Aviões e tropas da Força Nacional estão em Jacareacanga, município ao sul do Pará, para garantir a entrada de 130 técnicos no território indígena Munduruku para estudos necessários às usinas hidrelétricas de São Luiz do Tapajós e Jatobá. De acordo com lideranças indígenas, as tropas empreendem exercícios de guerra, com voos rasantes e mobilidade das tropas em pontos estratégicos da cidade.
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A reportagem é de Renato Santana e publicada pelo Cimi, 12-08-2013.
O envio dos técnicos e a operação da Força Nacional, porém, fazem parte de quebra de acordo do governo federal com os Munduruku. Após o povo deter três pesquisadores na terra indígena, no início de julho, o governo federal suspendeu os estudos das usinas até a regulamentação do direito à Consulta Prévia – Convenção 169. O que nunca ocorreu.
No entanto, à sombra de tal acordo, a trama da retomada dos estudos se fiou. Durante reunião de caciques e lideranças Munduruku, no último dia 3, o prefeito de Jacareacanga, Raulien Queiroz, do PT, com força policial e institucional, comandou a destituição dos principais dirigentes da Associação Pusuru. Além disso, impediu manifestações contra a construção das usinas hidrelétricas no rio Tapajós. Leia matéria na íntegra aqui.
Quatro dias depois do encontro em Jacareacanga, denunciado pelos Munduruku como forma de enfraquecer a organização interna num movimento orquestrado pelo governo federal, o secretário executivo adjunto do Ministério de Minas e Energia, Francisco Romário Wojcicki, assinou o ofício nº143/2013 enviado para a presidente interina da Funai, Maria Augusta Assirati, comunicando a retomada dos estudos no rio Tapajós.
No documento, Wojcicki informa que um dia antes, 6 de agosto, representantes dos ministérios de Minas e Energia, Planejamento, Orçamento e Gestão, Justiça e Secretaria Geral da Presidência da República, órgão responsável pela regulamentação da Consulta Prévia, decidiram pela retomada dos estudos no último dia 10. A Funai apenas foi comunicada da decisão, cujo estudo segue até 10 de setembro e, numa segunda etapa, entre 15 de setembro e 20 de novembro.
Sem questionamentos, a presidente da Funai, Maria Augusta, enviou, no último dia 8, ofício nº 166/2013 para a Associação Pusuru comunicando o retorno dos técnicos para dali dois dias. Mesmo com um representante do órgão indigenista presenciando tudo o que ocorreu no encontro do dia 3, Maria Augusta parabenizou a “importante reunião acontecida no dia 3 de agosto”. Em ligeira confusão, disse que Jacareacanga fica no Mato Grosso.
“Tudo isso está muito estranho. Os caciques e as lideranças têm certeza de que tudo tem relação, a reunião do dia 3 com esses documentos apenas comunicando a volta dos estudos. A Força Nacional está com caminhão e carros. Circulam pela cidade e nas redondezas”, declara Maria Leusa Munduruku.
Fora da terra indígena
No ofício enviado pelo Ministério de Minas e Energia para a Funai não há nenhuma menção se os técnicos entrarão ou não na terra ou território Munduruku. Ainda assim, a presidente da Funai fez questão de frisar que os estudos ocorrerão fora da área indígena. Em nenhum dos dois documentos, porém, é citada a presença da Força Nacional e como a operação dos agentes militares ocorreria. Mais uma vez Maria Augusta não demonstra questionamentos.
“Os pesquisadores entram no nosso território, mas mesmo se não entrassem as usinas vão atingir tudo, então não pode ser desculpa. O governo quebrou acordo e quer impor projeto contra nós. Vamos resistir”, afirma Maria Leusa. A Munduruku lembra que não foram consultados quanto aos empreendimentos. A primeira parte dos estudos, comunicada à Funai pelo Ministério de Minas e Energia, ocorrerá entre os municípios de Jacareacanga e Trairão (usina de Jatobá) e a segunda entre os municípios de Itaituba e Trairão (usina de São Luiz do Tapajós).
“Não tem como os pesquisadores não passarem nas nossas terras. Aliás, tudo isso é nosso território, que reivindicamos. Se essas usinas saírem, nossas aldeias serão inundadas. Nossos locais sagrados serão inundados. Então é até um absurdo a gente ter que ouvir que os técnicos não entram. A Funai deveria tomar vergonha”, declara de forma enfática Maria Leusa.
