Mais do que nunca nossas roupas são plásticas. E daí?

Mar E Roupas

Christina Animashaun/Vox

Roupas sintéticas mostram comprometer a sobrevivência ambiental do planeta. Parece inacreditável, elas não eram inócuas? As informações mostram o contrário.

 

 

https://www.vox.com/the-goods/2018/9/19/17800654/clothes-plastic-pollution-polyester-washing-machine

 

Quanto de fibras plásticas estão sendo dispersadas, nos oceanos, por nossa máquina de lavar roupas?

 

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The Goods

 

Não é mais segredo de que muitos dos produtos plásticos que estamos usando, estão acabando nos oceanos. Mas talvez não estejas ainda ciente de que a maior fonte desta poluição é: nossas roupas.

Poliéster, nylon, acrílico e outras fibras sintéticas — todas são formas de resinas plásticas — são agora (now) em torno de 60% do material que se faz nossas roupas em todo o mundo. Fibras plásticas sintéticas são baratas e extremamente versáteis, proporcionando elasticidade e respirabilidade em conforto, calor e robustez nas roupas de inverno.

Estas fibras contribuem para a poluição plástica nos oceanos de maneira sutil, mas persistente: os tecidos que são feitos com elas — incluindo as misturas com fibras naturais — liberam-se deles e imiscuem-se nos ambientes logo após terem sido lavados. As estimativas variam, mas é possível que uma única carga de lavagem de roupas possa libertar centenas de milhares destas fibras, destas roupas, para os mananciais hídricos.

E essas pequeníssimas fibras – com menos de 5 milímetros de comprimento, com diâmetros medidos em micrômetros (um milésimo de milímetro) – podem finalmente alcançar os oceanos. Lá, elas estão aumentando a poluição microplástica (microplastic pollution) que está se acumulando na cadeia alimentar e sendo ingerida por todos os tipos de vida marinha, e até por nós mesmos. A maior parte do plástico que está no oceano não está na forma de produtos inteiros, como xícaras ou canudos, mas sim fragmentos deles quebrados.

“Pense em quantas pessoas estão lavando suas roupas diariamente e quantas roupas todos nós temos”, diz Imogen Napper, um cientista marinho da Universidade de Plymouth, co-autor de um estudo de 2016 sobre fibras plásticas que se desprendem de nossas roupas. “Mesmo quando estamos andando por aí, não lavando roupas, pequenas fibras sempre estão saindo das roupas que estamos vestindo. Enfim, elas estão por toda parte.”

Em todo o mundo, existem agora sólidos movimentos para se reduzir o uso de alguns dos produtos que acabam nos oceanos, tais como copos plásticos e sacos de supermercado e de compras. Talvez já tenhas ouvido falar da proibição dos canudos plásticos (plastic straw bans). À medida que buscamos soluções para este ponto central da poluição plástica, precisamos reconhecer que nossa roupa também é uma importante parte deste problema e que precisamos ser parte da solução.

Muito do problema da poluição com os microplásticos está relacionada com as roupas plásticas

Consideremos o fiapo que recolhemos de nossa secadora. Este fiapo é uma pequeníssima parte de nossa roupa que se soltou e por isso capturada pela tela do filtro.

Da mesma maneira, as fibras sintéticas se soltam na lavagem da roupa — mas elas são tão pequenas, não havendo telas e filtros nas máquinas que possam capturá-las. Em vez disso, estas minúsculas fibras plásticas passam e vão para as estações de tratamento de esgoto que na maioria das vezes não dispõem de filtros com malhas finas suficiente para retê-las. (E caso retidas, elas poderiam acabar num outro subproduto das estações: fertilizante feito da lama.) As águas residuais tratadas são muitas vezes lançadas nos rios ou nos mares, impregnadas de fibras de roupas sintéticas (plastic clothing fibers), como um estudo de 2011 constatou.

