Microbiota humana perde diversidade, e os probióticos são a solução?

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Roxana Tabakman

2 de mai de 2019

“O probiótico é um bom placebo”, disse o Dr. Mario Jose Abdalla Saad, professor de clínica médica e coordenador do Laboratório de Pesquisa em e Diabetes da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FMC-UNICAMP).

Na sessão que lotou uma das salas do XVIII Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO), em São Paulo, o Dr. Mario fez uma revisão atualizada do conhecimento sobre a microbiota intestinal, e afirmou que “examinar a microbiota dos pacientes é possível, mas ainda não deve fazer parte da prática clínica”.

A microbiota dos obesos

Nos últimos anos, a microbiota foi ganhando destaque na etiopatologia da obesidade. “Por que ficamos obesos nos últimos 40 anos? As diferentes teorias são bonitas, mas não servem para explicar a pandemia de obesidade. A microbiota sim. Ao longo da evolução fomos mudando a microbiota em direção a uma microbiota que armazena mais energia”, afirmou o Dr. Mario.

A microbiota do trato intestinal também interage com linfócitos, monócitos e neutrófilos na parede do vaso, e modula a capacidade deles de enfrentarem infecções. [1] “Se a microbiota for boa, haverá uma boa defesa imunológica”, explicou o pesquisador.

Sabe-se que a microbiota do obeso é menos diversificada do que a do indivíduo magro, e tem menos bacteroidetes e mais firmicutes, o que altera a barreira gastrointestinal, fazendo, entre outras coisas, com que o organismo desenvolva resistência à insulina. [2]

O papel do ambiente na composição da microbiota ganhou destaque após a publicação, em 2018, dos resultados de uma extensa análise estatística de dados metagenômicos de uma coorte com mais de 1.000 pessoas (N = 1.046) no periódico Nature[3]

“A análise estatística foi feita em Israel. Todos tinham diferentes backgrounds genéticos –judeus asquenazes e sefarditas, norte-africanos, árabes etc. Mas todos viviam no mesmo ambiente, e tinham dietas semelhantes”, destacou o Dr. Mario.

“Quando estudaram a taxonomia das bactérias, especificamente a quantidade de firmicutes e de bacteroidetes era semelhante.”

Além de demostrar que a genética do hospedeiro tem pouco peso em relação à microbiota intestinal, a equipe do Instituto Weizmann de Ciências, em Israel, criou um índice que descreve a associação entre a microbiota e o fenótipo. Assim, os pesquisadores mediram a importância da microbiota e da genética em diversas variáveis fenotípicas: circunferência do quadril e da cintura, status glicêmico, índice de massa corporal (IMC), glicose em jejum, HbA1c, creatinina e colesterol total.

“Eles comprovaram que o colesterol depende basicamente da genética. É o que vemos na prática, quem tem hipercolesterolemia precisa tomar estatinas, porque fazer dieta não é suficiente para normalizar o colesterol. A altura das pessoas também correspondeu, quase exclusivamente, a fatores genéticos, mas o IMC, a relação cintura-quadril e a hemoglobina glicada dependeram mais da microbiota do que dos fatores genéticos.”

Empecilhos para alterar o microbioma

O trabalho sugere que alterações do microbioma poderiam melhorar a saúde em backgrounds genéticos diversos. Isso é justamente o que todo mundo quer, disse o pesquisador, mas não é tão fácil. “Por enquanto, a manipulação da microbiota dos pacientes não tem muito sentido. Ela até é possível, mas é sempre transitório.”

A pergunta do público não demorou a chegar. “Após a antibioticoterapia devemos dar probiótico?” A resposta foi um rotundo não. Segundo ele, os probióticos são “um bom placebo”.

“Há ao menos um estudo bem feito que indica que não há benefício algum de dar probiótico depois do antibiótico.”