Complexo Tapajós: mais um tributo à voracidade do modelo desenvolvimentista
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Na surdina o governo vai levando adiante o plano de construir o Complexo hidrelétrico na bacia do Tapajós – o maior mosaico de biodiversidade do planeta. Embora menos comentado e debatido, o projeto é considerado ainda mais devastador do que Belo Monte.
Não há limites para o modelo desenvolvimentista
Para viabilizar o projeto, o governo publicou em janeiro uma medida provisória – convertida em lei em junho –, reduzindo as unidades de conservação nas áreas que serão atingidas pelas obras.
O retalhamento da principal área de unidade de conservação da floresta amazônica brasileira foi definido como uma “questão lógica”: “Há uma decisão estratégica de desenvolvimento do país e o potencial para gerar a energia capaz de atender essa demanda está localizado em áreas de proteção integral. Para permitir a realização dos estudos, a área tinha que ser desafetada. É uma questão lógica”, disse Roberto Ricardo Vizentin presidente do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), paradoxalmente o órgão responsável pela vigilância dos parques e unidades nacionais de preservação.
Dessa forma se tornou possível o “iminente sacrifício de 140.000 ha de Floresta Amazônica no altar do PAC” diz o Movimento Tapajós Livre. O Complexo Tapajós é mais um tributo à voracidade e insaciabilidade do modelo desenvolvimentista.
Não basta Belo Monte no Rio Xingu, Jirau e Santo Antônio no Madeira, Teles Pires (suspensa no momento), Araguaia ou ainda as dezenas de hidrelétricas em construção pelo país. Agora, o modelo desenvolvimentista quer mais, quer Tapajós – um santuário da biodiversidade não apenas brasileira, mas, planetária.
A voracidade do modelo desenvolvimentista se manifesta também na aposta do pré-sal. Sobre essa matriz energética destaque-se o que disse essa semana o economista José Luís Oreiro em entrevista ao IHU: “Particularmente, sou muito cético com respeito ao pré-sal. Trata-se de um investimento muito volumoso, de uma tecnologia que, ao que tudo indica, está em via de se tornar obsoleta. Não consigo visualizar, nos próximos vinte anos, a matriz energética do mundo ainda baseada na exploração de derivados de petróleo. Então, trata-se de uma aposta de altíssimo risco”.
O pré-sal, segundo Oreiro “veio tarde demais para a economia brasileira, no sentido de que, se o Brasil o tivesse descoberto há vinte anos, realmente poderia ter se aproveitado dessa abundância de petróleo de maneira positiva. O risco que o Brasil corre agora é de investir um monte de dinheiro na exploração do pré-sal e, daqui dez anos ou quinze anos, toda essa tecnologia se tornar obsoleta, porque vamos ter uma revolução energética que vai implicar no abandono, ou pelo menos, numa redução significativa na demanda por derivados de petróleo”.
No “altar” do modelo desenvolvimentista está também o sacrifício do Código Florestal; a portaria 303 da Advocacia Geral da União – AGU; a PEC 215; a já citada Medida Provisória nº 558. O retrocesso e sacrifícios na agenda ambiental e suas implicações não têm limites.
O maior mosaico de biodiversidade do planeta corre risco
A determinação do governo em levar adiante o plano de construir a última grande hidrelétrica do Brasil poderá impor um custo ambiental sem precedentes na história do país, destaca reportagem de André Borges. Um custo ambiental ainda mais pesado do que Belo Monte e proporcional ao significado dos estragos de Itaipu na época da ditadura militar.
A construção do complexo de usinas na bacia do rio Tapajós, entre os Estados do Amazonas e do Pará, vem sendo arquitetada desde a década de 1980. O projeto foi retomado pelo governo faz quatro anos e prevê a construção de cinco usinas hidrelétricas – São Luiz de Tapajós, Jatobá, Cachoeira dos Patos, Jamanxim e Cachoeira do Caí. Dentre dessas, porém, a mais significativa é a usina de São Luiz do Tapajós, que teria potência inferior apenas a Itaipu, Belo Monte e Tucuruí e produziria 6.133 megawatts (MW) de energia a partir da construção de uma barragem de 3.483 metros de comprimento atravessada no coração da Amazônia.
A barragem teria 39 metros de altura, o equivalente a um prédio de 13 andares e seria erguida em uma das áreas mais protegidas da região: o Parque Nacional da Amazônia, a primeira unidade de conservação demarcada na chamada Amazônia Legal que com outras 11 unidades forma o imenso complexo da bacia do Tapajós – o maior mosaico de biodiversidade do planeta.
