“Por cima desses povos indígenas, populações ribeirinhas e das áreas relevantes para a biodiversidade, o PHE pretende passar 9,7 milhões de toneladas de soja, farelo de soja e milho, e fertilizantes, em 2031”, escreve Telma Monteiro, ativista socioambiental, em artigo publicado em seu blog, 04-12-2014.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/538197-hidrovias-e-hidreletricas-na-bacia-do-rio-tapajos-o-ultimo-passo-para-desintegrar-a-amazonia
“Brasil tem Mississippis para hidrovias” (Kátia Abreu)
“A presidente da CNA fez também uma referência à Hidrovia Teles Pires Tapajós, um dos empreendimentos mais cobiçados pelo agronegócio mato-grossense. Ela permitirá a ligação direta entre Sinop (MT) até Santarém (PA), além de Porto dos Gaúchos (MT) até Santarém (PA). Somente o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental está orçado em torno de R$ 15 milhões.”
Eis o artigo.
Para os mentores do PHE a posição do Sistema Hidroviário do Tapajós é estratégica, pois vai ligar os “maiores centros de produção agrícola do Brasil ao rio Amazonas” e ao Oceano Atlântico. Está implícito que a presença de territórios indígenas é um mero obstáculo muito mais facilmente contornável do que as corredeiras do rio Tapajós. Por cima desses povos indígenas, populações ribeirinhas e das áreas relevantes para a biodiversidade, o PHE pretende passar 9,7 milhões de toneladas de soja, farelo de soja e milho, e fertilizantes, em 2031.
Além da ampla pesquisa no processo de licenciamento e implantação das hidrelétricas na Amazônia, suas consequências para o meio ambiente, povos indígenas e populações tradicionais, acompanho de perto o processo do planejamento da hidrovias na Amazônia, em especial a hidrovia Tapajós-Teles Pires. Na bacia do rio Tapajósencontram-se 35 Terras Indígenas, 27 Unidades de Conservação (9 de Proteção Integral e 18 de Uso Sustentável), 238 Assentamentos do INCRA.
Plano Hidroviário Estratégico (PHE)
O Ministério dos Transportes (MT) deu início ao Plano Hidroviário Estratégico (PHE) para preparar uma estratégia de transporte de cargas e passageiros por hidrovias, até 2031. O Banco Mundial é co-financiador do projeto.
O projeto abrange as principais bacias hidrográficas do Brasil. O plano de transformar os rios amazônicos em uma grande malha hidroviária com instalações industriais em suas margens poderá trazer consequências inimagináveis.
Em 2011, a convite da organização Both ENDS, apresentei às autoridades holandesas, em Haia, Holanda, um relatório sobre os impactos negativos para o meio ambiente e para os povos indígenas que uma hidrovia no rio Tapajós poderia causar. O governo holandês é o principal incentivador, mentor e fornecedor da expertise do Plano Hidroviário Estratégico (PHE).
Uma equipe de experts da Holanda, em parceria com o Ministério dos Transportes, coordena todo o trabalho de desenvolvimento do PHE. O interesse da Holanda nas hidrovias brasileiras é explicável, pois o porto de Roterdã é o maior da Europa e é para lá que se destinam as commodities brasileiras.
A Holanda está usando a sua expertise em hidrovias para transformar os principais rios brasileiros em vias navegáveis. O objetivo é baratear os fretes das commodities do Brasil para Roterdã. O processo de desenvolvimento do PHE teve início em 2012. Depois de quatro relatórios ou produtos em menos de um ano, um Sumário Executivo encerrou os trabalhos em 2013.
As hidrovias Tapajós-Teles Pires e Arinos-Juruena-Tapajós, segundo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), são imprescindíveis para o desenvolvimento do Brasil. A CNA é presidida por Kátia Abreu. A Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso concorda com Kátia Abreu.
Quanto aos impactos ambientais e as interferências em terras indígenas que se localizam no alto e médio Tapajós, por enquanto, mereceram apenas dois parágrafos do PHE.
O produto dois do PHE é o Relatório das Consultas Públicas: Consulta às Partes Interessadas. Foram formuladas questões a 67 interessados do setor público, setor privado e organizações do setor e comunidade científica.
Organizações não governamentais, comunidades ribeirinhas, pescadores, que serão atingidos, povos indígenas, ambientalistas, pesquisadores e demais grupos que representam o outro lado da sociedade que não é empresa e nem governo, não foram ouvidos.
Qual a relação do PHE com as hidrelétricas na bacia do Tapajós?
Só com a construção de um conjunto de hidrelétricas planejado para a bacia hidrográfica do rio Tapajós será possível viabilizar as hidrovias, portos industriais e as estradas de acesso. Todo esse aparato logístico que está no PHE afetará diretamente unidades de conservação e terras indígenas, populações tradicionais, o ecossistema, o clima.
