by Joe Fassler

03.16.2020, 10:53

Como os líderes de alimento ‘fast-casual‘ (nt.: o que significa este novo termo: neste sistema a ideia é trabalhar a comida de forma bem mais elaborada, não significando servir pratos chiques, mas com ‘sabor’) mudaram sua posição quanto aos PFASs (nt.: moléculas chamadas de forever chemicals-químicos para sempre, fluorados ou PFCs/perfluorcarbonos) quase da noite para o dia.

Em 01 de janeiro de 2020, algo sutil, mas significativo, mudou São Francisco/Califórnia. Num de seus restaurantes, a popular cadeia de saladas – Sweetgreen -, em silêncio, troca suas tigelas características, hexagonais, para um novo modo de fabricação em seus ingredientes. 

As suas típicas tigelas pareciam semelhantes, mas … a Sweetgreen não faz nenhum anúncio público sobre este novo aspecto. Mesmo na surdina, esta mudança, imperceptível, sinaliza o início de uma profunda transformação.

As tigelas antigas foram tratadas com os PFASs, ou substâncias quimicamente conhecidas como – per e polifluoroalquil -, uma classe de “produtos químicos para sempre (forever chemicals)” fluorados que contaminam o solo e a água , não se biodegradam naturalmente no ambiente e estão ligados a resultados preocupantes para a saúde, incluindo problemas reprodutivos ,  câncer e a disfunção tireoidiana (nt.: substitui o outro halogênico – IODO – elemento essencial do hormônio tiroidiano – tiroxina – e que forma o sistema neurológico do feto. Este hormônio é cedido pela mãe, mas o flúor ao substituir o iodo na tiroxina, favorece o retardamento cerebral e a possível formação do cretinismo no feto. É o tema central do documentário franco-alemão ‘Demain, tous cretins?’). 

Os novos substitutos não tinham o PFAS – aparentemente é a primeira vez que este recipiente usado em restaurantes nos EUA, de acordo com várias fontes do setor com as quais falei neste artigo.

A mudança, relatada pela primeira vez pela Fast Company neste mês de março, é um marco considerável. Em uma investigação realizada em agosto de 2019 para The Counter (então chamada The New Food Economy), relatei que praticamente todos os recipientes para viagem feitos de fibras vegetais modeladas continham este fluorado, o PFAS. Naquela época, a mistura com moléculas fluoradas era a única maneira de se fazer estas tigelas de fibra – de papel bege bastante popular em lanchonetes, ‘food trucks‘ e locais de comida ‘fast-casual‘ – que suportassem comida quente e gordurosa. Sem o PFAS, estas tigelas murchariam e desmoronariam no minuto em que o alimento tocasse nelas. 

Essa realidade está mudando rapidamente. Em uma declaração enviada por e-mail ao The Counter, a Sweetgreen disse que espera em breve que todos os seus mais de 100 restaurantes em todo o país estejam livres do PFAS. “Nosso objetivo é lançar esta nova embalagem para todos os nossos restaurantes em todo o país até o final de 2020, quando também serão produzidos tanto para o mercado interno como para o externo, feitos de papelão reciclado pós-industrial”, dizia, em parte, o comunicado. (Ao longo de 2019, de acordo com registros de importação, as tigelas hexagonais da Sweetgreen foram enviadas pela China para os EUA.)

“É um divisor de águas para o setor de fast-casual“.

Desde a proibição municipal de tigelas feitas de isopor/EPS/poliestireno, no início dos anos 2000, as tigelas à base de fibras vegetais têm sido uma estrela em ascensão nos serviços comerciais de alimentos – mas suas consideráveis ​​desvantagens ambientais só se tornaram conhecidas há muito pouco tempo. Embora não haja dados disponíveis sobre quantas são vendidas a cada ano, Adam Eskin, fundador e CEO da cadeia de fast-casual Digdisse-me que num único posto avançado de sua rede pode-se usar 1.000 tigelas por dia. Portanto, para os grupos de defesa do consumidor que trabalham para divulgar os perigos do PFAS, também nestas embalagens de alimentos, as notícias da Sweetgreen foram motivo de comemoração.

“O fato da Sweetgreen ter se comprometido a eliminar progressivamente o uso de tigelas contendo PFAS até o final deste ano, passa a ser um divisor de águas para o setor de fast-casual“, disse Mike Schade, diretor da Mind the Store, setor de uma empresa nacional de campanhas de conscientização, sem fins lucrativos, a Safer Chemicals, Healthy Families. “Acho que causara, provavelmente, um grande efeito cascata sobre outras grandes cadeias de ‘fast-casual‘. Certamente esperamos que isso inspire e motive outras grandes empresas a seguirem o exemplo.” 