O que está em jogo – destaca a reportagem é a inundação total de 1.368 quilômetros quadrados de floresta virgem, uma área quase do tamanho da cidade de São Paulo, equivalente a duas vezes e meia a inundação que será causada pela hidrelétrica de Belo Monte, em construção no rio Xingu, também no Pará. A obra atingiria ainda populações indígenas.
A natureza polêmica do projeto é confirmada por Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão vinculado ao governo. Diz ele: “O Tapajós apresenta uma situação inédita para o governo. Nunca atuamos em uma área preservada como essa região. Temos o total interesse em preservar o ambiente o máximo possível. A questão que se coloca é saber se a construção das usinas é incompatível com a preservação. Nós acreditamos que os projetos são viáveis”, afirma não muito seguro.
O mesmo não pensam técnicos ambientais ligados ao Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) que insurgindo-se contra a direção do próprio ICMBio afirmam que é “grave o fato de não haver qualquer estudo que embase a desafetação (redução das florestas), relacionando os impactos diretos e indiretos do empreendimento às características socioambientais” da região. Segundo eles, “entendemos que a compreensão dos impactos, bem como o licenciamento do empreendimento, não pode ser tratada de forma fragmentária, negligenciando as dimensões reais das consequências da viabilização de todo o complexo”. Os registros ambientais feitos até agora, alegam os especialistas, apontam “altíssima biodiversidade, com considerável taxa de endemismo e grande representatividade de espécies ameaçadas de extinção”.
No parque já foram catalogadas mais de 390 espécies de aves e outras 400 de peixes. A riqueza entre os mamíferos inclui animais em extinção como onça-pintada, onça-vermelha, tamanduá-bandeira e jaguatirica. Na área da barragem de São Luiz, há ainda uma das tantas formações de pedras que, durante o período da seca – que atinge o auge em setembro -, transformam-se em imensos corredores ecológicos para a travessia dos animais de uma margem à outra do Tapajós.
A preocupação com os peixes também é grande, devido à mudança no fluxo do rio. A região é cheia de corredeiras. As espécies que conseguirem subir a escada de peixe da usina chegarão ao lago da barragem precisando de mais oxigênio devido ao esforço, mas encontrarão água represada, com quantidade menor de oxigênio que o necessário. A expectativa é que 90% das espécies de peixes sumam. “Para mim, como técnica ambiental, é inegável a sensação de constrangimento ao ver o que querem fazer com o rio mais bonito da Amazônia”, desabafa Maria Lucia Carvalho, chefe do Parque Nacional da Amazônia, ligada ao Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). “Não há nada igual ao Tapajós. Se essas barragens saírem, será a morte do rio como ele existe hoje”, afirma ela
“Onde vamos morar?”
Porém, além dos custos ambientais, há riscos para populações indígenas, dentre eles, os indígenas Munduruku. Perguntam eles sobre a hidrelétrica: “Para quem vai servir? Será que o governo quer acabar todas as populações da bacia do Rio Tapajós? Se apenas a barragem de São Luis for construída vai inundar mais de 730 Km². E daí? Onde vamos morar? No fundo do rio ou em cima da árvore? Aximãyu’gu oceju tibibe ocedop am. Nem wasuyu, taweyu’gu dak taypa jeje ocedop am (não somos peixes para morar no fundo do rio, nem pássaros, nem macacos para morar nos galhos das árvores. Nos deixem em paz. Não façam essas coisas ruins. Essas barragens vão trazer destruição e morte, desrespeito e crime ambiental, por isso não aceitamos a construção das barragens. Se o governo não desistir do seu plano de barragens, já estamos unidos e preparados com mais de 1.000 (mil) guerreiros, incluindo as várias etnias e não índios”, afirmam eles.
A resistência vem também da comunidade de ribeirinhos. A vila de Pimental, comunidade 760 ribeirinhos, tornou-se símbolo de resistência local ao projeto de erguer usinas no Tapajós. Numa recente visita à região, um grupo de pesquisadores tentou entrar na vila. Sem ter feito nenhum tipo de contato prévio, passaram a fazer perguntas aos moradores e a circular pela comunidade. Em pouco tempo, um grupo de ribeirinhos se organizou e impediu a passagem dos pesquisadores. Não chegou a haver confusão, mas todos acabaram expulsos do local. “Essas pessoas chegam na comunidade e só fazem perguntas. Queremos saber o que pode acontecer com a nossa vida e nossas casas, mas eles não explicam nada pra ninguém. Então a gente decidiu proibir”, diz José Odair Pereira, liderança da vila Pereira. “A Eletronorte veio aqui e disse que tinha autorização do presidente para entrar. Não é assim. Aqui não tem prefeito, vereador, governador ou presidente. Aqui é nossa casa, quem manda somos nós”, diz ele.
