Apreensão ilegal de madeira da Amazônia. Mesmo assim, Ibama permite e acoberta o crime
Ciro Barros
22.nov.2021
Investigação da PF aponta comercialização de árvores ameaçadas de extinção.
SÃO PAULO | AGÊNCIA PÚBLICA
Akuanduba é uma divindade da mitologia dos indígenas Araras, que habitam o estado do Pará. Segundo a lenda, se alguém cometesse algum excesso, contrariando as normas, a divindade fazia soar uma pequena flauta, restabelecendo a ordem.
Foi dessa lenda dos Araras que a PF (Polícia Federal) tomou emprestado o nome que batizou a operação de investigação deflagrada em maio deste ano que mira o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, que chegou a ser afastado por 90 dias da presidência da autarquia ambiental como medida cautelar, e outros agentes públicos e empresários do ramo madeireiro com suspeitas de irregularidades em processos de exportação de madeiras.
Seis meses após a Operação Akuanduba, a Agência Públicatraz novas informações sobre quanto de madeira foi exportada e quais países e empresas receberam o produto durante os 15 meses em que vigorou a medida do Ibama 7036900/2020, entre fevereiro de 2020 e maio de 2021, e que está no cerne da operação da PF.
Área desmatada no município de Apuí, na região sul do Amazonas – Lalo de Almeida – 20.ago.2020/Folhapress
A investigação aponta que as exportações de madeira foram facilitadas pelo despacho que tornou obsoleta uma instrução normativa (15/2011) que estabelecia que as exportações de madeira necessitavam de autorização específica do Ibama e previa procedimentos mais rigorosos para o controle de exportação, como inspeção de cargas por amostragem.
O despacho foi suspenso em maio por determinação do ministro do STF Alexandre de Moraes. Na decisão, Moraes afirmou que, de acordo com os trabalhos feitos pela PF com dados, depoimentos e documentos, as investigações apontariam “para a existência de grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais”. Para Moraes, há suspeitas de participação do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e também do presidente do Ibama, Eduardo Bim, no suposto esquema.
Também estão entre os investigados funcionários nomeados por Salles no Ibama, além de empresas do ramo madeireiro, sobretudo as vinculadas à associação paraense Aimex (Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Estado do Pará).
Segundo levantamento inédito da Agência Pública, somente as madeireiras associadas à Aimex exportaram 174 mil toneladas de madeira desde o início do governo Bolsonaro — 57% destas exportações (cerca de 100 mil toneladas) ocorreram na vigência do despacho do Ibama.A reportagem analisou ainda que as empresas vinculadas à Aimex comercializaram, entre fevereiro de 2020 e maio de 2021, pelo menos 12,5 mil toneladas de madeira de espécies florestais consideradas ameaçadas pelo SFB (Serviço Florestal Brasileiro) como, por exemplo, o angelim-pedra, o cedro-rosa, a cerejeira, a itaúba e a garapeira.
Os dados foram obtidos em parceria com o CLIP (Centro Latinoamericano de Investigación Periodística) a partir da plataforma Panjiva, uma base de informações comerciais e inteligência de mercado mantida pela S&P Global.
Segundo os dados da Panjiva, o volume de madeira comercializado foi maior nos 15 meses em que vigorou o decreto do Ibama do que entre os anos de 2016 e 2019 —quando 11 mil toneladas de madeira de espécies consideradas ameaçadas foram comercializadas pelas empresas.
Desmatamento – novembro de 2021 – em amarelo
As espécies encontradas na base de dados do Panjiva, apesar de estarem em risco segundo a classificação do SFB, podem ser comercializadas legalmente. Para extrair madeira legalmente no Brasil, é necessária a aprovação de um plano de manejo florestal nas secretarias estaduais de meio ambiente.
Não é possível averiguar, a partir da base de informações consultadas, a quais planos de manejo a madeira comercializada está vinculada. Após a deflagração da Operação Akuanduba, a Aimex divulgou nota em que defende que a madeira é legal.
França, EUA, Japão, Alemanha e Bélgica foram os países que mais registraram envios de madeira considerada ameaçada pelo Serviço Florestal Brasileiro enquanto vigorou o decreto do Ibama investigado.
As madeiras campeãs de envios no período foram o angelim-pedra, a itaúba, a garapeira e a cerejeira, consideradas vulneráveis pelo SFB e usadas na construção civil e naval devido à sua resistência e durabilidade.
A exportação de madeira não se deu, porém, de maneira homogênea entre as associadas da Aimex, segundo a análise de dados da Agência Pública. Seis empresas foram responsáveis por 78,5% dos envios de madeira considerada ameaçada enquanto vigorou a medida do Ibama.
Entre as empresas que mais exportaram estão a Ebata Produtos Florestais Ltda e a Tradelink, implicadas na investigação da PF. Ambas partilham de um passado comum: autuações por infrações ambientais, ações na área socioambiental nas justiças federal e estadual e conflitos socioambientais. Procurada, a Ebata não se manifestou até a publicação.
A Tradelink afirmou a respeito da Operação Akuanduba que todas as suas operações “foram legais e obedeceram às regras do IBAMA e à interpretação adotada pelo órgão ambiental quanto à legislação pertinente”. Sobre a Operação Akuanduba, a empresa afirmou que “é uma investigação e nenhuma das alegações foi provada”.
Em manifestações recentes, a Aimex criticou as decisões judiciais e o trabalho da Polícia Federal no âmbito da Operação Akuanduba. Em nota divulgada publicamente, a associação afirmou que atua “na defesa dos interesses de seus associados e do setor florestal de maneira firme, mas absolutamente honesta, legítima e democrática”. Procurada pela Agência Pública, a Aimex não se manifestou.
*Esta reportagem faz parte do Especial Amazônia Sem Lei, da Agência Pública — apublica.org e contou com a colaboração do CLIP (Centro Latinoamericano de Investigación Periodística)