Uma amostra de partículas de plástico recolhida ao largo do Havai. FOTOGRAFIA DE DAVID LIITTSCHWAGER, NAT GEO IMAGE COLLECTION
QUARTA-FEIRA, 19 DE AGOSTO DE 2020
POR LAURA PARKER
O arquipélago das Maldivas, no Oceano Índico, inclui 1192 ilhas. Em 1992, o governo acrescentou mais uma – uma construção artificial que funciona como um aterro sanitário, onde 500 toneladas de lixo são despejadas todos os dias.
Dois dos conceitos de viver numa ilha são particularmente verdadeiros nas Maldivas: a maioria dos bens de consumo tem de ser importada e a maior parte do lixo é produzida pelos turistas. De acordo com estatísticas governamentais, nas Maldivas, um país em desenvolvimento que carece de muita manufatura local, um só turista produz quase duas vezes mais lixo por dia do que um habitante da capital, Malé, e cinco vezes mais que os residentes das outras 200 ilhas habitadas. Consequentemente, esta pequena nação insular foi classificada no ano passado como o quarto maior produtor per capita de resíduos mal geridos no mundo.
Agora, cientistas marinhos da Universidade Flinders, perto de Adelaide, na Austrália, adicionaram outra estatística previsível à história de terror do lixo nas Maldivas – esta cadeia de ilhas, conhecida pela sua rica biodiversidade marinha, também tem os níveis mais elevados do mundo de microplásticos nas suas praias e águas costeiras.
Em 22 locais de Naifaru, a ilha mais populosa, a equipa de Flinders contabilizou concentrações elevadas de microplásticos na areia da praia e nas águas rasas do recife de coral. Para além do enorme volume, a equipa fez uma descoberta ainda mais desanimadora. A maioria das partículas tinha o mesmo tamanho das presas consumidas pelos vários animais marinhos que vivem no recife.
Não são boas notícias para um ecossistema marinho tropical que sustenta mais de 1100 espécies de peixes e 929 outras espécies, desde anfípodes a baleias, bem como 170 espécies de aves marinhas. Todos os 71 peixes-porco recolhidos pelos investigadores tinham plástico no estômago – em média oito fibras por peixe.
“O tamanho dos microplásticos é extremamente importante porque entram nos peixes mais pequenos e invertebrados, que são depois consumidos pelos peixes maiores”, diz Karen Burke Da Silva, bióloga conservacionista da Universidade Flinders e autora do estudo.
As descobertas feitas nas Maldivas, publicadas no dia 2 de agosto na revista Science of the Total Environment, fazem parte de um impressionante corpo de literatura científico publicado este ano que adiciona uma nova perspetiva sobre este flagelo do plástico – e que nos pode ajudar nos esforços para o combater.
Ciclo do microplástico
“Para perceber como é que conseguimos mitigar a poluição por plástico, precisamos de conhecer o seu fluxo”, diz Chelsea Rochman, ecologista marinha da Universidade de Toronto. “Uma coisa é saber que está lá, mas agora precisamos de saber a taxa com que chega a cada lugar – aos pontos de foco e o que acontece com o plástico à medida que se move pelos ecossistemas.”
Apesar de grande parte das primeiras investigações se ter concentrado nos plásticos maiores que se encontram nas praias e a flutuar à superfície da água, os pedaços de plástico menos visíveis e mais omnipresentes espalharam-se praticamente por todos os recantos da Terra, desde as fossas mais profundas dos oceanos até às montanhas mais elevadas. Alguns microplásticos são tão minúsculos que fazem parte da poeira que sopra em torno do planeta, no alto da atmosfera.
Nos últimos anos, os cientistas encontraram microplásticos em milhares de locais. Esta nova investigação marca uma mudança no sentido de descobrir o que Rochman chama de “ciclo de microplástico” – como é que os microplásticos viajam, onde se acumulam e como são transformados durante o percurso.
O termo microplástico refere-se a partículas de plástico que medem menos de cinco milímetros. Existem dois tipos básicos.
