Indígenas dos Estados Unidos exigem limpeza do pior lixão nuclear do Projeto Manhattan.

 Executivos, políticos e funcionários do Departamento de Energia dos Estados Unidos discutiam como alertar as gerações que viverão dentro de 125 mil anos sobre o lixo radioativo de Hanford, o local mais contaminado do país, localizado no extremo noroeste. “Eu lhes direi como”, interrompeu o nativo Russell Jim.

 

 

Indígenas dos Estados Unidos exigem limpeza do pior lixão nuclear do Projeto Manhattan

 

 

por Michelle Tolson, da IPS

cartel Indígenas dos Estados Unidos exigem limpeza do pior lixão nuclear do Projeto Manhattan

 

Nação Yakama, Estados Unidos, 24/4/2014 – “Olharam entre si e depois para mim. Então lhes disse: estamos aqui desde o começo dos tempos, por isso também estaremos nessa oportunidade. Aí se deram conta de que tinham um problema nas mãos”, conta à IPS este homem de 78 anos que faz parte do povo yakama. Com suas longas tranças, Jim é uma figura impactante. Dirige o Programa de Recuperação Ambiental e Manejo de Resíduos (ERWM) das tribos yakama e permanece tranquilamente sentado em seu escritório nas áridas terras da Nação Yakama.

A reserva, situada no sudeste do Estado de Washington, tem 486 mil hectares, dez mil integrantes de tribos reconhecidas federalmente e cerca de 12 mil cavalos selvagens vagando pelas desertas estepes. É o que resta de um território de quase cinco milhões de hectares que, em 1855, os yakamas tiveram que ceder pela força ao governo norte-americano, e está a apenas 32 quilômetros do complexo nuclear de Hanford.

Embora a corrida armamentista nuclear tenha terminado em 1989, o lixo radioativo é a herança deixada em diferentes lugares deste país pelo Projeto Manhattan. Hanford, em particular, começou a operar em 1943. Aqui foi produzido o plutônio da bomba atômica que os Estados Unidos lançaram sobre a cidade japonesa de Nagasaki, em 1945. Chegou a ter nove reatores e cinco grandes complexos para processar esse metal pesado. Hoje está quase totalmente desmantelado. Mas segue contendo e vazando radioatividade muito prejudicial.

Os yakamas conseguiram evitar que seus pesqueiros ancestrais se convertessem em depósitos de resíduos procedentes de outros lugares, invocando o tratado de 1855 que lhes assegura acesso aos seus “lugares usuais e costumeiros”. Mas Hanford está longe de ser um ambiente são, apesar da promessa de limpeza feita pelo Departamento de Energia. “O governo está tentando reclassificar o lixo como de ‘baixa radioatividade’. Querem deixá-lo aqui e enterrá-lo em lixões quase superficiais. Mas os cientistas dizem que é preciso enterrar a grande profundidade”, afirmou Jim.

Tom Carpenter, da organização Hanford Challenge, explicou à IPS que esta “é uma batalha para que os federais cumpram sua promessa de retirar o lixo pelo Estado de Washington e pelas tribos. Há 67,5 quilômetros de faixas cavadas de 4,5 metros de largura por seis metros de profundidade, sem revestimento e cheias de caixas e frascos de resíduos”. Além disso, há 177 tanques subterrâneos de lixo radioativo e seis deles apresentam vazamentos. Supõe-se que quando se detecta um vazamento os resíduos devem ser retirados no prazo de 24 horas ou quando for “praticável”. Mas as empresas contratadas dizem que não há espaço suficiente.

Três denunciantes que trabalhavam nas tarefas de limpeza expressaram suas preocupações e foram demitidos. A denúncia foi divulgada por uma emissora local, mas os grandes meios de comunicação a ignoram, como fazem com a luta dos yakamas. “Antes tínhamos um encarregado de imprensa, mas o Departamento de Energia disse que não precisávamos dele porque está tudo bem”, contou Jim. O ERWM é financiado por esse Departamento, mas perdeu 80% dos fundos após um corte federal.

Naturalmente, não está tudo bem. Os sedimentos radioativos chegaram às camadas subterrâneas e dali ao rio Colúmbia. Alguns vazamentos estão a pouco mais de cem metros do curso de água, onde as tribos têm acesso ao monumento nacional Hanford Reach. Esta reserva natural, uma área de amortização do complexo nuclear, é a maior área de desova do salmão real no rio Colúmbia.

