Jovens lideranças indígenas em defesa da Amazônia

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Txai Surui e Bitaté Uru-eu-wau-wau

05 de setembro de 2022

O Brasil não é e nunca foi um bom lugar para os povos indígenas, pelo menos não desde a invasão em 1500. A verdade é que a colonização nunca acabou. A invasão, os massacres e a guerra ainda acontecem em nosso país. Normalizamos a barbárie e nos acostumamos com ela. E a realidade da floresta e dos seus povos piora a cada dia. (nota do website: hoje, dia 13.11.22, todos no país soubemos que o tema da redação do ENEM que aconteceu nesse dia, foi exatamente sobre os povos originários! O Brasil começa a mostrar sua cara -homenagem à Gal Costa-. Honremos depois da avalanche etnofóbica dos últimos anos).

O Brasil não é e nunca foi um bom lugar para os povos indígenas, pelo menos não desde a invasão em 1500. Digo invasão porque foi o que aconteceu, apesar de ainda negarmos isso e continuarmos a ensinar para nossas crianças e jovens a história do colonizador. O pior disso tudo é que muitas dessas crianças crescem acreditando nessa história e quando adultas passam a reproduzir os estereótipos e preconceitos que vem com ela e acreditam que o chamado “progresso” é a destruição do que temos de mais precioso, nossa floresta. Mas como podem ocupar um lugar já ocupado? Ou descobrir o que já é habitado? Chamar de progresso destruir o sagrado?

A verdade é que a colonização nunca acabou. A invasão, os massacres e a guerra ainda acontecem em nosso país. Normalizamos a barbárie e nos acostumamos com ela. E a realidade da floresta e dos seus povos piora a cada dia. No dia 22 de agosto, a Amazônia registrou o pior dia de queimadas em 15 anos, pior até mesmo que o “Dia do Fogo” que aconteceu no mês em que a grande São Paulo ficou escura por causa da fumaça. O Brasil, em especial a região Norte, é um dos lugares mais perigosos para ativistas ambientais e de direitos humanos, situação evidenciada para mundo com o assassinato do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, no Vale do Javari.

Nós somos de povos que tiveram contato com não indígena relativamente recentes, o Povo Paiter Suruí, em 1969, e o povo Uru Eu Wau Wau/Jupaú, em 1980, mas a passagem do tempo não cura as marcas deixadas pela violência. O que poderia fazer isso é a reparação histórica que nunca tivemos.

Não podemos perdoar um genocídio quando ele não tem fim, pois continuamos a ver nossos guerreiros sendo assassinados por seu trabalho de proteção das florestas, continuamos vendo comunidades inteiras sem saúde pelas doenças trazidas pelos não-indígenas. Continuamos resistindo há mais de 500 anos. Nossa luta é ancestral, vem de gerações e gerações de guardiões que vieram antes de nós.

Nós, povos indígenas, historicamente silenciados, denunciamos nas redes sociais com nossas câmeras e celulares a realidade dos territórios no Brasil. Por meio da juventude indígena, estamos recontando a verdadeira história do nosso país, valorizando nossa ancestralidade, denunciando a invasão, as queimadas, a mineração ilegal, roubo de madeira, a destruição da floresta e mostrando toda nossa riqueza cultural.  Decolonizando mentes. Ensinando o real significado de ser indígena. Compartilhando nossa sabedoria através do audiovisual e acabando com essa ideia de que indígena não pode ter celular.

Nos últimos anos, jovens indígenas de diversos povos elevaram suas vozes em defesa da floresta, unindo sua força com jovens de todo o mundo que se organizam na luta contra as mudanças climáticas.

A crise climática é o grande desafio da nossa Era, se não o vencermos, podemos acabar como os dinossauros. Pois não se enganem, a natureza conseguirá resistir a tudo isso, estamos decretando apenas o nosso próprio fim. As consequências dessa crise não são mais futuras, já estamos sofrendo com elas agora. O desabamento de terra em Petrópolis, no Rio de Janeiro, e as enchentes na Bahia; os recordes de calor no Reino Unido; a extrema seca no Zimbábue são alguns dos exemplos dessas consequências, que atingem de forma desproporcional povos e comunidades tradicionais, assim como moradores de áreas periféricas, sobretudo mulheres negras.

Depois que o desmatamento entrou na somatória da metodologia que mede os países mais poluidores do mundo, o Brasil pulou para o 4º no ranking. Com a política do atual governo, o Brasil vem se tornando um problema na questão climática, perdendo o protagonismo que sempre teve na área e passando de possível herói para o vilão da história, junto com Estados Unidos e China, os países mais poluidores do mundo.

Os estão na linha de frente dessa luta. Representando 5% da população mundial e preservando 80% de toda a biodiversidade. Os territórios indígenas protegem mais que as Unidades de Conservação e é nesses espaços que pode ser encontrada floresta de pé.

