Hidrelétricas do Madeira: “Usinas podem resultar em catástrofe”, alerta pesquisador.

O pesquisador Artur Moret, da Universidade Federal de Rondônia (Unir), alerta que as usinas hidrelétrica de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, terão o que os hidrólogoss denominam de “curva de remanso” capaz de produzir resultados catastróficos em Rondônia e na Bolívia. “No lago de Santo Antônio, a altura pode chegar a 2 metros. No lago de Jirau, a “curva de remanso” pode chegar a 6 metros, por causa do sedimento que vai ficar represado nesse lago, aumentando assim as possibilidades futuras de alagamento da Bolívia, da BR-364 e de outros lugares que ainda não sofreram cheias desse porte. Sem estudos e planos de contingência, o futuro é incerto” – afirma.

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/529173-hidreletricas-do-madeira-usinas-podem-resultar-em-catastrofe-alerta-pesquisador

 

A entrevista é publicada pelo Blog da , 12-03-2014.

Moret explica que atrás da represa existe a “curva de remanso”, que é um nível modificado pela represa, o que aumenta o alagamento acima da barragem.

– Já podemos ver os efeitos na BR-364. No Distrito de Jacy Paraná, a água invadiu a estrada interrompendo-a. Sem o efeito da curva de remanso, a altura não passaria da mesma cota da barragem porque as usinas hidrelétricas do Madeira são estruturantes, ou seja, não alteram a cota. Entretanto, a curva de remanso eleva a altura do lago e os alagamentos em locais que não seriam afetados – acrescenta o pesquisador.

Moret assinala a existências das situações a montante (antes da barragem) e a jusante (após a barragem) em relação ao alagamento em Rondônia. Afirma que o alagamento a montante é resultado direto da construção das barragens.

– A jusante não podemos dizer que tenha relação direta, porque a barragem está bombeando toda a água que chega e isso nos informa que se não tivesse a barragem a enchente seria igual. A altura do alagamento já chegou a valores menores de 18 metros. Nesse ano as estimativas afirmam que o valor pode chegar a 18,30 metros.

Outra questão considerada importante pelo pesquisador se refere a operação das hidrelétricas.

– Não podem segurar água para diminuir o alagamento a jusante, tampouco bombear para diminuir o alagamento a montante. Caso segure água no lago para diminuir o alagamento a jusante, o resultado a montante seria ainda maior. Caso bombeie mais água do que a vazão para diminuir o alagamento a montante, o resultado na cidade de Porto Velho seria sério, porque a barragem é muito próxima da cidade e os efeitos do aumento da água nos igarapés aumentaria o alagamento no centro da cidade.

Por causa da cheia do Madeira, mais de 10,5 mil pessoas deixaram suas casas em Rondônia. A BR-364 teve que ser fechada para ônibus e e automóveis porque alguns trechos estão inundados. Apenas caminhões podem trafegar durante o dia na rodovia federal, que é a na única via de acesso terrestre do Acre ao restante do país. O Acre enfrenta problemas de abastecimento de insumos para construção civil, alimentos perecíveis, combustível e gás de cozinha.

Professor do mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente da Unir, com experiência na área de planejamento em elétrica, Artur Moret também critica o espantoso silêncio das organizações ambientalistas e dos políticos.

Eis a entrevista

Por que nunca se viu o Rio Madeira, antes da construção das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, transtornar simultaneamente a vida das populações do Acre e Rondônia?

Essa enchente é histórica. A última data de 1997, chegando a uma vazão de 47mil m³ por segundo. Recebi informação, na semana passada, que a vazão já era de 54,3 mil m³ por segundo e com possibilidade de aumentar mais, ou seja, essa vazão já está em torno de 15% maior do que aquela de 1997.  As grandes enchentes são cíclicas, entretanto, as mudanças climáticas e o uso da terra ou desmatamento alteram sobremaneira o clima, o que faz incidir mais chuvas sobre a região. Quero chamar atenção para duas questões. A primeira, me detenho nas mudanças climáticas. O Rio Madeira recebe água de dois grandes rios bolivianos, o Madre Dios e o Beni, que escoam água do degelo dos Andes. Com o aumento da temperatura do planeta é possível que a incidência de descongelamento seja cada vez mais. Da mesma forma, as chuvas resultam da evaporação desse processo de aquecimento, portanto, há todos os indícios que levam a um maior índice pluviométrico. Aliando maior degelo e maior incidência de chuvas, poderemos ter eventos cada vez mais intensos de alagamento na região.

Qual a outra questão?

Trata-se de um evento nominado pelos hidrólogos de “curva de remanso”, como explica o hidrólogo Jorge Molina. Atrás da represa provoca-se, como é chamada, uma “curva de remanso”, que é um nível modificado pela represa. Esse nível modificado da represa, como projetado pelo hidrólogo, pode chegar a dois metros no lago da Usina hidrelétrica Santo Antônio, ou seja, é uma altura razoável para aumentar o alagamento acima da barragem. Já podemos ver os efeitos na BR-364. No Distrito de Jacy Paraná, a água invadiu a estrada interrompendo-a. Sem o efeito da curva de remanso, a altura não passaria da mesma cota da barragem porque as usinas hidrelétricas do Madeira são estruturantes, ou seja, não alteram a cota. Entretanto, a curva de remanso eleva a altura do lago e os alagamentos em locais que não seriam afetados.