Os planos já estão tão avançados que no Estudo de Impacto Ambiental e Respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da UHE São Luiz do Tapajós estão previstas as construções de eclusas para transposição das embarcações.
A hidrovia Tapajós – Teles Pires, segundo o PHE, será analisada em conjunto com os projetos hidrelétricos do Tapajós e outros projetos (não especificados no plano). Ainda, segundo o PHE, serão considerados os impactos integrados no meio ambiente e nas comunidades tradicionais da região. A experiência com as grandes usinas nos riosAmazônicos tem nos mostrado que tanto os impactos como as populações são ignorados depois que as licenças são concedidas.
Não resta dúvida que a hidrovia depende da construção das usinas e eclusas para superar os obstáculos naturais. As corredeiras de São Luiz do Tapajós, atualmente, impedem que a hidrovia alcance o alto curso do rio Tapajós, na confluência dos rios Juruena e Teles Pires.
Os investimentos necessários para implantar o sistema hidroviário Tapajós-Teles Pires estão estimados em R$ 3,4 bilhões, até 2031. Esse valor não inclui os investimentos da iniciativa privada em terminais hidroviários e portos comerciais. Empresas privadas em parceria com empresas públicas no modelo de Sociedade de Propósito Específico (SPE) (já previsto no PHE), com acesso ao dinheiro público acompanhado de benesses do BNDES, lógico.
O PHE presume construções de terminais hidroviários, entre eles um na Cachoeira Rasteira, no rio Teles Pires, no município de Apiacás. A continuidade da hidrovia no rio Tapajós, a partir de Itaituba, rio acima, depende das três usinas hidrelétricas planejadas: São Luiz do Tapajós, Jatobá e Chacorão. Esse trecho, que vai até a Cachoeira Rasteira, então, se transformaria em via navegável. É aí, justamente, onde se localizam as terras indígenasMunduruku, Apiacás, Kayabi, Saí Cinza, Sawré Maybu, Dace Watpu, Sawré Apompu e Sawré Jiaybu.
Além da hidrovia Tapajós – Teles Pires, na Amazônia, o PHE também planeja o Sistema Hidroviário do Amazonas: Rios Amazonas, Solimões e Negro e o Sistema Hidroviário do Madeira: Rio Madeira, que impactarão outras terras indígenas.
As grandes empresas envolvidas no PHE
A Elaboração do PHE é de responsabilidade do Ministério dos Transportes em parceria com o Consórcio Arcadis Logos. A Arcadis Logos é especializada em gerenciamento de projetos e iniciou suas atividades em 1970 como Logos Engenharia. Posteriormente associou-se à holandesa Arcadis NV, fundada em 1887 e com sede em Amsterdam.
A Arcadis Logos é uma gigante com sede em São Paulo, que detém o monopólio de atuação em projetos deMineração, Siderurgia, Papel e Celulose, Cimento, Energia Elétrica (através da Arcadis Logos Energia) – Geração e Transmissão. Uma das empresas do Grupo, a Arcadis Tetraplan desenvolve estratégias de licenciamento ambiental, elabora EIAS/RIMAS, PBAS, Gestão e Implantação de Programas Socioambientais de projetos hidrelétricos. Existe uma espécie de simbiose entre grandes interesses de mega empresas nacionais e internacionais para desintegrar aAmazônia.
Os planos de construção das hidrelétricas e a implantação da hidrovia na bacia do rio Tapajós estão profundamente entrelaçados. A hidrovia Tapajós-Teles Pires precisa das hidrelétricas para se viabilizar. As plantas industriais de beneficiamento de bauxita, apenas para citar um exemplo, precisam de muita energia e de transporte mais barato para o porto de Roterdã.
No Sumário Executivo do PHE há menção à presença de comunidades indígenas que “podem ser um impedimento à expansão do transporte hidroviário interior, quando este impacta na maneira de viver das comunidades”. As situações críticas ambientais e sociais, título desse trecho do sumário executivo, se refere aos rios que atravessam áreas de importância ambiental e à oposição dos movimentos sociais e ambientalistas às hidrovias, problemas que podem aumentar o risco dos investimentos.
Pela primeira vez, desde o início do PHE, há referência em apenas três linhas às áreas de preservação da biodiversidade e aos povos indígenas Munduruku, Apiacás e Kayabi.
Para os mentores do PHE a posição do Sistema Hidroviário do Tapajós é estratégico, pois vai ligar os “maiores centros de produção agrícola do Brasil ao rio Amazonas” e ao Oceano Atlântico. Está implícito que a presença de territórios indígenas é um mero obstáculo muito mais facilmente contornável do que as corredeiras do rio Tapajós. Por cima desses povos indígenas, populações ribeirinhas e das áreas relevantes para a biodiversidade, o PHE pretende passar 9,7 milhões de toneladas de soja, farelo de soja e milho, e fertilizantes, em 2031.
Será isso o que queremos para a Amazônia?
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