Vale do Omo, Etiópia, 21/11/2013 – A construção de uma grande linha de transmissão que exportará eletricidade gerada por um dos grandes projetos hidrelétricos da Etiópia, Gibe III, é uma ameaça para centenas de milhares de pastores que vivem na área. A represa Gibe III, que gerará 1.800 megawatts (MW), está sendo construída no sudoeste do país, no rio Omo, ao custo de US$ 1,7 bilhão. O Estado estima que entraram mais de US$ 400 milhões anuais com a exportação de sua energia. Quando concluída, a hidrelétrica será a quarta do mundo em tamanho.
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por Ed McKenna, da IPS
No entanto, a central também afetará a existência e os meios de vida de centenas de milhares de indígenas no trecho inferior do Vale do Omo, e de habitantes próximos ao Lago Turkana, no Quênia, que também dependem do Omo. As comunidades étnicas bodi, daasanach, kara, mursi, kwegu e nyangatom, que vivem junto ao rio, dependem de suas inundações anuais para plantar os cultivos com que se alimentam. A comunidade seminômade dos mursis está sendo reassentada como parte de um plano do governo etíope para construir novas aldeias e iniciar uma grande plantação de cana-de-açúcar, transformando os pastores nômades em agricultores sedentários.
As centenas de quilômetros de canais de irrigação que estão sendo escavados para desviar as águas do rio para regar essas grandes plantações impedirão que as comunidades indígenas continuem vivendo como sempre o fizeram. “Falam que nossa terra é propriedade privada. Estamos muito preocupados com nossa sobrevivência, já que nos obrigam a mudar para onde não há água, grama nem cultivos”, protestou um mursi à IPS. Segundo o plano governamental, o Vale do Omo será um centro nevrálgico da agricultura comercial em grande escala, irrigada por águas da represa Gibe III.
Até agora, 445 mil hectares foram destinados a empresas estrangeiras da Malásia, Índia e de outros países para produzir açúcar, agrocombustíveis, cereais e outros cultivos. “Gibe III agravará a pobreza dos mais vulneráveis. O governo já tem problemas para enfrentar a fome de seus cidadãos. Ao se apropriar das terras e da água do Vale do Omo, está criando uma nova classe de refugiados internos, que já não serão autossuficientes”, disse à IPS Lori Pottingher, da organização ecológica International Rivers.
Organismos financeiros internacionais, como Banco Mundial e Banco Africano de Desenvolvimento, comprometeram US$ 1,2 bilhão para construir 1.070 quilômetros de linhas de alta tensão desde a região de Wolaita-Sodo, na Etiópia, até Suswa, cem quilômetros a noroeste de Nairóbi, capital do Quênia. A linha que transportará a energia de Gibe III conectará a rede elétrica etíope à do Quênia, com capacidade de dois mil MW. De acordo com o Banco Africano de Desenvolvimento, a represa promoverá a geração de energia renovável e a cooperação regional, além de garantir eletricidade confiável e acessível para cerca de 870 mil famílias em 2018.
No último Informe sobre Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas (ONU), a Etiópia ocupa o posto 173 entre 187 países. Contudo, o segundo país mais povoado da África também é uma das economias de mais rápido crescimento no continente. Segundo o primeiro-ministro Hailemariam Desalegn, o produto interno bruto crescerá 11% em 2014. Aproveitar seus enormes recursos hídricos para gerar até 45 mil MW e vender o excedente para seus vizinhos é um componente fundamental do quinquenal Plano de Crescimento e Transformação da Etiópia.
Esse país do Chifre da África gera atualmente dois mil MW em seis hidrelétricas e investe nesse tipo de energia um terço de seu PIB total, próximo dos US$ 77 bilhões, mais do que qualquer outro país africano. Entretanto, segundo um informe do Banco Mundial divulgado em 2010, só 17% dos 84,7 milhões de habitantes da Etiópia tinham eletricidade naquele momento. A estatal Ethiopina Electric Power Corporation (EEPCO) prevê cobertura de 100% em 2018.
“Estamos ajudando a mitigar o risco climático que implica consumir combustíveis fósseis, e a reduzir a taxa de desmatamento, que é elevada na Etiópia. A energia hidrelétrica beneficiará nosso desenvolvimento”, disse à IPS o diretor executivo da EEPCO, Miheret Debebe. O governo insiste em que o bem-estar das comunidades de pastores que estão sendo reassentados é uma prioridade e que se beneficiarão dos progressos no Vale do Omo.
“Estamos trabalhando muito para protegê-los e ajudá-los a se adaptar às condições mutantes”, declarou à IPS o porta-voz do governo, Shimeles Kemal. Mas grupos étnicos como os mursis não são consultados sobre mudanças impostas para seu futuro. “Se resistirmos ao reassentamento, vão nos prender”, disse um ancião mursi à IPS. “Temos medo do futuro. Nossa forma de vida está ameaçada. Nos dizem para deixar de andar com o gado, de usar nossa vestimenta tradicional e para vendermos nosso gado. O gado e o movimento são tudo para os mursis”, destacou.
Assegurar que os projetos de desenvolvimento nacional não coloquem em perigo a vida de centenas de milhares de pastores é fundamental, disse Ben Braga, presidente do Conselho Mundial da Água. Ele denunciou os governos que não indenizam comunidades como os mursis, pois o reassentamento é uma consequência inevitável das grandes represas, e exige um consciente planejamento prévio para evitar essas situações de emergência. “Como podemos compensar essas populações para que a maior parte do país se beneficie da eletricidade? Faltam melhores mecanismos de compensação para garantir que os benefícios sejam compartilhados e que todos os interessados sejam incluídos nas consultas prévias à construção”, enfatizou Braga à IPS.