Outras redes de restaurantes ainda não mudaram para a tigela PFAS-free, mesmo em um número limitado de locais. Ainda assim, até o final de 2020, o cenário poderá parecer muito diferente. A Chipotle, outro exemplo de cadeia de alimentos, tem trabalhado ativamente no assunto – e tem algumas notícias próprias. 

 “Estamos trabalhando continuamente para permanecer líderes em todas as áreas da sustentabilidade, incluindo embalagens sustentáveis”, afirmou a empresa, em comunicado por e-mail. “Embora nossas tigelas atuais atendam totalmente aos requisitos regulamentares, queremos continuar promovendo mudanças e identificando as melhores soluções para nossos clientes e o meio ambiente. Trabalhamos em estreita colaboração com nossos fornecedores para desenvolvermos novas embalagens de alimentos com fontes sustentáveis, funcionais, compostáveis ​​e livres de PFAS. Esperamos lançar esta nova embalagem em nossos restaurantes até o final deste ano de 2020.”

A declaração da empresa ecoa o que ouvi de outras fontes do setor: tigelas compostáveis ​​sem PFAS estão motivadoramente próximas, mas ainda não chegaram aqui. Então, como a Sweetgreen conseguiu vencer tantos outros?

A resposta está na Footprint, uma empresa de embalagens sustentáveis ​​sediada em Gilbert, Arizona, que trabalha na direção de eliminar o plástico do setor de varejo, co-fundado por dois ex-engenheiros da empresa transnacional de tecnologia, Intel. Por meio de uma combinação de planejamento criterioso, capacidade científica e sorte, a Footprint foi posicionada para tirar proveito da demanda repentina quando a investigação do The Counter foi interrompida. 

Desde o segundo semestre de 2019, os restaurantes – e os fabricantes de embalagens que os fornecem – estão sob enorme pressão para encontrarem alternativas ao PFAS. Os “produtos químicos para sempre” têm sido uma fonte de acalorado debate, e objeto de alguma legislação, no Congresso.  ‘Dark Waters‘ , um filme de Hollywood estrelado por Mark Ruffalo feito pela produtora premiada de Spotlight e An Inconvenient Truth , destacou os perigos ambientais e de saúde que a produção do PFAS pode representar para as comunidades americanas. 

Talvez o mais significativo seja de que o Biodegradable Products Institute, Inc./BPI (nt.: em português -Instituto de Produtos Biodegradáveis),—líder de certificação norte americano de solicitações de compostagem—anunciou uma mudança em seus padrões de certificação em dezembro de 2017. Desde 1º de janeiro de 2020, o BPI deixou de certificar produtos com mais de 100 partes por milhão de flúor total; níveis acima daqueles que surgem em produto que foi intencionalmente tratado com PFAS. Contextualizando, as 17 tigelas testadas em laboratório pelo The Counter como parte da minha investigação variaram entre 800 e mais de 2.000 partes por milhão/ppm de flúor total.


Tigelas de oito diferentes restaurantes ‘fast-casual’ tinham a presença forte de produtos fluorados

Source: Testing by Graham Peaslee, University of Notre Dame, on behalf of The Counter

Antes ou no dia deste último ano novo, as empresas que desejavam vender pratos e tigelas de fibra vegetal certificados pelo BPI, precisavam se inscrever novamente para obter a certificação, incluindo documentos que mostrassem que estes produtos estariam abaixo do limite – e que essa mudança teve grandes implicações na área de São Francisco. Como as regras desta cidade insistem de que todas as embalagens descartáveis sejam certificados pelo BPI, o novo padrão equivale a uma proibição de fato do PFAS nestas embalagens de alimentos dentro dos limites da cidade. 

Embora as empresas tivessem dois anos para encontrarem uma solução, a baixa conscientização do público e os desafios de engenharia significaram de que a maioria das empresas de embalagens ainda não tivessem desenvolvido estes produtos sem PFAS comercialmente viável até o prazo da metade do ano de 2019. Houve uma disputa de última hora para o desenvolvimento de novos produtos antes do prazo ser atingido, lançando luz sobre um setor que ainda estava apenas começando a se preparar para grandes mudanças. 

Mas a Footprint, a empresa que fabrica as novas tigelas da Sweetgreen, já estava batalhando neste caso. De acordo com Jeff Bassett, vice-presidente de vendas e marketing da Footprint, a empresa começou a tentar encontrar um substituto para o PFAS em fibra moldada em 2016, quando foi contratado pela empresa de alimentos embalados Conagra Brands para renovarem a apresentação de sua linha de produtos alimentícios congelados Healthy Choise. Os objetivos, a princípio, eram mais sobre função e estética do que qualquer coisa – mas as duas empresas logo decidiram que o PFAS poderia ser um passivo no futuro. Os produtos químicos eternos são uma presença onipresente no corredor dos freezers dos mercados, onde são usados ​​em embalagens para ajudarem os alimentos a suportar longos meses de frio, a temperaturas abaixo de zero. 

