Imagens do fogo australiano que brota sem controle e os da Amazônia são voluntários.
Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fizeram comentários nas redes sociais reclamando sobre a suposta falta de cobertura da imprensa e de críticas internacionais sobre o fogo na Austrália, que se alastra desde setembro. Eles comparam o problema às queimadas da Amazônia em 2019, dando a entender que a situação australiana é muito pior. Mas os casos são distintos, segundo especialistas ouvidos pelo Estado.
A reportagem é de Giovana Girardi, publicada por O Estado de S. Paulo, 07-01-2019.
A primeira diferença é que a vegetação na Austrália, assim como na Califórnia (EUA) e no Cerrado, é mais acostumada ao fogo. Lá os incêndios ocorrem de modo natural. “Flora e fauna evoluíram com fogo, têm adaptações para voltar mais rápido depois. Já a Amazônia, não. As plantas não têm adaptação para fogo, como casca grossa, não rebrotam facilmente”, diz Jos Barlow, da Universidade de Lancaster (Inglaterra) e da Rede Amazônia Sustentável.
Na Austrália, os incêndios se espalham principalmente pela floresta tropical seca, mas neste verão estão muito mais intensos, extensos e duradouros por causa das mudanças climáticas. Já na Amazônia, a floresta tropical úmida só queima se alguém botar fogo. Em agosto, quando o número de focos foi o maior para o mês desde 2010, a ação humana ocorreu principalmente para limpar áreas previamente desmatadas.
A Austrália passa por uma seca prolongada desde 2017, que se intensificou em 2019, conforme a prévia de relatório da Organização Meteorológica Mundial do início de dezembro. Em média, o período de janeiro a outubro foi o mais seco desde 1902, e a situação se agravou nos meses seguintes.
Desde o início do ano, com seca severa, ondas de calor acima de 50ºC e ventos fortes, as chamas se intensificaram, segundo análises da Nasa. Alguns lugares queimaram ao longo de quatro meses. Segundo a agência de clima e tempo da Austrália, o índice de chuvas está 36% inferior à média entre 1961 e 1990. “Os dois casos (Austrália e Amazônia) são graves, mas de modos diferentes. O custo humano em termos de mortes é obviamente maior na Austrália, mas o custo para emissões de carbono pode ser maior na Amazônia. São duas situações super importantes, e cada uma merece investimento e interesse dos seus governos”, afirma Barlow.
A semelhança entre os casos, diz, é que com as mudanças climáticas, as condições para o fogo têm ficado melhores em todo o mundo. “Mudanças climáticas são difíceis de conter e a situação vai piorar. Mas é possível fazer ações locais para prevenir situações ainda mais catastróficas. Na Amazônia é preciso conter o desmate, ajudar pequenos produtores a usar fogo de modo mais responsável ou nem usar. É possível ter política pública para diminuir o fogo. Na Austrália, um manejo florestal melhor também pode ajudar.” O país tem muitas plantações de eucalipto, que propagam o fogo com facilidade.
Governos negacionistas
Outra semelhança é que os governos de Austrália e Brasil minimizam o aquecimento global. Primeiro-ministro australiano, Scott Morrisson nega as mudanças climáticas. O país, assim como o Brasil, foi um dos que travaram a negociação na Cúpula do Clima da ONU, em dezembro. Morrisson já afirmou não ver elo entre o fogo e as mudanças climáticas. Depois recuou e disse que elas seriam só um dos “fatores” ligados ao problema. No Brasil, Salles já questionou a parcela de contribuição humana na alta de temperaturas.