INDÍGENAS-Dilma reduz estrutura da Funai e tem menor demarcação de terras desde 1985.

No momento em que aumentam as pressões no Congresso contra as reivindicações indígenas por mais terras, a Fundação Nacional do Índio (Funai), cuja missão é proteger e promover os direitos dessa população, vive um processo de enfraquecimento no governo Dilma Rousseff. A presidente encerrou o primeiro mandato com a menor área de terras indígenas demarcada desde a redemocratização e começou o segundo período no Palácio do Planalto sem indicar mudança no desinteresse pelo órgão.

 

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A reportagem é de Roldão Arruda, publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 19-02-2015.

Há 20 meses, a está sob comando interino. Desde que a demógrafa Marta Azevedo pediu demissão, em junho de 2013, Dilma não nomeou oficialmente nenhuma pessoa para o cargo. O atual presidente interino, Flávio de Azevedo, é um procurador vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU) que prestava serviços à área jurídica da Funai até outubro, quando assumiu o posto temporário.

Dilma mantém há 20 meses a Funai com presidente interino. Primeiro mandato da presidente terminou com a menor área de terras indígenas demarcada desde a redemocratização

Para organizações que atuam na defesa dos indígenas, essa situação é mais uma demonstração do desinteresse de Dilma pelo órgão. A presidente é a que manteve a fundação sob comando interino pelo período mais longo desde sua criação, em 1967. Nesses 48 anos, a Funai teve 33 presidentes – média de 1 ano e 4 meses de mandato para cada um. Nos dois governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a instituição teve dez presidentes. Com Luiz Inácio Lula da Silva, foram três.

Na avaliação de Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o enfraquecimento da Funai está se agravando. “A manutenção de interinos no cargo de presidente é um dos reflexos mais visíveis desse processo”, disse. “Existem enormes pressões políticas para que não sejam aprovados relatórios de delimitação e demarcação de novas terras, uma das principais responsabilidades do presidente da Funai. Como ele pode levar adiante essa função se está interino no cargo?”

Esse enfraquecimento da Funai apontado pelo dirigente do Cimi ocorre em paralelo à maior pressão no Congresso para aprovação de uma emenda constitucional que delega ao Legislativo o poder de demarcar terras indígenas. Hoje, essa prerrogativa é exclusiva do Executivo.

No governo Dilma, essa atribuição foi pouco efetiva. A petista homologou em quatro anos a criação de 11 terras, um total de 2 milhões de hectares, mais baixa marca dos governos pós-ditadura militar. Em metade do tempo, Itamar Franco homologou 16 áreas e 5,4 milhões de hectares.

Quedas

Para Buzatto, outros indicadores de enfraquecimento são a redução do quadro de funcionários, especialmente os que atuam nas demarcações, e do orçamento. Segundo a Funai, o quadro de funcionários permanentes caiu de 2.396 em 2010 para 2.238 em 2014. O grupo dedicado à delimitação e demarcação de terras foi reduzido de 21 para 16 funcionários fixos. O número de antropólogos na equipe baseada em Brasília baixou de seis para dois.

O encolhimento também é visível no orçamento. Em 2013, a verba da Funai (a soma de custeio e investimento, em valores já corrigidas pela inflação) chegou a R$ 174 milhões. Em 2014, segundo o órgão, foram R$ 154 milhões.

Fora isso, hoje há 13 processos de demarcação parados no Ministério da Justiça, onde precisam de uma Portaria Declaratória para seguirem tramitando no governo. Outros 21 processos de demarcação já estão na mesa de Dilma, à espera da assinatura da presidente. Segundo levantamento da Assessoria Especial de Participação Especial, essas terras indígenas totalizam 1,4 milhão de hectares.

Para André Villas-Bôas, secretário executivo do Instituto Socioambiental (ISA), o esvaziamento da Funai começou no governo Lula e se agravou com Dilma. “Diante de obras como as hidrelétricas que estão sendo construídas e que afetam populações indígenas, o óbvio teria sido o fortalecimento de instituições que cuidam dessas populações. O que se vê é o oposto, com licenciamentos a toque de caixa e desenvolvimento a qualquer preço.”

 

Milícia anti-indígena sequestra e tortura jovem Kaiowá em Naviraí (MS)

 

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Segundo denúncia realizada junto ao Ministério Público Federal (MPF), na manhã do último dia 7, um jovem Kaiowá de 17 anos foi sequestrado por um grupo armado, nas imediações de Naviraí (MS), e submetido a sessões de tortura – espancamentos e pressão psicológica. O indígena vive em acampamentos que compõem a Terra Indígena Santiago Kue, localizados às margens da BR-163, trecho que liga as cidades de Juti e Naviraí.

A reportagem é de Matias Rempel, publicada por Cimi, 19-02-2014.

Tal contexto reforça a existência de milícias armadas com intuito de atacar comunidades indígenas e suas lideranças. Não é a primeira vez que tais indícios reforçam algo que já não é mais uma tese, mas possui elementos concretos. A finalidade desses bandos criminosos é a de impedir os indígenas de terem acesso a seus territórios tradicionais, sobretudo aqueles já demarcados ou identificados pela Funai.

Segundo o relato que acompanha a denúncia, o relógio marcava 11 horas da manhã quando o jovem Kaiowá voltava da cidade de Naviraí, caminhando ao longo da BR-163, após a jornada cotidiana de trabalho. Quando passava pelo trecho que fica em frente à fazenda conhecida na região como “Central”, próxima ao posto da Polícia Rodoviária Federal, foi abordado violentamente por um grupo armado constituído de aproximadamente 20 homens, que estavam em um comboio composto por duas caminhonetes Hilux, uma preta e uma branca, quatro carros populares e mais duas motos.