Os microplásticos primários, como as microesferas utilizadas nos produtos de higiene pessoal, ou os péletes usados no fabrico de plástico, são intencionalmente fabricados em ponto pequeno. Os microplásticos secundários são a consequência de um dos ativos mais valiosos do plástico: a sua durabilidade. Os microplásticos começam como produtos descartados que são decompostos nos oceanos pela luz solar e pela ação das ondas. Com o tempo, os fragmentos ficam cada vez mais pequenos. E provavelmente sobrevivem durante séculos.
Os cientistas ainda estão a tentar perceber a questão central subjacente à investigação: quais são os danos provocados pela ingestão de microplásticos na saúde humana? Já foram detetados microplásticos na água potável, no sal e noutros alimentos. Até agora, não foram demonstrados efeitos nocivos. Mas para os peixes e para outros animais selvagens marinhos e de água doce, os estudos descobriram que os microplásticos perturbam os seus sistemas reprodutivos, retardam o crescimento, diminuem o apetite, provocam inflamações nos tecidos, danos no fígado e alteram o comportamento alimentar.
Aumento nos oceanos
Em 2015, o fluxo anual de resíduos plásticos nos oceanos vindo das regiões costeiras estava estimado em 8.8 milhões de toneladas. No mês passado, num novo relatório do Pew Charitable Trusts and Systemiq, um grupo de reflexão ambiental sediado em Londres, os cientistas concluíram que cerca de 11% desse fluxo – cerca de 1.4 milhões de toneladas – incluía quatro fontes principais de microplásticos: pneus, péletes de produção, têxteis e microesferas.
Se a “torneira” que escoa plástico para os oceanos fosse fechada amanhã, os microplásticos continuariam a acumular-se durante gerações a partir do lixo que já está no mar. Esta fragmentação continuada dificulta o cálculo sobre a quantidade de microplástico atualmente a flutuar no oceano. A maioria das contagens estima apenas o que está presente à superfície. As contagens feitas por modelos em 2014 colocavam o valor entre os 5.25 e os 50 biliões de peças. Uma nova investigação feita este ano descobriu que essas estimativas eram demasiado baixas.
Uma equipa com membros do Laboratório Marinho de Plymouth, da Universidade de Exeter, do King’s College e do Projeto Rozalia, em Vermont – que forneceu o barco – recolheu amostras das águas costeiras em ambos os lados do Atlântico. Os investigadores usaram redes de malha pequena para recolher nanoplástico [RK7] e fibras que as contagens anteriores não contabilizaram. A estimativa desta parceria, publicada na Environmental Pollution, coloca o total global dos microplásticos entre os 12.5 e os 125 biliões de partículas – pelo menos duas vezes mais elevado do que o número anterior.
“Temos subestimado largamente a quantidade de microplásticos devido aos métodos tradicionais de amostragem”, diz Matthew Cole, ecologista marinho do laboratório de Plymouth e coautor do estudo. “Com redes pequenas o suficiente, é possível revelar este mapa, que de outra forma seria invisível, dos oceanos. E isto é apenas à superfície. O que se afunda não está incluído nestes cálculos globais.”
Há muito tempo que os cientistas reconhecem que o fundo dos oceanos é um escoador importante de microplásticos. Mas sabia-se pouco sobre a sua concentração e distribuição. Uma equipa da Alemanha, França e Reino Unido descobriu agora que as poderosas correntes existentes no fundo do mar desempenham um papel crucial na concentração de microplásticos em pontos específicos – versões no fundo do mar das “ilhas de lixo” flutuantes que se acumulam dentro dos giros das correntes oceânicas à superfície.
Quando a equipa percorreu o fundo do Mediterrâneo, na região a oeste de Itália, encontrou microplásticos acumulados em quantidades nunca antes registadas, mesmo em fossas marinhas profundas. Um único metro quadrado continha uma fina camada de até 1.9 milhões de microplásticos.