Pode detalhar melhor isso?

No que tange aos alagamentos, temos duas situações: a montante (antes da barragem) e a jusante (após a barragem). O alagamento a montante é resultado direto da construção das barragens. A jusante não podemos dizer que tenha relação direta, porque a barragem está bombeando toda a água que chega e isso nos informa que se não tivesse a barragem a enchente seria igual. A altura do alagamento já chegou a valores menores de 18 metros. Nesse ano as estimativas afirmam que o valor pode chegar a 18,30 metros.

Uma situação delicada, de difícil controle?

Uma outra questão importante, referente a operação: as hidrelétricas do Madeira não podem segurar água para diminuir o alagamento a jusante, tampouco bombear para diminuir o algamento a montante. Caso segure água no lago para diminuir o alagamento a jusante, o resultado a montante seria ainda maior, como mostrado anteriormente. Caso bombeie mais água do que a vazão para diminuir o alagamento a montante, o resultado na cidade de Porto Velho seria sério, porque a barragem é muito próxima da cidade e os efeitos do aumento da água nos igarapés aumentaria o alagamento no centro da cidade.

O Movimento dos Atingidos por Barragens diz que a inundação o Madeira foi intensificada após ilegal e descompassado aumento dos reservatórios de água das usinas hidrelétricas. Concorda com isso?

Os efeitos do aumento de 0,8m de aumento do lago não pode ser a causa de tanto algamento.

O Acre jamais havia ficado isolado do restante do país por causa do fechamento da BR-364 em decorrência do alagamento de trechos da rodovia. A causa disso é ou não a barragem da hidrelétrica de Santo Antonio?

As duas usinas hidrelétricas terão curva de remanso que podem produzir resultados catastróficos, como já explicitei. No lago de Santo Antônio,  a altura pode chegar a 2 metros. No lago de Jirau, a curva de remanso pode chegar a 6 metros, por causa do sedimento que vai ficar represado nesse lago, aumentando assim as possibilidades futuras de alagamento da Bolívia, da BR-364 e de outros lugares que ainda não sofreram cheias desse porte. Sem estudos e planos de contingência, o futuro é incerto.

Qual é a série histórica de cheias do Madeira? Ela foi ignorada pelos engenheiros durante a reconstrução de trechos da rodovia que poderiam sofrer alagamento e efetivamente estão submersos.

É inadmíssível que empresas do porte dos consórcios construtores deixem de considerar as cheias históricas e cíclicas para balizar os plano de construção. Ou seja, se há possibilidade de que a vazão chegue a um ponto “x” elevando a altura do lago em “y”, a reconstrução das estradas ou diques deveriam ter sido projetados para evitar danos. Os plano de contigência são posteriores aos planos construtivos. Ou seja, os planos de contigência deveriam ser feitos para balizar as ações das empresas e das instituições públicas no que tange aos alagamentos e outros eventos adversos. Mais que isso, a construção já deveria minimizar os alagamentos baseando nos dados históricos de cheia.

Algum exemplo disso?

As empresas no momento do licenciamento, por exemplo, não entregaram o Estudo de Impacto de Vizinhança, exigido no Estatuto da Cidade, ou seja, o poder público licenciou os empreendimentos sem saber quais seriam os impactos na cidade de Porto Velho, tanto na cidade quanto nos distritos. O evento do isolamento do Acre e de parte de Rondônia deve impulsionar as instituições que fiscalizam estes empreendimentos, no caso IbamaAneel e MPF, a suspenderem a licença de operação até que planos sérios sejam elaborados.

Acredita que os problemas se agravarão e que as populações do Acre e Rondônia, sobretudo ribeirinhos, vão enfrentar problemas maiores por causa das barragens no Madeira?

Pelo menos, as informações e dados do passado devem ser considerados para projetar o que pode acontecer no futuro. Há tecnologias e metodologias disponíveis para isso. Com os recursos financeiros que as empresas tem é possível fazer esses estudos. Como eu disse anteriormente, os problemas construtivos das usinas hidrelétricas podem provocar problemas às populações que vivem sobre influência do Rio Madeira. Agregando-se a isso, não menos importantes, são os efeitos das mudanças climáticas.

Como vê o silêncio ou a mera perplexidade de organizações ambientalistas e até de políticos do Acre e Rondônia que defendiam a construção das hidrelétricas como redenção econômica da região?

As empresas e instituições que apoiaram a construção das hidrelétricas no Rio Madeira receberam as benesses dos empreendimentos, portanto, estão de mãos atadas para as críticas. Mais grave que isso, as duas empresas proprietárias das hidrelétricas estão em silêncio, estão deixando a poeira baixar, entretanto, detém informações que deveriam ser repassadas à sociedade sobre a operação, a contingência na situação atual, o tamanho do lago, os locais alagados na situação atual e noutras situações de maior ou menor vazão.