“Começamos a trabalhar em uma solução para resolver esse problema antes que se tornasse um problema para nossos clientes”, disse Bassett. 

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Um funcionário da Footprint testa uma bandeja de fibra usando uma solução salina projetada para imitar o expurgo da carne de um frango, a fim de validar a resistência à umidade.

A ideia era abraçar a tendência crescente de comida em tigela contendo itens congelados de uma porção que se assemelhavam ao que se pode comprar em um local de fast-casual. Mas fazer tigelas de fibra moldadas para congeladores sem PFAS acabou sendo difícil. 

 “A realidade é fabricar uma tigela sem PFAS, com capacidade de suportar a água, o óleo, ser congelada, ter validade de um ano em alguns casos, e também ser utilizada tanto em microondas como em forno, etc. E, depois de tudo isso, ao serem descartadas, desintegrassem-se completamente, tornando-se passíveis de serem compostadas ​​quando o consumidor termina seu uso – é, sem dúvida, um enorme desafio”, disse Bassett. 

Aseem Das, fundador e CEO da World Centric, empresa de embalagens de alimentos que ainda fabrica tigelas da Sweetgreen nos arredores de São Francisco, descreveu um teste de estresse comum da indústria: uma tigela de fibra será preenchida com óleo escaldante e aquecida a 220 graus Fahrenheit. Se não vazar por 30 minutos, a tigela estará pronta para o horário nobre. Esse tipo de durabilidade é facilmente alcançado com produtos químicos fluorados. Por isso não ser tão fácil estar sem eles. 

Cerca de dois anos atrás, diz Bassett, a equipe da Footprint criou com sucesso o que a empresa chama de fórmula “baseada em bio”, o que significa que os carbonos são derivados de recursos renováveis, não combustíveis fósseis. A barreira protetora não continha PFAS, mas a empresa ainda precisava fazer alguns testes de campo.

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Um funcionário da Footprint verifica a qualidade de uma tigela de fibra na sede da empresa em Gilbert, Arizona.

“Tivemos que garantir que as tigelas não impactássemos ou reduzíssemos o prazo de validade ou queimassem no freezer”, disse Bassett. “A única maneira de fazer isso foi colocá-las no freezer por seis meses e medir a perda de umidade durante esse período de tempo.” Por fim, a nova abordagem foi aprovada – e a finalização ficou pronta no verão de 2019. 

O momento acabou por ser fortuito. O repentino interesse público no PFAS e na fibra moldada atingiu a empresa – que estava entregando suas primeiras unidades livres deste fluorado para a Conagra quando a história do The Counter foi publicada – como uma grande oportunidade de negócios, de acordo com Bassett. Embora a Footprint ainda não tivesse um produto pronto para o espaço do restaurante, acreditava que a parte mais difícil era desenvolver sua formulação proprietária – e que fazer uma versão para restaurantes ‘fast-casual‘ não seria exagero. 

Footprint imediatamente estendeu a mão para Chipotle. “Ligamos para eles e objetivamente dissemos: ‘Percebemos que você tem esse novo desafio. Bem, na verdade temos uma resposta para você ”, lembrou Bassett. Outras redes de restaurantes estavam ligando para perguntar o que poderia ser feito. (A Footprint não comentaria o status de quaisquer parcerias em potencial que ainda não foram anunciadas.) Uma dessas empresas era a Sweetgreen, que procurou a Footprint em busca de uma solução para seu próprio problema com o PFAS. Em pouco tempo, a Footprint e a Sweetgreen começaram a colaborar em uma tigela sem PFAS, uma nova versão que se basearia no sucesso da embalagem Healthy Choice da Conagra

“Se eu dissesse que era fácil, meus engenheiros entrariam aqui e me estrangulariam”, disse Bassett, rindo. “Quando você altera a forma e o tamanho das tigelas, de repente seu processo de fabricação precisa ser alterado. Você precisa alterar o padrão de pulverização dos seus bicos, e é preciso muito trabalho de engenharia.” Mas a empresa estava confiante em sua técnica, e foi capaz de produzir tigelas suficiente para servir toda a base de clientes em São Francisco da Sweetgreen em 01 janeiro de 2020. 