Infelizmente, estes pontos críticos também são habitats importantes para esponjas, corais de águas frias e ascídias, que são particularmente vulneráveis aos microplásticos porque são filtradores.
Em terra acontece o mesmo
Os investigadores também estão a encontrar microplásticos em água doce e no solo, ao mesmo tempo que rastreiam potenciais pontos de entrada na cadeia alimentar.
Em 15 zonas fluviais de Gales do Sul, os cientistas investigaram excrementos e regurgitações de melros-d’água e descobriram que estas aves, que se alimentam de invertebrados de água doce que ingerem plásticos, comem cerca de 200 pedaços de plástico por dia – criando oportunidades, concluíram os cientistas, para o plástico subir na cadeia alimentar. Estas descobertas foram publicadas na revista Global Change Biology.
Cientistas da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas descobriram que as práticas agrícolas que usam coberturas de plástico podem representar uma ameaça a longo prazo para a produtividade das culturas. Esta técnica envolve a colocação de folhas de plástico sobre os campos para conservar a humidade, controlar as ervas daninhas e aumentar a temperatura do solo, algo que, por sua vez, pode aumentar a produção entre 25% e 42%. Esta prática é amplamente utilizada nas quintas mais pequenas na China, que representam cerca de 13% da área total de cultivo do país. E a sua utilização está a aumentar na China e pelo mundo inteiro, à medida que a seca piora nas regiões áridas e semiáridas.
As folhas de plástico que normalmente são utilizadas rasgam-se facilmente e degradam-se com o passar do tempo. Noutra investigação, também publicada na Global Change Biology, a equipa concluiu que esta prática poderia ser segura se o plástico fosse recolhido após a colheita. Mas entre os agricultores chineses inquiridos pelos cientistas, 66% disseram que não fazem isso. Os investigadores estimam que mais de meio milhão de toneladas de plástico se acumulam nos solos chineses.
Os fragmentos de plástico alteram a estrutura e a química do solo; os aditivos, como os ftalatos, têm sido associados à contaminação do solo. As culturas plantadas em solo que contém detritos plásticos têm menor rendimento, altura e peso de raiz. E o estudo descobriu que a poluição por plástico já diminuiu a produção de algodão na China.
No ar, por todo o lado
As investigações sobre a forma como os microplásticos se espalham pelo mundo costumavam focar-se nos oceanos. Os movimentos da poeira global foram estudados durante décadas, diz Rochman, mas só recentemente é que os cientistas descobriram que a poeira transporta “quantidades substanciais de microplásticos”.
Janice Brahney, cientista da Universidade Estadual de Utah, “tropeçou” nos plásticos enquanto estudava a forma como os ventos espalham nutrientes, como nitrogénio e fósforo, pela região oeste dos EUA. “Eu estudo a poeira e como esta transporta os nutrientes até ecossistemas remotos”, diz Brahney.
Mas quando examinou amostras recolhidas em 11 parques nacionais e áreas selvagens ao microscópio, Brahney ficou chocada ao encontrar pequenas fibras de plástico.
“Ao início, pensei que tinha contaminado as amostras. Depois, percebi que não devíamos ter ficado surpreendidos.”
Brahney concluiu que anualmente caem mais de mil toneladas de microplásticos nas áreas selvagens e parques nacionais do oeste americano. A sua análise, publicada na revista Science, descobriu que os microplásticos viajavam em diferentes níveis pela atmosfera. As partículas maiores são depositadas em tempo de chuva e provavelmente vêm das proximidades. As fibras mais pequenas e leves viajam longas distâncias entre continentes, tornando-se parte do movimento global de poeira, antes de pousarem no solo, geralmente com o tempo seco.
“O plástico está a cair do céu, e está a cair em cima de tudo”, diz Brahney. “O público deve perceber que, embora estejamos apenas a reparar neste problema agora, isto não é um problema novo. E vai piorar antes de melhorar. Há muitas coisas que não sabemos, é realmente difícil compreender totalmente as implicações dos plásticos que estão absolutamente por todo o lado.”
Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site nationalgeographic.com.