Governo quer desmanchar legislação de agrotóxicos.

Notícia divulgada pelo jornal Valor Econômico em 21/11 diz que, “Sob forte pressão do setor produtivo, o governo decidiu que vai rever o rito de aprovação de defensivos [agrotóxicos] no país” (grifo nosso). Segundo o jornal, a Casa Civil está preparando uma medida provisória, a ser publicada até o final deste ano, prevendo a criação de uma comissão técnica que passaria a ser responsável pela análise e pelo registro de novos agrotóxicos.

 

###

POR UM BRASIL ECOLÓGICO,

LIVRE DE TRANSGÊNICOS & AGROTÓXICOS

###

Número 654 – 29 de novembro de 2013

Segundo o Valor, duas propostas foram apresentadas ao governo reivindicando a medida: uma encaminhada pelas empresas do setor, que sugere a criação da CTNAgro, subordinada à Casa Civil e com 13 membros, e outra encaminhada pela bancada ruralista no Congresso Nacional, que sugere a criação da CTNFito, composta por 16 membros, e que teria até 90 dias da data da entrega do processo pelas empresas para se posicionar em relação à aprovação ou não do registro.

Atualmente, o processo de registro de um novo agrotóxico no Brasil envolve, além do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Cada órgão faz sua análise sob o enfoque da sua área de competência: o MAPA avalia a eficácia agronômica do produto, a Anvisa avalia os riscos para a saúde da população e o Ibama avalia os riscos para o meio ambiente. Quando nenhum dos três órgãos encontra evidências de que o produto seja ineficaz ou apresente riscos para a saúde ou o meio ambiente, ou quando não existe no mercado nenhum produto similar que seja menos tóxico, ele é encaminhado para o registro.

Conforme a proposta, a nova comissão decidiria sozinha pela autorização ou não do registro, suprimindo as competências dos órgãos de saúde e meio ambiente.

A comissão que se pretende criar é inspirada na CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, instituída pela Lei 11.105/2005, e que confiscou as atribuições da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) de avaliação de riscos e de decisão sobre o registro de produtos no país.

Na CTNBio, que tem 27 membros e cuja composição é viciada com maioria de técnicos ligados à área do desenvolvimento de transgênicos e não da biossegurança, as decisões são tomadas por voto, e por maioria simples. Como resultado, riscos à saúde e ao meio ambiente têm sido desconsiderados, na situação de “voto vencido”.

O resultado da criação desse tipo de instância de decisão é que até hoje NENHUM pedido de liberação comercial de produto transgênico foi rejeitado, apesar da existência – e da apresentação na Comissão – de sérias evidências de riscos. A despeito dos protestos de uma minoria de membros comprometidos com a segurança da população, algumas análises para avaliação de efeitos à saúde e ao meio ambiente sequer têm sido exigidas, em descumprimento às próprias normas internas da CTNBio. Mais ainda, as já insuficientes normas de avaliação têm sido flexibilizadas – o exemplo mais recente são as mudanças no monitoramento pós-liberação comercial.

É preciso lembrar que o expressivo aumento das lavouras transgênicas no Brasil ao longo dos últimos dez anos, em sua maioria desenvolvidas para tolerar a aplicação de herbicidas, foi um dos grandes responsáveis por levar o Brasil a ocupar, desde 2008, a primeira posição no ranking mundial de consumo de agrotóxicos (pois, ao contrário do que diz a propaganda, as lavouras transgênicas tendem a consumir mais – e não menos – agrotóxicos que as lavouras convencionais).

Atualmente, além e ser o campeão mundial no uso de venenos, o Brasil importa e permite a aplicação de produtos proibidos em outros países. Nossas estruturas de fiscalização não são eficientes e tanto consumidores como, especialmente, trabalhadores rurais são expostos a produtos ligados ao desenvolvimento de câncer, teratogênese, desregulação endócrina, entre muitos outros males.

O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), coordenado pela Anvisa, tem indicado que, nos últimos anos, cerca de 30% dos alimentos consumidos pelos brasileiros apresentam resíduos de agrotóxicos acima dos limites permitidos ou resíduos e agrotóxicos não registrados no país. Outros cerca de 40% apresentam resíduos dentro dos limites permitidos – o que, na verdade, não significa que o seu consumo seja seguro, pois o estabelecimento desses limites é fortemente controverso no meio científico.

Ou seja, utilizamos agrotóxicos em excesso, mas o acha pouco e quer permissão para despejar outros agrotóxicos nas lavouras – prática que acaba por contaminar também solos, ar, cursos d’água e pessoas (observe-se que são recorrentes os relatos da ocorrência de chuvas de agrotóxicos, oriundas da pulverização aérea, sobre comunidades humanas em regiões de grande produção agrícola).

Recentemente a Presidenta Dilma já deu um grande passo ao não vetar o Art. 53 do Projeto de Lei de Conversão (PLV 25/2013) da Medida Provisória 619/2013, dando assim ao Ministério da Agricultura o poder de anuir temporariamente, à revelia da Anvisa e do Ibama, com a importação, produção, distribuição, comercialização e uso de agrotóxicos não registrados no país em caso de declaração, pelo próprio MAPA, de emergência fitossanitária ou zoossanitária.

A medida tinha como objetivo no curto prazo permitir a utilização de venenos à base de benzoato de emamectina para o controle da lagarta Helicoverpa armigera, cuja população explodiu, segundo avaliação do próprio MAPA, como consequência da difusão das lavouras transgênicas Bt (as plantas Bt produzem toxinas inseticidas e têm o objetivo de matar as lagartas que delas se alimentam).

É preciso dizer também que, assim como a flexibilização de regras já permitida para autorizações emergenciais de agrotóxicos não avaliados no País, o completo desmanche da legislação nacional de agrotóxicos pretendido com a criação da nova CTNAgro ou CTNFito representaria uma flagrante incoerência do governo federal, que acaba de lançar o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – Planapo. O Plano, que reúne um conjunto de programas e ações com vistas à implementação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), prevê entre outras medidas a criação de um Plano Nacional para a Redução do Uso de Agrotóxicos (Eixo 1, Objetivo 1, Meta 5).

É urgente uma grande mobilização neste momento para cobrar do governo se seu compromisso é com a saúde da população, o desenvolvimento do campo e a conservação do meio ambiente, ou com as multinacionais produtoras de venenos?