O anúncio do Complexo Tapajós deu origem em 2009 ao Movimento Tapajós Vivo, cujo objetivo “é empatar a construção de qualquer hidrelétrica na bacia do Tapajós, sem diálogo real com as comunidades e os movimentos sociais”. Em entrevista ao IHU, Jesielita Gomes, oordenadora do Movimento Tapajós Vivo e do Movimento de Mulheres da região à época, afirmava: “Nós dependemos da Amazônia para sobreviver, como é que vamos estragar tudo? Quantos anos nós estamos preservando para de repente o governo vir e em dias acabar com todo esse trabalho”.
Um dos aliados do Movimento Tapajós Vivo, o jornalista Glenn Switkes, coordenador da ONG International Rivers, também em entrevista ao IHU, ainda em 2009, afirmava: “A visão de conquistar os rios da Amazônia com construção de grandes barragens é antiquada, obsoleta, que vem dos anos 1980, ou seja, é uma visão militar de ocupar a Amazônia e transformá-la numa estratégia econômica e política por parte de gente mal intencionada e ignorante, mas principalmente de grandes empreiteiras que querem construir essas barragens de qualquer forma (…) Os rios da Amazônia são os corredores da biodiversidade da floresta. Mexendo com isso, o impacto será muito sério na possibilidade de sobrevivência da floresta e dos povos da floresta”.
Somando-se às criticas os povos da Bacia do Tapajós, carta aberta às autoridades e à população brasileira denunciaram o projeto: “Temos clareza de que os impactos ambientais, econômicos, sociais e culturais, na bacia do Rio Tapajós comprometem a vida humana, animal e vegetal, sem respeitar fronteiras geopolíticas, nem acordos governamentais. Assim, denunciamos a conivência passiva e ativa do governo e seus órgãos, diante dos crimes cometidos pelas empresas construtoras de barragens (Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Corrêa, etc.) e empresas eletro-intensivas (Albras, Alunorte, VALE, Pará Pigmento, Alcoa, Itacimpasa, Imerys Rio Capim Caulim, etc.) que consomem muita energia, geram pouco emprego, saqueiam nossos recursos naturais, contaminam nossos rios, terra, floresta, ar e destroem e violam os direitos das comunidades locais e comunidades indígenas”.
Usinas-plataformas?
Diante da polêmica e da reação, o governo passou a admitir a possibilidade de rever – o projeto original previa a construção de cinco usinas: São Luiz de Tapajós, Jatobá, Cachoeira dos Patos, Jamanxim e Cachoeira do Caí. “Acredito que teremos de abrir mão de parte de nosso potencial hidrelétrico. Certamente não poderemos usar todo o potencial do Tapajós” diz Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Porém, as usinas de São Luiz do Tapajós e Jatobá, exatamente as que mais impactos causarão, estão fora da revisão.
Reagindo às críticas de destruição ambiental, o governo anunciou que as hidrelétricas seguirão um conceito inovador: o de usinas-plataformas, projeto inspirado na logística utilizada pela Petrobrás em suas operações na Bacia de Campos. Segundo o governo, esse conceito elimina a necessidade de construção de vilas no entorno das usinas, o que reduz o risco de desmatamento. Os funcionários seriam levados de helicóptero para o trabalho, onde ficariam por períodos mais longos.
As usinas-plataformas seriam montadas – argumenta o governo – sem a necessidade de abertura de estrada ou grandes desmatamentos, com os equipamentos levados por via fluvial ou por helicópteros. “Não tem cidade, não tem estrada, não tem madeireira. Então você monta uma indústria, as pessoas vão e voltam de helicóptero. É muito promissor”, disse à época o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc.
“Estão tão embriagadas com essa orgia energética que ficaram criativos. Esse folhetim da Eletrobrás apresenta uma chamada inovação na construção de hidrelétricas na Amazônia. O tom é de ufanismo, tipo, ‘hidrelétricas do bem’ ou ‘desmatamento cirúrgico’ (inspirado no Bush) ou ainda ‘reflorestamento radical’”, criticou a ambientalista Telma Monteiro.
