Livro sobre genocídio Waimiri-Atroari é lançado e respalda trabalho da CNV do Amazonas.

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A editora Curt Nimuendajú acaba de lançar mais uma obra que já nasce clássica para a historicidade Ameríndia e chega aos leitores cumprindo dois papeis: o primeiro de passar a limpo a história recente dos povos indígenas; o segundo de denunciar um dos mais atrozes massacres promovidos pela (1964-1985): o assassinato de 2 mil Waimiri-Atroari, entre 1972 e 1977, para fins da abertura da BR-174, ligação entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR).

 

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/538427-livro-sobre-genocidio-waimiri-atroari-e-lancado-e-respalda-trabalho-da-cnv-do-amazonas-

 

 

A reportagem é de Renato Santana e publicada pelo portal doCimi, 11-12-2014.

No escopo dos trabalhos do Comitê Estadual de Direito à Verdade, à Memória e à do Amazonas, A Ditadura Militar e o Genocídio do Povo Waimiri-Atroari: por que kamña matou kiña é fruto da pesquisa que fundamentou o 1º Relatório deste comitê. Tal como em As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, o livro relata em detalhes, com base em farta documentação e literatura indigenista, como os militares massacraram aldeias inteiras utilizando bombas químicas, com o mesmo potencial devastador do napalm utilizado pelo Exército estadunidense no Vietnã, metralhadoras e ataques aéreos impiedosos.

O livro, portanto, cumpre um outro papel: de não deixar cai no esquecimento o genocídio contra os Waimiri-Atroari no contexto de estabelecimento da Comissão Nacional da Verdade (CNV), pela Lei 12528, de 2011, que pretende investigar crimes cometidos contra os , entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, e, conforme declarou recentemente seu presidente, Pedro Dallari, pedir a punição de mais de 100 militares responsáveis por atentados, assassinatos, torturas, desaparecimentos e toda sorte de arbítrio fundamentado em poderes estabelecidos por golpes contra a .

Então, por que kamña matou kiña A pergunta era comumente ouvida pelos indigenistas do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Egydio e Doroti Schwade, durante o processo de alfabetização dos Waimiri-Atroari em sua língua materna, sobreviventes do massacre. Narrações, desenhos e histórias terríveis, de assassinatos, correrias, desaparecimentos e mortes, com aviões jogando bombas sobre as aldeia, descrevendo como o genocídio ocorreu, chegavam ao casal indigenista que passou a investigar o que havia ocorrido e a registrar tudo aquilo que os Waimiri lhes relatavam.

A obra é, antes de tudo, um apanhado articulado das histórias dos próprios Waimiri. “Civilizado matou com bomba”, escreveu Panaxi ao lado de um dos desenhos reveladores do massacre. O waimiri ainda identificou pelo nome os assassinados: Sere, Podanî, Mani, Priwixi, Akamamî, Txire, Tarpiya. Assim, numa série impressionante, outros e mais outros Waimiri desenharam e escreveram nomes de mortos, compondo umaGuernica amazônica – referência ao quadro de Pablo Picasso que retrata o povo da cidade que concede nome à obra massacrado pelas tropas de Francisco Franco durante a Guerra Civil Espanhola.

Todos estes relatos colhidos por Egydio e Doroti durante o processo de alfabetização dos Waimiri estão no livro e, portanto, no relatório da comissão. O livro demonstra como tal massacre ocorreu de forma planejada, como política de Estado, comandada por generais. Nas palavras do jornalista e ex-editor do jornal Porantim, onde os primeiros relatos deste genocídio foram publicados, José Ribamar Bessa Freire, que assina o prefácio do livro, trata-se da cartilha de Rondon no trato com os povos indígenas, mas pervertida e ao contrário: “Matar ainda que não seja preciso; morrer nunca”. Empresas de jagunços subordinadas ao Comando Militar da , especializados em “limpar a floresta”, faziam também o trabalho sujo, mas tudo com o consentimento dos militares.

No lugar das aldeias devastadas, , usinas , estradas. A Mineração Taboca, por exemplo, que se instalou sobre aldeias Waimiri destroçadas pelo fogo militar entre 1979 e 1988, negou e abafou que, mesmo passado alguns anos do genocídio, outros indígenas ainda estivessem circulando pelo local. Fato é que em 1985 estes indígenas, então desconhecidos, apareceram no canteiro de obras da hidrelétrica do Pitinga. Poucos dias depois o motorista de uma carreta os avistou: seis homens e duas mulheres. Depois disso nunca mais foram vistos. Todavia, a razão é aparente e comprovada no livro: a Sacopã, empresa de jagunços comandada por dois ex-oficiais do Exército e um então da ativa, assassinou estes indígenas – que seguiram desconhecidos, mas não esquecidos.

A obra desvela a arqueologia da de um grupo indígena massacrado que na redemocratização foi cercado pelo governo brasileiro. Em 2013, durante audiência com integrantes do povo , executivos da Eletrobrás, numa vã tentativa de convencer os indígenas do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, afirmaram que a ação junto aos Waimiri por conta da usina de Balbina, construída ainda na ditadura, só trouxe benefícios para eles. A essa tentativa de esconder o passado sangrento, a família Schwade foi obrigada a se retirar da comunidade, por ordem do então presidente da , Romero Jucá, político de Roraima subserviente e beneficiário das vilanias e devastações causadas por empresas de mineração.

O conteúdo resvala na linguagem etnográfica e etnológica, instrumentos da antropologia, para trazer aos leitores um retrato mais próximo o possível da visão dos próprio Waimiri do massacre. Ao contrário do que é mais comum de se ouvir país afora, os povos indígenas foram vítimas diretas da ditadura militar e contam tantos mortos quanto os desaparecidos ou assassinados políticos nas guerrilhas urbanas e rurais. Aos Waimiri se juntam ainda outros povos vítimas do autoritarismo. Lideranças indígenas e suas assembleias dispersas, proibidas. Os reformatórios Krenak e Guarani, onde havia tortura e morte de indígenas. A obra contribui para que o de hoje repare esses crimes garantindo a terra tradicional e o pleno direito de vida a estes povos.

 

 

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