Cidade do México, México, 19/1/2012 – Os povos indígenas do sudeste do México exigem participar dos programas oficiais para aproveitar o interesse mundial pela “profecia maia”, enquanto temem o desencadeamento de um “turismo apocalíptico” que afete e contamine seus locais sagrados.
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por Emilio Godoy, da IPS
Templo das Mil Colunas de Chichén Itzá, na península de Yucatán. Foto: Creative Commons
Organizações indígenas denunciaram à IPS sua exclusão do projeto do plano promocional Mundo Maia, lançado pelo governo no dia 16 para atrair visitantes locais e estrangeiros às zonas indígenas dos cinco Estados onde se localizam dezenas de antigas cidades.
“Não ouvem nossa voz, continuam agindo sem nos levarem em conta. Somente os consócios vão se beneficiar”, disse à IPS Artemio Kaamal, coordenador-geral do não governamental Fórum Permanente sobre Política Indígena Kuxa’ano’on (vivemos, em língua maia). “O foco é comercial, prescindindo de nossa cultura, nossas raízes e nossas práticas”, acrescentou. A entidade, fundada em 2005, atua nos Estados de Campeche, Chiapas, Quintana Roo, Tabasco e Yucatán, para defender os direitos dos povos indígenas no México.
A onda de atração mundial pela civilização maia em 2012 alimenta-se de interpretações de que seu calendário estabelece que em 21 de dezembro ocorrerão grandes catástrofes e o fim do mundo, algo negado pelos sábios e representantes de seus próprios povos. A campanha do governo conservador de Felipe Calderón se desenvolverá em seu próprio país, nos Estados Unidos, na Europa e Ásia, e centra-se em promover a região da Mesoamérica, onde floresceu a civilização maia, que se estende pelo que agora constitui o sudeste mexicano, mais Belize, Guatemala, El Salvador e Honduras.
Com investimento de US$ 49 milhões, o México espera receber 52 milhões de turistas nacionais e estrangeiros e arrecadar cerca de US$ 14 bilhões. O programa Mundo Maia inclui uma série de atos gastronômicos, arqueológicos e astronômicos. O calendário maia estabelece que o chamado período 13 Baktún finaliza em 21 de dezembro, data do solstício de inverno no hemisfério norte, o que alimenta as previsões apocalípticas. Este período começou, segundo os historiadores maias, no dia 11 de agosto de 3114 antes de Cristo e ao terminar terá início um novo ciclo de uma chamada conta longa de 144 mil dias, semelhante ao que termina.
O programa e as promoções pautadas centram-se na contribuição da cultura maia, sem nenhuma referência às interpretações apocalípticas sobre o significado deste fim de ciclo em seu calendário, que sábios e historiadores indígenas qualificam de incorretas, quando não de manipuladas ou histéricas. “Nossos associados do centro e sul do país nos disseram desconhecer as atividades oficiais, apesar de estarem programadas para seus territórios. Queremos deixar claro que não é uma questão de filme ou de folclore, mas de um suceder histórico, de geração em geração, uma herança espiritual”, disse à IPS Cecilio Solís, presidente da Rede Indígena de Turismo do México (Rita), criada em 2002 por 32 sócios, que aglutina 160 empresas indígenas com cinco mil membros e 20 mil beneficiários.
Dos 112 milhões de habitantes deste país, 6,6 milhões são indígenas, segundo o censo de 2010 do Instituto Nacional de Estatística e Geografia, cujo registro restringe os moradores originários a pessoas com mais de cinco anos que falam a língua ancestral. Desse total, 786 mil são maias. Contudo, organizações indígenas elevam para mais de dez milhões os integrantes das diferentes etnias que sobrevivem no México. Até a conquista espanhola no Século 16, no território predominavam os astecas, mas os maias exerceram grande influência no sudeste, por suas expressões artísticas e conhecimentos científicos e astronômicos.
Atualmente, calcula-se que existam no México 1,2 milhão de micro e pequenas empresas assentadas em territórios indígenas, com média de 25 trabalhadores cada uma. A Pesquisa Nacional da Discriminação no México de 2010 constatou que os principais problemas percebidos pelas minorias étnicas são discriminação, pobreza e apoio do governo. Esse instrumento mostra que quase quatro em cada dez membros de um grupo étnico consideram que não têm as mesmas oportunidades que os demais para conseguir emprego, e três em cada dez acreditam não ter as mesmas oportunidades para receber ajudas governamentais.
“Tememos que nossos locais sagrados sejam afetados. Por isso nos preocupa mais a atenção estrangeira. Esperamos que os recursos cheguem às nossas comunidades”, ressaltou Kaamal. Os empresários originários do México lançaram, no dia 17, o primeiro Centro Empresarial Indígena, na cidade de Toluca, a 66 quilômetros do norte da Cidade do México, que conta com 40 filiados. A meta é constituir este ano outras 24 organizações similares que sejam o germe da Câmara Empresarial Indígena do México.
As companhias indígenas dedicam-se a atividades que vão do ecoturismo à extração de minerais, sem que haja estatísticas de sua contribuição para a economia. A Universidade Autônoma do México realiza um estudo sobre o valor desse setor. “Vemos um processo de reencontro, de reconstrução, de reunião entre os diferentes povos indígenas. Vemos também iniciativas que não são apenas de autossustento, mas que impulsionam uma economia local que é uma válvula de escape diante das pressões” sociais e econômicas, destacou Solíz.
A organização Rita pertence ao Conselho Indígena Mesoamericano e ao movimento autóctone continental Abya Yala (terra que floresce, em língua cuna e que designa a América). Com elas a rede coordena atividades relacionadas com a mudança de ciclo. As agrupações indígenas querem fortalecer a organização de seus povos, interagir com instituições regionais e preparam atividades sobre assuntos espirituais, mudança climática, proteção da biodiversidade e a reivindicação dos direitos indígenas. “Temos de buscar uma maneira de nos organizarmos e nos aproximarmos de outros povos indígenas. Nos falta confluir em uma só organização para definir o rumo de nosso destino”, ponderou Kaamal.
(IPS)