Em 2016, Napper e um colega desenvolveram um teste (designed a test) para constatar quanto destas fibras poderiam ser eliminadas na lavagem. Eles montaram uma máquina de lavar roupa com abastecimento frontal da marca Whirlpool com um filtro especial para coletar pequenas fibras. Eles testaram amostras de três tipos de tecidos: uma camiseta de poliéster-algodão, um capuz de poliéster e um suéter de acrílico. Depois de algumas lavagens (todas as roupas perdem mais quando são novas), o tecido acrílico é o que mais libera, seguido pelo poliéster e depois pela mistura de poliéster.

Christina Animashaun/Vox

 

“Descobrimos que em uma típica lavagem de roupa, 700.000 fibras poderiam ser liberadas”, disse Napper. Outros estudos surgiram com estimativas diferentes. Um documento (paper) de 2011 descobriu que 1.900 fibras poderiam ser liberadas de uma única peça sintética em uma lavagem; outra situação estimada (estimated) é de que 1 milhão de fibras poderiam ser liberadas na lavagem de uma vestimenta de fleece feita de poliéster.

É difícil identificar a quantidade exata de poluição plástica em cada lavagem, pois existem muitas variáveis que podem contribuir para a perda de fibras ou não: a confecção das roupas, materiais usados, temperatura da água, tipo de detergente, amaciante de roupas, quão cheia a máquina está, etc. Um estudo descobriu (found) que as máquinas de lavar roupa com o abastecimento de roupas na parte superior liberam sete vezes mais microfibras do que as que têm o abastecimento frontal.

Christina Animashaun/Vox

 

E, mesmo que a quantidade de plástico dispersa pela carga da máquina seja pequena, medida em miligramas, ela vai se somando a outras. Um artigo publicado na revista Environmental Science and Technology estimou (estimated) que “uma população de 100.000 pessoas produziria aproximadamente 1,02 kg de fibras por dia”. São mais de 370 kg por ano de fragmentos pequenos, individuais, de plástico.

E parte disso alcançará o oceano. “Uma grande proporção será pega pelos trabalhos de tratamento de esgoto, [mas] mesmo essa pequena proporção que realmente se libera, vai se acumulando”, diz Napper. E uma vez que os plásticos estejam no ambiente oceânico, “não há uma maneira eficaz de removê-los”.

Estas minúsculas partículas plásticas podem encontrar seus caminhos direto às dietas da vida marinha (diets of marine life) e acumulam-se ao longo da cadeia alimentar.

Microplásticos podem ser tóxicos para a vida selvagem (can be toxic to wildlife) por si mesmos, mas eles também podem agir como esponjas, absorvendo outras substâncias tóxicas dispersas pela água. Pior ainda, podem ser ingeridos por todos os tipos de vida marinha e se acumularem na cadeia alimentar. Um estudo recente (study) descobriu que cerca de 73% dos peixes capturados nas profundezas do oceano no noroeste do Atlântico tinham microplástico em seus estômagos.

“Sabemos muito pouco sobre os impactos das microfibras na saúde tanto dos animais não humanos como das próprias pessoas”, explicou Mary Catherine O’Connor, repórter (reporter) da Ensia (nt.: periódico apoiado pela Universidade de Minnesota), recentemente em uma excelente série sobre a poluição por microfibras de plástico. “Mas o que sabemos sugere uma necessidade de pesquisa adicional”.

Aparentemente, para onde os cientistas olham, eles estão encontrando fibras de plástico contaminando o meio ambiente ( they’re finding plastic fibers contaminating the environment). Freqüentemente, as fibras têxteis plásticas são a fonte dominante de poluição plástica encontrada nas pesquisas. Fibras plásticas foram encontradas nos sedimentos nas cercanias das praias, nas matas que formam os mangues e no gelo do Ártico (in Arctic ice) – até mesmo nos produtos que comemos e bebemos (drink). “A média de ingestão das pessoa vai a mais de 5.800 partículas de detritos sintéticos” por ano, segundo descobertas (finds) citadas num recente artigo publicado no periódico PLOS (nt.: sigla das publicações científicas albergadas na Public Library of Science). E a maioria dessas partículas são fibras plásticas.