Como as tigelas ainda não são certificadas pelo BPI ( esse processo pode levar de 30 a 45 dias, mas requer documentação que leva meses), elas tecnicamente não estão em conformidade com a letra da lei de São Francisco – embora aparentemente sejam o primeira produto feito de de fibra vegetal de acordo com o espírito da lei. O problema maior da Footprint será dimensionar sua operação de fabricação para acomodar as outras lojas da Sweetgreen, bem como a demanda subsequente de outros negócios. A empresa opera uma rede de três instalações norte-americanas no Arizona, Carolina do Sul e México. O foco atual é expandir as instalações do México em 1,1 milhão de pés quadrados, enquanto implementa uma forma de equipamento recém-projetada que pode aumentar a produtividade em cinco vezes. 

Outras empresas estão seguindo o calcanhar da Footprint. A Eco-Products, empresa de embalagens sustentáveis ​​sediada em Boulder, no Colorado, pertencente à gigante mundial de manufatura Newell Brands, já possui a certificação BPI para sua linha de produtos de fibra moldada Vanguard. No entanto, até o momento, essas tigelas estão disponíveis apenas em uma loja e não é um restaurante tradicional: os visitantes do bar incrementado da Whole Foods em Boulder encontrarão os primeiros tigelas sem PFAS da Eco Products. A empresa espera estar pronta para fornecer grandes redes de restaurantes até junho deste ano. 

“O primeiro passo é criar a química – esse é o grande passo”, disse Sarah Martinez, diretora de marketing da Eco-Products. “Então você entra nos problemas de produção e suprimento. Estamos vendo mais interesse do que esperávamos de cadeias muito grandes, e não são necessárias muitas cadeias para absorver o suprimento do que conseguimos produzir. Esperávamos ter mais produtos disponíveis de forma mais ampla no mercado no momento, mas, devido ao interesse de grandes redes, apenas foi adiada a data em termos de colocá-los em distribuição.”

“É encorajador ver os fabricantes de produtos de fibra moldada e os restaurantes usá-los, seguindo as regras do BPI para eliminar o PFAS”, disse Rhodes Yepsen, diretor executivo do BPI, por e-mail. “Vimos uma enxurrada de atividades nos últimos meses, removendo as reivindicações de certificação do BPI de produtos não compatíveis e trabalhando duro para desenvolver, comercializar e certificar novas soluções. Certificamos alguns itens de fibra moldada sem PFAS, e outros estão em processo para 2020. É uma ótima notícia para empresas e municípios com programas de coleta de sobras de alimentos e instalações de compostagem que recebem esse material.”

Mas outras empresas de embalagens com base em fibras vegetais não conseguiram se mover tão rapidamente – como é o caso da World Centric, que atualmente fornece à Sweetgreen suas tigelas fora de São Francisco. Essas tigelas ainda contêm PFAS, e Aseem Das, CEO da empresa, diz que sua equipe ainda não inventou uma solução pronta para o mercado. 

A edição da World Centric está do lado da manufatura. A empresa historicamente aplicou o que é conhecido como uma “solução de extremidade úmida” – esmagando as fibras vegetais em uma pasta e misturando o PFAS diretamente. Mas as formulações sem PFAS que está sendo explorada não funcionam quando aplicadas desta maneira, e Assem Das estima que levará pelo menos um ano para que os fabricantes possam usar este processo sem PFAS. Desde então, a World Centric adotou uma abordagem mais parecida com a da Footprint: pulverizar o revestimento em uma tigela pronta. Essa mudança significou uma nova cadeia de suprimentos, e Das diz que o World Centric ainda está a alguns meses de poder comercializar um produto próprio sem PFAS.

Para Sweetgreen, isso não foi rápido o suficiente, embora Das diga que o World Centric pode continuar a fazer parceria com a empresa em uma linha potencial de tigelas de tamanho menor ao longo da linha.

“Infelizmente, estamos perdendo este negócio para a Footprint no caminhar da carruagem, por estar começando no final do ano”, disse Das. “Quando você administra um negócio, sempre haverá vitórias e perdas. Parcialmente, é ‘puxa!, deveríamos ter tentado trabalhar em uma solução muito antes’.” 

Correção: Este artigo afirmou originalmente que a empresa de embalagens de alimentos World Centric estava a pelo menos um ano de distância de uma tigela sem PFAS. Em um e-mail em resposta à peça, a empresa esclareceu que a tecnologia para criar uma tigela sem PFAS usando seu processo de fabricação existente ainda está a um ano de distância, mas que desde então avançou com uma abordagem diferente, que é apenas alguns meses de distância. Esta história foi atualizada para refletir esse esclarecimento.

Joe Fassler é o vice-editor do The Counter. Ele edita recursos e investigações e escreve sobre a interseção de alimentos, questões ambientais, tecnologia e cultura.

Tradução parcial livre de Luiz Jacques Saldanha, março de 2020.