Quem também ironiza a proposta é o padre Edilberto Sena, uma das vozes de oposição ao projeto: “A hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, segundo a Eletronorte, será construída, quase como a bíblia descreve a criação do mundo por Deus. Assim: sem destruição, sem impactos negativos, até escadinha para os peixes subirem e descerem o rio haverá. Imagine que ela diz que os trabalhadores não residirão na área de trabalho, mas cada dia serão transportados de helicóptero e barco para a cidade de Itaituba. Quem já viu como se faz uma barragem (aquela será para gerar ao menos 8.000 megawattz de energia, um paredão de 36 metros) pode imaginar que ao menos 10.000 e até 20.000 trabalhadores estarão envolvidos na obra, então…todo dia essa tropa será levada e trazida a Itaituba…”, diz cético.
Pergunta ainda Edilberto Sena: “Mas para quem servirá a eletricidade dessas grandes hidroelétricas, quando o Pará já tem Tucuruí? A construção de da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia começa destruindo natureza e expulsando famílias. Será diferente a hidroelétrica de São Luiz do Tapajós, de Jatobá e do Jamanxim? Por que enganar os povos do Tapajós? Quem pode impedir tais desastres? Só povos esclarecidos, unidos e organizados de Santarém, Aveiro, Itaituba e outros. Mas, estão atentos para isso? O que acontecerá no Alto Tapajós atingirá o povo de Santarém? E por fim, eticamente justifica sacrificar povos e comunidades inteiras em nome do progresso? Quem viver verá!”, conclui ele.
Esquerda conservadora
O complexo Tapajós é mais uma confirmação da concepção ‘fordista’ de visão de mundo de que é refém o governo. Como já destacamos em análises anteriores, a essência do modelo neodesenvolvimentista em curso é fordista, ou seja, assenta-se nas bases produtivista e consumista e investe pesadamente em matrizes energéticas centralizadoras e poluidoras (fósseis), perigosas (nuclear) ou devastadoras do meio ambiente (hidrelétricas). Destaque-se que o eixo energia, na segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2), registra R$ 55,1 bilhões em investimentos.
O modelo desenvolvimentista adotado pela “esquerda” à frente do governo ancora-se na hiperexploração dos recursos naturais. “Lula e Dilma adotaram uma fórmula de governança altamente danosa aos povos indígenas, quilombolas e campesinos que dependem da terra e do território para a sobrevivência física e cultural no Brasil. Essa fórmula associa ao menos dois grandes instrumentos, o incentivo político e financeiro a um modelo econômico desenvolvimentista, altamente dependente da exportação de produtos primários, e a aposta na “desmobilização social”, com no uso indiscriminado de “inibidores sociais”, a fim de manter sob controle as potenciais tensões resultantes de sua opção” comenta Cleber César Buzatto, secretário executivo do Cimi.
A adoção do modelo desenvolvimentista parte de uma concepção reducionista da gravidade da crise climática e permanece preso aos paradigmas do século XX – industrialização tardia e tributária da Revolução Industrial. O Brasil insiste em “jogar pela janela” o seu diferencial na sociedade mundial que é a fantástica riqueza de sua biodiversidade.
No debate em que converteu a lei que retalhou os Parques Nacionais da Amazônia em Medida Provisória, a relatora que defendeu a proposta do governo foi a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). Segundo ela, a decisão foi para “assegurar uma matriz energética nacional limpa e garantir o desenvolvimento sustentável do país e o bem-estar da população”.
De nada adiantou a indignação do movimento social ao afirmar que “as grandes hidrelétricas vêm sendo construídas de forma autoritária e ameaçam ecossistemas de biodiversidade única, as metas brasileiras de redução de emissões de gases de efeito estufa e, principalmente, os direitos humanos e a qualidade de vida de milhares de brasileiros que vivem na região”.
Vanessa Grazziotin do PCdoB soma-se ao seu colega Aldo Rebelo também do PCdoB, que protagonizou um dos capítulos mais tristes da história política brasileira ao se aliar à bancada ruralista. No caso, esse tipo de esquerda, cada vez mais disseminada, que se arvora de inspiração marxista não percebe que a sua visão de mundo é a mesma que orienta a concepção liberal, ou seja, ambas partem do pressuposto de que a evolução das forças produtivas – tudo aquilo que induz o crescimento econômico – é necessário e justificável.