“As empresas interessadas em construir hidrelétricas na Patagônia são transnacionais da Itália, especialmente a Enel, e isso nos ajuda a entender que vivemos em uma época de novo colonialismo, porque antes estávamos submetidos ao poder econômico e político da Espanha, hoje da Itália, e amanhã não se sabe de quem”, lamenta o bispo de Aysén.
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Confira a entrevista.
O projeto para a construção de cinco hidrelétricas na Patagônia chilena, aprovado em maio do ano passado pelo governo, sinaliza “um novo colonialismo”, diz Dom Luis Díaz Infante de la Mora à IHU On-Line, em entrevista concedida pessoalmente quando esteve na Unisinos participando do Congresso Continental de Teologia. Infante de la Mora vive na região de Aysén, onde está prevista a construção de hidrelétricas. Ele diz que a Patagônia nunca foi valorizada pelos governos chilenos, e hoje desperta interesse internacional porque é vista como um potencial de geração de energia às empesas mineiras que estão localizadas no norte do país. “Há alguns anos se fala na possibilidade de construir hidrelétricas na Patagônia para disponibilizar energia para empresas mineiras, especialmente as de cobre, que estão instaladas no norte do Chile, ou seja, a 2.300 quilômetros de distância da Patagônia. Isso é um equívoco, considerando que há possibilidade de investir em fontes energéticas locais”, assinala.
Para o bispo de Aysén, a Patagônia tem despertado interesse internacional porque a “água é um elemento mais essencial do que o petróleo. Portanto, ser dono da água significa ter muito poder”. Somente no Chile, informa, “empresas transnacionais, com visão de presente e futuro, têm se ‘adonado’ das águas (…) Para se ter uma ideia, cerca de 82% das águas chilenas são propriedade de uma única empresa, e 96% das águas da Patagônia pertencem a uma mesma companhia”. E dispara: “Adonando-se dos territórios, as empresas se adonam dos povos, das culturas, por isso falo em colonização. O mais grave é que isso está acontecendo com a cumplicidade dos governos locais e federal”.
Luis Díaz Infante de la Mora (foto abaixo) nasceu na Itália, mas desde 1978 vive no Chile, onde cursou Teologia e Filosofia na Universidad Católica de Santiago. Foi ordenado padre na Bolívia, em 1990, e hoje é bispo de Aysén.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que consiste sua luta, no Chile, pela universalização da água?
Dom Luis Díaz Infante de la Mora – Eu vivo na Patagônia, onde há muita abundância de água. Essa é uma região que sempre foi abandonada pelos governos. Entretanto, nos últimos anos, empresas de todo o mundo estão comprando terras na região, e isso tem chamado a atenção de muitas pessoas, porque a Patagônia sempre foi um lugar esquecido.
Há alguns anos se fala na possibilidade de construir hidrelétricas na Patagônia para disponibilizar energia a empresas mineiras, especialmente as de cobre, que estão instaladas no norte do Chile, ou seja, a 2.300 quilômetros de distância da Patagônia. Isso é um equívoco, considerando que há possibilidade de investir em fontes energéticas locais. Entretanto, o governo chileno aprovou a construção de cinco grandes hidrelétricas em maio de 2011. Esse projeto fez com que a população se manifestasse ou a favor ou contra as hidrelétricas.
Como Igreja, temos a possibilidade de ajudar as pessoas a entenderem essa situação e, para isso, estamos desenvolvendo algumas jornadas pastorais para discutir temas como a água, o meio ambiente, energia. Essas discussões ajudam a população a discernir sobre a finalidade desses projetos. O movimento ecologista, que se opõe a esse projeto, também nos ajuda a compreender que temos de discutir essas questões e associá-las às estruturas de poder, seja econômico, político ou judicial, que estão unidos entre si. Pouco a pouco também fomos descobrindo que a população tem o poder de fazer valer seus sentimentos, suas opiniões, sua cultura, sua fé, e se opor à construção dessas hidrelétricas em prol da Patagônia.
A discussão da Igreja tem nos ajudado a entender a crise ecológica, o aquecimento global, dando um sustento teológico a posturas ecológicas. Tudo isso tem contribuído para que o tema da Patagônia chegue a diversas regiões do Chile.
IHU On-Line – Quais são as empresas interessadas nas terras da região e nos projetos hidrelétricos?
Dom Luis Díaz Infante de la Mora– As empresas interessadas em construir hidrelétricas na Patagônia são transnacionais da Itália, especialmente a Enel, e isso nos ajuda a entender que vivemos em uma época de novo colonialismo, porque antes estávamos submetidos ao poder econômico e político da Espanha, hoje da Itália, e amanhã não se sabe de quem. A italiana Enel é 30% estatal e 70% privada, e os cidadãos italianos estão reclamando e protestando pela intervenção estatal na Patagônia.
IHU On-Line – Como os movimentos ecológicos têm atuado diante dos projetos hidrelétricos? Eles têm representatividade política?
Dom Luis Díaz Infante de la Mora – Cada movimento trabalhava por sua conta e, pouco a pouco, ao compreenderem a sintonia entre os temas envolvidos nesta discussão, fomos nos unindo e, por isso, surgiu o movimento “Patagônia Unida”. Na região onde vivo, chamada Aysén [1], não existem universidades, porque a população é pequena. Então, os estudantes que têm de ir para universidade estudam em outras cidades, e eles têm sido o melhor canal de informação desta problemática para o resto do Chile. Por isso, em todo o país há uma grande sintonia e mobilização para que não se destrua a Patagônia. A sociedade civil tem organizado manifestações questionando esses projetos, como a campanha “Patagônia sem Represas”, que posteriormente deu origem ao movimento estudantil chileno, organizado no ano passado.
