Lutando por justiça contra o herbicida -Glifosato- como causador de cânceres

Chadi Nabhan, MD, MBA, e seu novo livro.

https://www.ehn.org/monsanto-weedkiller-cancer-2659749162.html

Graça van Deelen

07 de abril de 2023

Em um novo livro, uma testemunha especialista nos julgamentos da Monsanto dá uma olhada nos bastidores da batalha legal.

Já se passaram quase oito anos desde a apresentação do primeiro processo nos EUA alegando que o herbicida Roundup e outros herbicidas fabricados pela Monsanto podem causar linfoma não-Hodgkin (NHL/non-Hodgkin lymphoma).

O processo deu início a um litígio nacional que incluiu mais de 100.000 queixosos e revelou segredos corporativos há muito ocultos.

Depois que os demandantes venceram os três primeiros julgamentos, a Bayer AG, que comprou a Monsanto em 2018 quando o primeiro julgamento do Roundup estava em andamento, concordou em pagar mais de US$ 11 bilhões para tentar resolver o litígio e prometeu retirar o Roundup e outros produtos à base de glifosato do mercado consumidor americano. Embora a maioria dos queixosos já tenha feito um acordo, muitos optaram por sair do acordo e os julgamentos nos Estados Unidos continuam.

Chadi Nabhan, MD, MBA, um especialista em linfoma anteriormente da Universidade de Chicago, tem sido uma importante testemunha especialista em muitos dos casos dos queixosos, incluindo aqueles que venceram os três primeiros julgamentos.

Em seu novo livro, Toxic Exposure: The True Story Behind the Monsanto Trials and the Search for Justice, Nabhan dá aos leitores uma visão dos bastidores de como ele e outros especialistas que trabalham para os advogados dos queixosos montaram um complicado quebra-cabeça científico feito de numerosos estudos para convencer os jurados da responsabilidade da empresa e da ligação entre o Roundup e o NHL.

O livro detalha como foi para Nabhan se juntar à luta contra a Monsanto, explica como os julgamentos afetaram a trajetória de sua vida e destaca as lutas enfrentadas pelos queixosos que sofrem de câncer. O Environmental Health News conversou com Nabhan para discutir a ligação entre o Roundup e o NHL, suas experiências nos testes e o que ele acha que o público deveria saber.

P: Por que foi importante para você compartilhar sua experiência com os leitores e o que você espera que eles tirem de seu livro?

R: Quando passei por esses três julgamentos, havia muitas informações que aprendi por meio de minha própria pesquisa, bem como por meio de procedimentos legais, que suspeitei que o público em geral não conhecesse. Eu sinto fortemente que tornar as pessoas conscientes das informações sobre o Roundup e sua ligação com o linfoma não-Hodgkin é fundamental.

Em fevereiro de 2019, fui interrogado pelo advogado da Monsanto, Brian Stekloff. E uma das coisas com as quais ele me desafiou foi que eu não estava saindo pelo país e contando às pessoas sobre o Roundup, seus riscos e sua associação com câncer e linfoma. E minha resposta foi que eu não sabia que poderia, já que os julgamentos estavam em andamento. Ele me disse, na frente do juiz: “Não, na verdade, você pode”. No minuto em que ele disse isso, comecei a pensar na melhor maneira de compartilhar essas informações com o público. Escrever um livro para o público em geral parecia ser a melhor maneira de disseminar a informação de forma ampla.

Minha esperança é aumentar a conscientização sobre a ligação científica entre o Roundup e o linfoma não-Hodgkin. Espero que os leitores realmente entendam como cheguei à conclusão de que o Roundup não é seguro e que os pacientes precisam estar cientes dos riscos. Também espero que o consumidor em geral não leve as coisas pelo que aparece o tempo todo. Não há problema em ser cético e fazer perguntas. A Monsanto sempre afirmou que, se a Agência de Proteção Ambiental (EPA) dizia que o glifosato era seguro, então era seguro. Acho que o que os leitores vão notar é que só porque a EPA disse que é seguro, não significa necessariamente que seja seguro. Eu realmente espero que isso leve mais pessoas a fazerem perguntas críticas, porque, em última análise, todos nós poderíamos estar no lugar desses pacientes.