Com os veículos, rapidamente os jagunços cercaram o jovem, que ficou sem nenhum poder de reação ou possibilidade de fuga. Os jagunços lhe mostraram as armas, que portavam na cintura. O jovem então foi levado por cerca de 01 Km para dentro das terras pertencentes à fazenda Central. Atrás de uma pequena picada de mato, com acesso a uma barragem, o grupo estacionou. Os jagunços fotografaram o rosto do indígena e passaram a lhe indagar a respeito do nome e aparência das lideranças da aldeia Kurupi.

Sob terror e tensão, o jovem Kaiowá apenas afirmava que não pertencia a referida comunidade. Era o que conseguia dizer. Os jagunços então passaram a espancá-lo e apontaram contra ele o cano das armas, mandando por mais de uma vez que se ajoelhasse para ser executado. De tempo em tempo, apontavam para a barragem dizendo ao indígena que o atariam às pedras e assistiriam a seu afogamento. A violência era para o Kaiowá “cooperasse”. O martírio durou mais de seis horas. Após muitas outras juras de morte, incluindo as lideranças Kaiowá da região, o jovem foi deixado no local. O bando criminoso evadiu-se.

Jagunços monitoram e atacam

O histórico de violência contra as aldeias do entorno de Naviraí evidencia que o atentado não foi por acaso, e nem se tratou de uma ação isolada. Pelo contrário, é infelizmente uma ação padrão de jagunços contratados pelos fazendeiros da região. Tudo indica que existe de fato um grupo que há tempos está constituído como uma milícia armada e que tem rondado a região para impedir o avanço dos indígenas na retomada de seu território tradicional.

Segundo narram indígenas que pedem para não serem identificados, os jagunços têm realizado um forte cerco intencional sobre as comunidades. Observam em piquetes na estrada, sobretudo próximo ao posto da Polícia Rodoviária Federal, a movimentação em toda a região. Do monitoramento resultam tais ações criminosas. Os indígenas afirmam que os jagunços sondam cotidianamente todos os integrantes da aldeia e dos acampamentos que ficam no entorno da fazenda Central. Monitoram e investem contra os indígenas.

A comunidade de Kurupi há tempos vem denunciando, sem efeito, os atentados sofridos. Em outubro do ano passado, houve a tentativa de sequestro de um indígena cadeirante por parte dos jagunços. Leia mais aqui.

A região apresenta diversos casos de ataques e inclusive torturas realizadas contra indivíduos e comunidades indígenas. Os Kaiowá denunciaram estes fatos e ao mesmo tempo solicitaram que as autoridades solicitassem a força policial para fazer ronda no local. O intuito é garantir um pouco de segurança para as comunidades. Nada foi feito até o momento.

Em outubro do ano passado, o Cimi denunciou uma onda de ameaças advindas de fazendeiros da região com o intuito claro de desmobilizar a luta dos indígenas pela reconquista de seu território tradicional – áreas de onde os indígenas foram sistematicamente expulsos por estes mesmos fazendeiros e familiares no passado. Leia mais aqui.

Sem leilões, mas com milícias

Em meados de 2013, começou a circular de forma aberta e pública a informação sobre a realização dos “Leilões da Resistência”, organizado por fazendeiros e sindicatos rurais do Estado do Mato Grosso do Sul. Os organizadores anunciavam orgulhosos que os fundos arrecadados com a venda de gado seriam utilizados para a contratação de segurança privada e compra de armamentos. A Justiça entendeu o leilão como uma forma de injetar recursos em formação de milícia.

A revoltante iniciativa gerou uma onda de denúncias e de grande mobilização por parte do movimento indígena e de seus apoiadores. Por decisão judicial, a realização do leilão foi impedida. A despeito da decisão, os fazendeiros o realizaram. Todavia, a decisão foi a de que o montante arrecadado, cerca de 1 milhão de reais, fosse depositado em juízo e com a utilização vinculada a aprovação das comunidades indígenas.

Pode-se dizer que esta fundamental medida conseguiu brecar a face pública da formação das milícias anti-indígenas, porém trata-se de um ledo engano acreditar que a Justiça conseguiu impedir que na prática, no submundo das ações criminosas, os fazendeiros e ruralistas, dotados de grandes poder econômico, oriundos, sobretudo, da exploração ilegal das terras indígenas, continuem com a arregimentação de jagunços para consolidar a expulsão dos dos seus territórios tradicionais por meio da força. Chamam a isso de segurança privada.

O caso ocorrido em Santiago Kue é uma boa demonstração de que as milícias continuam sendo formadas e patrocinadas pelos senhores do agronegócio. Conforme apuração da Procuradoria Geral da República (PGR) de Ponta Porã, o assassinato de Nísio Gomes Guarani Kaiowá se deu sob tais circunstâncias. Sob a roupagem de seguranças privados, os fazendeiros continuam organizados. Soma-se a isso a política do governo federal de paralisação das terras indígenas e a intenção da mudança do procedimento de demarcação. Dessa forma, sentem-se os inimigos dos povos indígenas livres para praticar verdadeiros absurdos contra a vida, o bom senso, a Justiça, a democracia e o Estado Democrático de Direito.

Como tudo indica, nas bordas de Naviraí, uma destas milícias armadas domina geograficamente a região habitada secularmente pelo povo Kaiowá, e de onde estes jamais sairão. Praticam abertamente o terror impedindo os indígenas até mesmo de exercerem o direito de ir e vir. Fazem isso a todo momento, inclusive em plena luz do dia. Estão impunes. Espera-se que com mais este episódio de violência, que por sorte não acabou com mais um assassinato entre tantos contabilizados junto aos povos indígenas, medidas sejam efetivamente tomadas com intuito de livrar da morte aqueles que só buscam a vida e a sobrevivência física e cultural de seus filhos e filhas.