Segundo o Dr. Mario, existe uma explicação de por que os probióticos não deveriam ser indicados: “as bactérias estão na Terra muito antes do que o Homo sapiens, o genoma humano evoluiu do genoma delas”, disse o médico.

Além disso, recentemente, novas técnicas de bioinformática revelaram mais espécies de bactérias do que se imaginava. [4] “Achávamos que havia entre 500 e 1.000 espécies no trato intestinal, mas, há cerca de dois meses, ficamos sabendo que são 1.900 espécies; uma diversidade 281% maior, ou seja, se existem quase 2.000 espécies praticamente desconhecidas, por que eu daria um probiótico contendo três espécies? Que efeito teria? Falar para o paciente ‘use probióticos, isso vai melhorar a sua microbiota’? Não faz sentido.”

“Não é uma ou outra bactéria que fará diferença, há uma relação de simbiose entre elas, e ainda estamos tentando entender qual conjunto ecológico de bactérias está envolvido nos diferentes processos”, disse o médico.

Neste mesmo sentido, o Dr. Mario afirmou que os testes que examinam a microbiota também são desnecessários. “Para que examinar a microbiota dos pacientes se não há o que fazer com os resultados? Transplante de fezes? Indicado unicamente em caso de infecção por Clostridioides difficile”, respondeu.

Modulação da microbiota

Embora ainda não possa ser total e permanentemente modificada, a microbiota pode ser “modulada” afirmou o médico.

“Atualmente sabemos que ao tratar a obesidade, estamos modulando a microbiota; a cirurgia bariátrica, por exemplo, é uma maneira de alterá-la. Todo mundo sabe que depois da cirurgia bariátrica a glicemia cai. Isso tem uma explicação relacionada com a microbiota, que aumenta a resistência à insulina por meio de vários mecanismos, entre eles, a diminuição dos ácidos graxos de cadeia curta e o aumento de aminoácidos de cadeia ramificada (AACR). [5] A melhora após a cirurgia bariátrica certamente é multifatorial, não é apenas uma mudança anatômica ou de alimentação, mas também há mudança na microbiota.”

O Dr. Mario destacou que, “com os tratamentos contra a obesidade estamos alterando a microbiota, sem ainda compreender o fenômeno totalmente”. Estudos mostram que animais obesos tratados por 15 dias com liraglutida perdem peso e o perfil da microbiota muda. “Não é uma mudança drástica em duas semanas, mas, como uma droga injetável é capaz de modular a microbiota? Não sabemos; ainda estamos aprendendo.”

A única coisa que pode ser afirmada é que a microbiota é determinante para a da obesidade. Neste contexto, o especialista ressaltou o papel dos pediatras na construção de uma alimentação saudável.

“Sabemos que a microbiota se instala definitivamente nos três primeiros anos de vida. As pessoas nascem sem microbiota e começam adquiri-la no parto ou imediatamente depois dele.”

O estudo de coprólitos de cemitérios indígenas e de populações rurais africanas, assim como a análise da microbiota de diferentes gerações de pessoas que vivem em diferentes países, mostraram que a microbiota foi perdendo diversidade ao longo da evolução, e se modificando em direção a uma variedade de espécies que propiciam o armazenamento de energia no organismo.

“Temos, na espécie humana, a menor diversidade bacteriana da história, o que certamente está contribuindo para a epidemia ocidental de diabetes, obesidade, hipertensão, doença intestinal inflamatória e doença hepática gordurosa.”

O pesquisador fez um alerta ao final de sua apresentação: é preciso salvar essas espécies da extinção, como fazem os ecologistas, para melhor entendê-las e, quem sabe, no futuro, utilizá-las para povoar novamente o intestino da população.

“Assim talvez possamos prevenir essa série de doenças da civilização ocidental, que certamente é multifatorial, mas na qual a microbiota exerce uma contribuição importante”, concluiu.

O Dr. Mario Jose Abdalla Saad informou não ter conflitos de interesses relevantes ao tema.

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