Não é seguro denunciar crimes ambientais e contra os direitos humanos, principalmente, quando você está falando do seu território onde você continuará vivendo e quando tem gente ganhando muito dinheiro com isso. Ainda mais com a impunidade que foi instalada em relação a esses crimes no nosso país.

Acabar com a demarcação de terras indígenas é uma promessa do nosso atual governo. E durante a gestão de Bolsonaro, nenhum território foi demarcado. Tramita na Câmara dos Deputados, o PL 191/22 que quer permitir a mineração dentro dos territórios indígenas, além dele existe o PL 490/2007 que altera a demarcação e aplica a tese do Marco Temporal, que também está para ser votado no Supremo Tribunal Federal, e estabelece a data da promulgação da República para o reconhecimento oficial da terra sem levar em consideração toda violência e expulsão sofrida pelos povos originários.

Documentário “O território”

No entanto, grande parte da população ainda desconhece o que vem acontecendo com os povos indígenas ou se mostra pouco preocupada com isso. Este é o papel dos jovens comunicadores indígenas, que tem buscando levar conscientização para diversos pontos do mundo, em defesa do clima e da Amazônia, usando o audiovisual e a tecnologia. Um exemplo disso é o filme “O território”, co-produzido pelo povo Uru Eu Wau Wau. O filme ganhou prêmios em diversos festivais do mundo e foi traduzido para cerca de 40 línguas.

O documentário conta com uma enorme campanha de impacto que vai construir um centro multimídia dentro da Terra Indígena Uru Eu Wau Wau, com ilha de edição e espaço para encontros, e vem realizando discussões com outros países e Governos sobre cadeia de suprimento, desmatamento zero, direitos humanos e as emergências climáticas.

O filme, comprado pela NatGeo, tem levado recursos financeiros direto para as associações que participaram das filmagens, para que estas apliquem em seus projetos e lutas em defesa dos direitos humanos e da conservação da Amazônia. O público que assistir ao filme pode contribuir com os projeto de defesa do território, segurança alimentar, fortalecimento da cultura, centro de cultura, formação de comunicadores indígenas, isto pode ser feito via ao site da campanha que pode ser acessada no endereço eletrônico: https://theterritoryimpact.org.

O documentário, disponível nos cinemas a partir do dia 8 de setembro, mostra como ocorrem as invasões na Terra Indígena Uru-eu-wau-wau, a partir do olhar dos indígenas.

Outro exemplo de projeto protagonizado pela juventude indígena é o 1º Festival de Cinema e Cultura Indígena, que terá início no dia 17 de setembro e foi idealizado pelo cineasta indígena Takumã Kuikuro. Além disso, outros projetos têm trazido as vozes de diversos ativistas indígenas, que passaram a ser uma espécie de megafone para a defesa das florestas, em especial da Amazônia, como o programa Vozes pela Ação Climática. Organizações como Engajamundo, Mídia Índia, Midianinja, Kanindé, Amazônia Real têm formado comunicadores indígenas que atuam diretamente de suas aldeias levando notícias para o mundo sobre as pressões que sofrem em suas terras.

Momento dramático do bioma

A Amazônia vive momentos dramáticos com o aumento do desmatamento e o início da “época do fogo” na região. Queimadas que matam as árvores, os animais e prejudicam a saúde dos povos que vivem nas cidades e nas áreas rurais, mas também o todo o planeta. No entanto, não viemos te decretar o fim dos tempos ou condenar nosso futuro, mas dizer que apesar de tudo isso os povos indígenas, principalmente jovens, vem lutando contra isso e construindo um mundo que queremos, com qualidade de vida para todos, com ar puro e água limpa, sem fome ou miséria, com muito respeito e amor pela natureza.

Propomos uma mudança no modelo econômico e fomentamos o apoio a sociobioeconomia para se concretizar com suporte e aporte de recursos financeiros aos projetos indígenas, populações tradicionais e pequenos trabalhadores rurais.

Importante salientar o papel das organizações locais nos estados Amazônicos que com suas ações contribuem para a proteção das florestas, trazemos o exemplo da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Associação do Povo Indígena Uru-eu-wau-wau que juntas tem conseguido defender a Terra Indígena Uru-eu-wau-wau em Rondônia, mas que também tem contribuído para a defesa das Unidades de Conservação como foi o caso quando o Governo de Rondônia junto com a Assembleia Legislativa e tentaram acabar com 10 reservas ambientais. Estas entidades junto com outras organizações denunciaram e colaboraram junto ao Ministérios Público subsidiando com informações técnicas que levou o Tribunal de Justiça de Rondônia a determinar a inconstitucionalidade do ato. Que nos juntemos a essa corrente de esperança e resistência para a construção de um país e um mundo melhor.

Txai Surui é coordenadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, e da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.

Bitaté Uru-eu-wau-wau é presidente da Associação do Povo Indígena Uru-eu-wau-wau.