IHU On-Line – Como o governo chileno se posiciona diante desta crítica à construção das hidrelétricas na Patagônia?
Dom Luis Díaz Infante de la Mora – No Chile, o governo atual, da mesma forma como os anteriores, é abertamente neoliberal, porque responde a uma Constituição elaborada em 1980, na ditadura de Augusto Pinochet. Trata-se de uma legislação que possibilita a privatização. Então, o Chile está sendo privatizado: as terras, a água, os recursos naturais estão sendo vendidos às transnacionais. Para se ter uma ideia, cerca de 82% das águas chilenas são propriedade de uma única empresa, e 96% das águas da Patagônia pertencem a uma mesma companhia. Então, o governo atual e os anteriores, que diziam ter um discurso socialista, têm aprofundado a privatização, favorecendo as grandes empresas. Além disso, a Constituição prevê a separação do uso e da posse da terra e da água. Então, se uma pessoa tem um campo e nessa área passa um rio, esse rio não pertence à propriedade. Isso rompe com toda a tradição e a vida das pessoas. Esse modelo só poderá ser rompido com a atuação de movimentos sociais que impeçam ou questionem esse sistema.
IHU On-Line – Na Espanha também tem havido muitas manifestações contra a privatização da água. Essa é uma tendência mundial? Quais as implicações?
Dom Luis Díaz Infante de la Mora –A água é um elemento vital, e sem ela não há vida. Hoje, em uma época de crises globais, tempos de crise ecológica, a água é um elemento mais essencial do que o petróleo. Portanto, ser dono da água significa ter muito poder. É isso o que acontece no Chile: empresas transnacionais, com visão de presente e futuro, têm se “adonado” das águas. Adonando-se dos territórios, as empresas se adonam dos povos, das culturas, por isso falo em colonização. O mais grave é que isso está acontecendo com a cumplicidade dos governos locais e federal. Por isso as organizações, sobretudo as estudantis, estão indignadas não somente com esse governo, mas também com os anteriores.
IHU On-Line – No Brasil também havia uma expectativa em relação aos governos que se apresentavam com um discurso social. No entanto, crescem os projetos desenvolvimentistas que não consideram as questões ambientais e dos povos tradicionais. Como vê a atuação desses governos em toda a América Latina?
Dom Luis Díaz Infante de la Mora – São governos que estão submissos ao poder mundial: ao Banco Mundial, ao Fundo Monetário Internacional – FMI, que ou se submetem a essas políticas marginais ou são marginalizados. Todavia, não existe uma organização que agrupe e proponha outro modelo. Por isso estou convencido de que as mudanças climáticas são um dos elementos críticos que nos ajudam a entender que vivemos uma nova época da humanidade, e não podemos conviver mais com modelos anteriores. Então, os modelos capitalista e socialista que experimentamos até o momento não serão significativos para esta nova época. Os governos atuais – você fala de Lula no Brasil, eu falo de Chile e Argentina – são repetições de governos anteriores, de colonização; governos que estão submissos a poderes internacionais.
IHU On-Line – Qual a expressão da Teologia da Libertação no Chile?
Dom Luis Díaz Infante de la Mora– A expressão que sinto mais evidente é a de que tem proporcionado um desenvolvimento espiritual e ético sobre temas importantes como a água, meio ambiente, estruturas de poder, o qual ajuda as pessoas a tomarem consciência desses poderes. E as respostas a essa tomada de consciência, em alguma medida, já estamos vendo através da reação do povo nas ruas, com manifestações pacificas e, às vezes, violentas. Tenho participado das assembleias que envolvem discussões sobre os impactos das hidrelétricas, com sócios da empresa italiana Enel e da chilena Colbún, responsáveis pelos projetos hidrelétricos. Tenho percebido que não gostam da nossa postura de ajudar as pessoas a tomarem consciência desses temas, porque a reação da população é de rechaço a esse novo neocolonialismo. Em fevereiro e março deste ano houve muitos protestos no Chile, justamente por causa desses temas, que tem levado o governo a replanejar seus projetos, como o do empresário brasileiro Eike Batista. Ele propunha construir a termelétrica Central Castilla, que foi questionada juridicamente por um povoado de 300 habitantes, e posteriormente, rejeitada.
Então, na medida em que as pessoas tomam consciência e não se deixam comprar pelas multinacionais, há esperança, futuro. Precisamos perceber que uma das estratégias dessas multinacionais é comprar nossos bens e nossa consciência. Por isso buscam comprar instituições que podem questionar esses projetos, como, por exemplo, as igrejas. Então, muitas multinacionais compram as igrejas construindo templos, seminários.
IHU On-Line – Isso acontece com frequência?
Dom Luis Díaz Infante de la Mora – No Chile, sim, com frequência. Inclusive há um exemplo real em Megüín, um pequeno povo vilarejo de índios mapuches, onde uma empresa papeleira compra as pessoas para que estejam favoráveis aos seus projetos. Eles dão um valor em dinheiro durante dez anos em troca do apoio das pessoas. Também compraram a Igreja Católica, porque construíram um seminário para ela, e várias capelas. Também compram os fiéis evangélicos, e os pastores recebem um saldo adicional, de acordo com a quantidade de fregueses que incorporam a sua igreja. É uma maneira descarada de comprar as pessoas.