não prosperou, barrada pela campanha “Tchau, Havanna”, que reforçou, mais uma vez, a rejeição social aos alimentos transgênicos e seu pacote de venenos.
No caso do trigo transgênico, o gene inserido na semente torna-o resistente ao glufosinato de amônio, agrotóxico potencialmente mais tóxico e cancerígeno que o glifosato — outro elemento químico ligado a problemas de saúde.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a ingestão diária de glifosato admissível para consumo humano é de 0,3 mg por quilo corporal. Para o glufosinato de amônio, a indicação é de 0,02 mg, sendo, portanto, um herbicida 15 vezes mais tóxico do que o já conhecido glifosato.
“Os mecanismos de análise na Argentina são mais flexíveis e mais frágeis do que temos no Brasil”, ressalta Melgarejo. “Deveríamos exigir minimamente a realização de testes de acordo com normas brasileiras para que a nossa população não seja ameaçada.”
Edição: Thales Schmidt