P: Desde 1974, mais de 1,7 milhão de toneladas de herbicidas à base de glifosato foram pulverizados em campos, gramados e jardins em todo o mundo, tornando enormes os impactos potenciais do Roundup e produtos similares na saúde humana. Você pode explicar a ligação entre o Roundup e o linfoma não-Hodgkin? Como você chegou às conclusões que fez sobre esse link?

R: Sempre que você quiser tentar explorar a causa e a associação entre um composto e o desenvolvimento de câncer, como o linfoma não-Hodgkin, você deve examinar a totalidade das evidências. Você não pode olhar para uma evidência e ignorar outra. Então, primeiro, olhamos para os estudos mecanísticos: há evidências de que as células humanas, quando expostas ao glifosato, desenvolvem danos em seu DNA? Em segundo lugar, examinamos os estudos com animais. Existem estudos em animais para demonstrar que a exposição ao Roundup ou ao glifosato causa tumores ou câncer em animais? Em terceiro lugar, examinamos os estudos epidemiológicos. Então, há evidências epidemiológicas de que as pessoas expostas ao glifosato têm um risco maior de desenvolver câncer ou linfoma não Hodgkin do que as pessoas não expostas?

Temos que juntar todos esses tipos de pesquisa para chegarmos à conclusão de que existe uma conexão. Desde que os ensaios foram concluídos, houve mais artigos que mostraram a ligação entre o Roundup e o desenvolvimento de linfoma não-Hodgkin. Na verdade, havia um artigo publicado há algumas semanas que mostrava que o risco de desenvolver linfoma não-Hodgkin após a exposição ao glifosato é quase o dobro do risco de pessoas que não foram expostas. Então, mais evidências continuam surgindo.

Isso não significa que todas as pessoas que pulverizam o Roundup desenvolverão linfoma não-Hodgkin. E isso não significa que o Roundup cause todos os casos de linfoma não-Hodgkin. Então eu acho que a gente tem que ter cuidado. Mas o Roundup poderia causar linfoma não-Hodgkin em alguns pacientes? Sim. Essa é a questão principal.

P: O que os testes lhe ensinaram sobre o sistema regulatório dos EUA e se ele protege o público com sucesso?

R: O Roundup foi vendido comercialmente pela primeira vez nos Estados Unidos e em todo o mundo em 1974 e, na época, a EPA era uma agência muito jovem (nt.: ela foi fundada em 1970, por Richard Nixon que se sentiu pressionado pelo movimento da sociedade sobre as questões ambientais que se tornavam cada vez mais explícitas). Não tinha tantos cientistas, tantos epidemiologistas ou tantos especialistas como tem agora.

O que sabemos dos registros regulatórios é que alguns estudos iniciais apoiados pela Monsanto revelaram-se fraudulentos, e um estudo muito grande que a empresa submeteu à EPA inicialmente levou os cientistas a dizerem que o glifosato deveria ser classificado como possivelmente cancerígeno. Mas a EPA acabou revogando as opiniões de seus cientistas de nível inferior e concordou com a Monsanto que o glifosato deveria ser classificado como provavelmente não cancerígeno.

O que aconteceu com a Monsanto e o Roundup deve nos fazer exigir um maior nível de escrutínio e rigor das agências reguladoras. Fiquei muito desapontado com a EPA continuando a dizer que o glifosato é seguro, e foi uma alegação na qual a Monsanto sempre confiou. Estou muito feliz que a equipe jurídica e o júri tenham conseguido ver esses argumentos, mas me preocupo muito com algo semelhante acontecendo no futuro.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, abril de 2023.