O governo do Estado de Washington informa que a água subterrânea contaminada com urânio, estrôncio 90 e cromo já entrou no curso do rio. “No leito do rio há cerca de 150 fluxos de água subterrânea de Hanford entre as quais nadam os salmões jovens”, pontuou Jim. “Helen Caldicott (fundadora da organização Médicos Pela Responsabilidade Social) nos disse, em 1997, que se comêssemos pescado do Colúmbia morreríamos”, acrescentou.

lider Indígenas dos Estados Unidos exigem limpeza do pior lixão nuclear do Projeto ManhattanA consultora ambiental dos yakamas, Callei Ridolfi, afirmou à IPS que a dieta desses indígenas contém entre 150 e 519 gramas de pescado por dia, quase o dobro do ingerido por outras tribos e muito mais do que a população geral. Por isso têm possibilidade de um em 50 contrair câncer pela ingestão de pescado de espécies não migratórias. Já o salmão, que passa a maior parte de sua vida no oceano, é menos afetado. Segundo um estudo publicado em 2002 pela Agência de Proteção Ambiental sobre os contaminantes que afetam os peixes da região, o esturjão e o coregono-de-montanha eram os que apresentavam maiores concentrações de bifenil policlorado (PCB).

No ano passado, os Estados de Washington e Oregon recomendaram limitar a uma vez na semana o consumo de peixes residentes em uma faixa do Colúmbia onde há várias represas, devido à contaminação com PCB. “Os lubrificantes com PCB foram usados durante anos nos transformadores, sobretudo em represas hidrelétricas”, disse à IPS o administrador de pesca da Comissão Intertribal de Pesca do Rio Colúmbia, Mike Matylewich.

Embora a recomendação não incluísse Hanford Reach, onde não há represas, Jim duvida de sua segurança. “O Departamento de Energia disse ao Congresso que o corredor do rio está limpo. Não está, mas eles temem ser processados”, afirmou este homem que sobreviveu a um câncer. Sua tribo nunca foi indenizada pelos vazamentos radioativos ocorridos entre 1944 e 1971 e que chegaram a 6,3 milhões de curies de netúnio-239. O toxicologista Steven G. Gilbert, da Médicos Pela Responsabilidade Social, assegura que falta transparência e informação sobre a limpeza de Hanford, que é um “enorme problema”.

Dos nove reatores nucleares, oito foram desativados. Mas a geradora elétrica da Energy Northwest, de 1.175 megawatts, ainda funciona. “Muita gente não sabe que há um reator nuclear que continua funcionando. E é do mesmo tipo que o de Fukushima, no Japão”, pontuou Gilbert.

Em meio a esta disputa estão as tribos, que são nações soberanas. Russell Jim afirma que frequentemente se comete o erro de descrevê-las como “partes interessadas”, quando são governos separados. “Fomos a única tribo a denunciar a questão nuclear e testemunhar em um subcomitê do Senado em 1980. Em 1982, solicitamos o statusde tribo afetada. Os umatillas e os nez percés nos seguiram mais tarde”, observou.

A cadeia montanhosa Yucca Mountain, no Estado de Nevada, foi designada pelo Congresso como lugar de armazenamento provisório dos resíduos de Hanford e outros complexos nucleares, mas o presidente Barack Obama eliminou o plano. Duas tribos dessa região, os paiutes do sul e os shoshones ocidentais, também se declararam afetadas. A Planta-Piloto de Isolamento de Resíduos (WIPP) do Estado do Novo México, foi então destinada a receber o lixo de Hanford, mas depois de um incêndio em fevereiro isso já não é mais possível.

O Boletim de Cientistas Atômicos expressou, no dia 23 de março, sua preocupação porque não há lugares onde armazenar esses perigosos dejetos. Os Estados Unidos têm as maiores existências do mundo de combustível nuclear usado, cinco vezes mais do que a Rússia. “O melhor material para armazená-lo é o granito, abundante no nordeste. Um local ideal fica a 48 quilômetros da capital, mas isso está fora de consideração” por sua proximidade com a Casa Branca, apontou Jim, com um sorriso mordaz. Mas esse veterano líder nativo não pensa em se render. “Nós somos os únicos que não podemos sair daqui”, enfatizou.

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Anversos da crença

Não vislumbro um futuro humano plástico, mas muito plástico no futuro desumano. E não falo de monturos, falo de montanhas de plástico impuro. Falo de futuro suástico, inseguro, iconoclástico. Plásticos grandes e pequenos, moles e duros, que se amontoam. Nanoplástico que se respira, que se bebe e se come, se adoece, se morre e se consome. Presente fantástico de futuro hiperplástico, plástico para sempre, para sempre espúrio, infértil e inseguro. Acuro todos os sentidos e arrepio em presságios. Agouros de agora, tempos adentro, mundo afora. Improvável um futuro fúlguro! Provavelmente escuro e obscuro. Assim, esconjuro e abjuro!

João Marino