Um estudo de 2017, ao longo das margens do rio Hudson, no estado de Nova York, sobre a poluição por microplásticos descobriu que o rio transporta cerca de 150 milhões de microfibras de plástico para o oceano Atlântico todos os dias (Atlantic ocean every day). É difícil dizer se essas fibras entraram no rio a partir de estações de tratamento de águas residuais ou escoamento de águas pluviais, ou apenas flutuaram no ar, mas, como diz Napper, “estão por toda parte”.

É difícil dizer quanto microplástico de tecidos sintéticos contribui para o problema da poluição global nos oceanos.

Em razão de serem os microplásticos tão pequenos – e muitos deles acabarem no oceano profundo ou mesmo depositados nos pisos dos mares – torna difícil obter-se um levantamento preciso deles. Dito isso, um relatório (report) da União Internacional para a Conservação da Natureza de 2017 estimou que cerca de 35% dos microplásticos que entram nos oceanos vêm através dos tecidos sintéticos. Também destacou como sendo este um problema global: têxteis sintéticos são mais comuns em países em desenvolvimento (nt.: estranhamente os tecidos sintéticos são muito mais baratos no varejo do que os naturais, permitindo a febre do consumismo e do desperdício nas classes economicamente mais pobres e desinformadas), que geralmente não têm estações de esgoto e águas residuais robustas para filtrá-los.

Independentemente da proporção exata, “sem dúvida”, escreve Flavia Salvador Cesa, pesquisadora de microplásticos da Universidade de São Paulo, em um e-mail, que “as fibras são um importante contribuinte para a poluição plástica”.

E lembrar-se, sempre: o plástico levará centenas, provavelmente milhares, de anos para se degradar. Todo o material plástico que hoje estivermos permitindo que chegue aos oceanos, ali permanecerá por gerações.

Assim, o que podemos fazer quanto a isso?

Parece haver uma fácil solução para este problema de nossas roupas sintéticas desprenderem fibras plásticas: basta comprar roupas com fibras naturais ou menos consumismo de roupas em geral.

Efetivamente, não deveria ser um luxo ter-se mais consciência ambiental. Mesmo que, muitas vezes, as roupas sintéticas sejam bem mais acessíveis.

Para que uma solução seja viável, ela “precisa ser acessível a todos”, diz Napper. Muitas vezes, um consumidor ambientalmente consciente é um cidadão mais rico. Assim, não se pode esperar que todos possam comprar canudos de aço inox, em vez de plástico, ou mesmo garrafas de água de vidro. É o mesmo que falar algo a quem não pode acessar de que tudo seja de algodão orgânico, lã ou mesmo roupas de cânhamo (lembrar que tecidos naturais podem pressionar o ambiente de outras maneiras, como exigir grandes quantidades de água –requiring huge amounts of water–  para serem produzidos).

Christina Animashaun/Vox

 

As soluções precisam ser mais sistêmicas. E podem começar com nossas máquinas de lavar roupa.

“As máquinas de lavar roupa precisam ser projetadas para reduzirem as liberações de fibras para o ambiente; no momento elas não fazem isso”, diz Mark Browne, um cientista ambiental da University College Dublin, que encontrou evidências (found evidence) de poluição por microfibras provenientes de estações de tratamento de águas residuais. Atualmente, Imogen Napper trabalha num projeto para verificar se filtros para estas fibras nas máquinas de lavar seriam uma solução viável.

Os fabricantes de têxteis também poderiam projetar tecidos que liberassem menos fibras e as confecções de vestuários poderiam utilizá-los, além dos consumidores serem mais conscientes.

“Ainda sabemos muito pouco sobre como minimizar os impactos ambientais da lavagem de nossas roupas”, diz Cesa. Mas há duas recomendações gerais para os consumidores: comprar menos roupas e “lave apenas quando necessário”.

Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, setembro de 2018.